Em
Jardim do Seridó, projeto de barragem subterrânea já começa a dar os
primeiros frutos (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
O quinto ano seguido de poucas chuvas no Rio Grande do Norte – já
considerada a estiagem prolongada mais severa da história do estado –
não deixa alternativa para o sertanejo: ou abandona a terra ou aprende a
conviver com a seca. No estado, a Emater (Instituto de Assistência
Técnica e Extensão Rural) vem desenvolvendo projetos que estão ajudando o
pequeno agricultor a suportar os efeitos da escassez de água. A
construção de barragens subterrâneas e o trabalho de recuperação de
solos degradados são dois exemplos.
(O G1 publica nesta semana uma série de
reportagens sobre a mais severa estiagem da história do semiárido
potiguar e as consequências da chamada 'seca verde')
Entre os dias 3 e 6 deste mês, o
G1 foi a onze cidades
do interior potiguar para a ver de perto como o sertanejo, animais e
também a vegetação do semiárido vêm resistindo à falta d'água. Em
Umarizal e Jardim do Seridó, onde a seca também é braba, os projetos da
Emater estão fazendo a diferença. "Me ajuda e ajuda muito toda minha
família", afirmou o agricultor Francisco Gurgel de Freitas, de 62 anos,
ao falar sobre o projeto 'Segunda Água', no qual a Emater constrói
barragens subterrâneas nas terras de pequenos produtores rurais.
Conhecido como Chico de Raulino, foi o agricultor quem explicou como
funciona este tipo de barragem. "Cavamos uma vala na parte mais baixa do
terreno, colocamos uma lona plástica dentro e a prendemos nas pedras
que estão no fundo do solo. Quando a chuva cair, a água vai infiltrar na
terra, mas não vai escoar pelo fundo por causa das rochas e também não
vai escapar pelos lados porque a lona vai segurar. Assim, temos um
barramento subterrâneo que segura a água como uma piscina embaixo da
terra", disse.
Agricultor
em Umarizal, Francisco Gurgel de Freitas espera pelas chuvas para
testar a barragem subterrânea construída em sua propriedade (Foto:
Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
Francisco tem uma pequena propriedade no chamado Sítio Acauã,
comunidade rural do município de Umarizal, na região Oeste do estado. A
barragem subterrânea foi construída em 2012. "Só é possível fazer a
barragem em período de seca mesmo. Agora, é esperar pelas chuvas para
que eu possa plantar. E quando isso acontecer, terei água armazenada
embaixo da terra, assegurando a fertilidade do solo mesmo durante um
longo período de estiagem", ressaltou.
Feliz
da vida com os mamões que colhe, Francisco Gurgel de Freitas quer
aumentar a produção (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
Enquanto a chuva não vem, o agricultor mantém o sustento da família
plantando mamão, acerola, banana, romã, pinha, maracujá e algumas
hortaliças. E a água? "Vem de um poço que eu também escavei em 2012. A
vazão é pequena, de 2 mil litros por hora, mas é o bastante para o
sistema de irrigação por gotejamento. Tudo o que é plantado aqui é para
consumo próprio. Só vendo o mamão porque a produção é maior. Só vou
produzir mais frutas para comercializar quando a barragem subterrânea
estiver com água. E quando chover, mesmo que seja pouca água, ela não
vai se desperdiçar tão facilmente", acrescentou.
Em Jardim do Seridó, barragem subterrânea foi construída no Sítio Recanto (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
Em Jardim do Seridó, na região Seridó, uma barragem semelhante foi
construída no Sítio Recanto, terras do pecuarista José Antão do
Nascimento, de 63 anos. Também escavada em 2012, a barragem tem água
armazenada porque lá as chuvas que caíram em janeiro foram mais
abundantes. "Choveu sim, mas não muito. Só estou colhendo graças à
barragem, senão tinha perdido tudo que plantei", justificou.
José
de Antão não planta para comer. O que ele tira da terra vira ração para
os animais. (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
José de Antão não planta para comer. O que ele tira da terra vira ração
para os animais que cria. Além do milho, ele produz sorgo e capim
forrageiro. "Isso aqui é minha vida. Plantando e colhendo, não penso em
sair daqui nunca", afirmou.
