As supersafras e a ponte verde
Foto: Daniel Medeiros
Maurício Antonio Lopes, presidente da Embrapa
O ESTADO DE S. PAULO
A safra do Brasil, em 2013, superou 180 milhões de toneladas de
grãos. Com tecnologias de melhoria dos solos, tropicalização de
cultivos, práticas de defesa ambiental e muito empreendedorismo, os
produtores intensificaram a agricultura em níveis inéditos: temos três
safras no ano. É o bônus de produzir na condição tropical. Mas também há
vários ônus. A abundância de sol e umidade, que faz brotar as plantas,
também acolhe e multiplica doenças e pragas. Há anos, pesquisa e
produtores lutam contra a ferrugem da soja; o avanço da lagarta do
cartucho do milho sobre plantas transgênicas; a multiplicação de nuvens
da mosca branca, disseminando doenças como o "mosaico dourado" do
feijão; e o recente e indiscriminado ataque da lagarta Helicoverpa
armigera ao algodão, milho, soja e hortaliças.
Para lidar com a
multiplicação de problemas fitossanitários, a pesquisa formulou, há
décadas, o Manejo Integrado de Pragas, que preconiza vazios sanitários,
faixas de refúgio para insetos vulneráveis em plantios transgênicos,
épocas de plantio diferenciadas, controle biológico de insetos-praga com
o uso de vírus, predadores e parasitas e a rotação entre culturas
convencionais e transgênicas, além do controle químico. Mas isso não
basta. É fundamental lidar com as condições que o mercado dá ao produtor
para gerenciar suas lavouras. A intensificação, que beneficia o
consumidor com produtos mais baratos, põe o produtor diante de um dilema
típico da inovação: muita tecnologia reduz sua margem de lucro, pois
aumenta a oferta do produto e baixa o seu preço de venda. Hoje, uma saca
de milho custa, em Mato Grosso, menos que seu frete para o porto. Isso
força o produtor a postergar a adoção de práticas que não estejam
diretamente ligadas ao imediato aumento da produção, para reduzir
dispêndios.
Ele abre mão de alguns cuidados, até que isso
signifique perda de produção e renda. É o que ocorre quando se fazem
cultivos em sequência, como milho (ou soja), depois algodão e pastagem, e
se evita o vazio sanitário.
Cria-se a "ponte verde", ou seja, a
sequência ininterrupta de lavouras, que beneficia pragas como a
Helicoverpa armigera. Exótica, sem inimigos naturais no Brasil nem dieta
específica, ela passa de uma lavoura a outra, multiplicando-se sem
interrupção. Para ela, não havia plantas transgênicas resistentes nem
controle biológico. Sua disseminação forçou a intensificação do diálogo
entre produtores e governo e muitos já pedem informações práticas para o
manejo integrado de pragas. E vai pressionar a criação de tecnologias
de produção mais baratas.
A Embrapa e seus parceiros responderam
logo. Há um mês, duas armas biológicas foram identificadas nos bancos de
germoplasma: cepas de baculo vírus e vespinhas que atacam a lagarta e
seus ovos. Já existem duas cultivares resistentes de algodão
transgênico. Será preciso criar biofábricas, multiplicar e distribuir
viras,| vespinhas e sementes e aprovar outros princípios ativos, pois o
controle químico é parte importante do manejo integrado. Tudo isso toma
tempo. Mas o conhecimento está disponível.
A crise de agora pode
ser só o começo de uma etapa de grandes desafios. A nova lei ambiental e
as alterações climáticas vão limitar áreas e aumentar os custos de
produção. Manter a oferta de alimentos vai requerer mais intensificação
da agricultura. Como a Helicoverpa, há mais de 150 insetos prontos para
invadir o País. Sem o manejo integrado de pragas, as perdas podem chegar
a R$ 40 bilhões. E, além de tecnologias, a situação pede melhor gestão
das práticas de produção. Mas não se deve impor o uso de boas práticas
por via legal. Se contrariada a realidade do mercado, o produtor poderá
ficar na ilegalidade. Não queremos isso.
Uma nova ponte deveria
unir os esforços do setor público e privado para fazer das boas práticas
de Produção agrícola um bom negócio para todos. Como se fez na
vacinação contra a febre aftosa. As supersafras vieram para ficar.
Assegurar sua sustentabilidade é o grande desafio. A segurança dos
consumidores, a competitividade e rentabilidade da agricultura tropical
exigem boa vontade e esforço de todos. É preciso construir soluções, e
não barreiras.