Delson Diniz da Silva, de 53 anos, é mais um
agricultor beneficiado com a barragem subterrânea
(Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
Ainda em Jardim do Seridó, quem também está sorrindo à toa apesar da
seca é Delson Diniz da Silva, de 53 anos. Ele é mais um beneficiado com a
barragem subterrânea. Além da água da chuva, a construção que ele
mantém no Sítio Pedras Pretas também represa a água que vem de um açude.
"É um tipo de barramento ainda melhor. Ajuda a segurar a água da chuva,
que infiltra na terra, e ainda armazena a água que naturalmente escorre
do açude e que fatalmente seria desperdiçada. Aqui, a barragem
subterrânea potencializou em dobro as terras dele", ressaltou o técnico
da Emater Osenaldo dos Santos, que é assessor regional de Convivência
com o Semiárido.
"A barragem foi construída em 2014. E agora estou colhendo os frutos
desse projeto. Graças a Deus está dando tudo certo. Aqui plantamos
feijão, milho, batata doce e melancia. E também tem capim para os
animais", listou Delson.
Osenaldo dos Santos, técnico da Emater
(Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
"O projeto das barragens subterrâneas nasceu em 2008, mas a grande
maioria delas foi implantada em 2012, já no primeiro ano dessa estiagem
braba pela qual estamos passando. E ainda estamos na fase de
implantação. Com a colheita deste ano, é que poderemos fazer uma
avaliação do projeto. Até o final do ano teremos uma análise completa
dos resultados. Mas, a princípio, já podemos garantir que vem dando
muito certo para muitos agricultores, que estão conseguindo conviver som
a seca. É a cultura da subsistência sobrevivendo", pontuou Osenaldo.
Recuperação de solos
A chuva é uma das maiores riquezas, senão a maior preciosidade do
sertanejo. No entanto, as águas que caem do céu não trazem apenas
alegrias. "Se não cuidarmos bem da terra, a chuva pode degradar o
terreno e causar erosões irreversíveis. Isso acontece quando a água
escorre sobre o solo desprotegido, sem vegetação, e leva embora todo o
material orgânico. O resultado é devastador porque só ficam os
sedimentos das rochas, material que é infértil, e a terra que escorre
com a força da água ainda assoreia rios e açudes”, explicou Nilton
Oliveira, técnico em agropecuária da Emater.
No
Sítio Trangola, em Currais Novos, a água das chuvas escorria sobre o
solo desprotegido, sem vegetação, e levava embora todo o material
orgânico (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
Em Currais Novos, na região Seridó, o órgão vem desenvolvendo um
projeto bem sucedido de recuperação de solo, é o chamado ‘Terra Viva’.
“É o segundo aqui no estado. Em Apodi, na região Oeste, existe um
projeto pioneiro que foi iniciado há 16 anos. Aqui em Currais Novos, faz
um ano que lutamos para recuperar uma área que estava se tornando
degradada. Hoje, o resultado da nossa intervenção já é bem visível. Não é
fácil recuperar um solo degradado. É um trabalho a longo prazo. Por
isso a importância da prevenção”, destacou Nilton.
Barramentos
secos em forma de arco romano e renques de pedras estão contendo a
terra e evitando a desertificação (Foto: Anderson Barbosa e Fred
Carvalho/G1)
O terreno que está sendo recuperado é um declive de 180 hectares que
fica numa comunidade chamada Trangola. No local, residem 11 famílias. “A
terra dessas pessoas já estava ficando totalmente degradada, sem
serventia alguma. Para iniciarmos a recuperação, retiramos todas as
rochas, replantamos espécies nativas de vegetação e começamos a nivelar o
solo para que a água da chuva não levasse mais a terra embora. Para
isso, construímos barramentos secos em forma de arco romano e renques,
que são cordões de pedras em curva de nível”, revelou.
Luís José Neto, presidente da Associação dos
Agricultores familiares do Sítio Trangola
(Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
“Tudo o que foi feito evita a desertificação do solo, impede que a
matéria orgânica escoe juntamente com a água das chuvas para dentro dos
leitos dos rios e açudes e ainda segura a terra sobre o solo. Com a
terra firme, a água infiltra e fertiliza o terreno”, acrescentou o
técnico da Emater.
Luís José Neto é presidente da Associação dos Agricultores familiares
do Sítio Trangola. Satisfeito com o resultado do projeto, ele fez
questão de enaltecer o trabalho desenvolvido pela Emater. “O Terra Viva
garante a qualidade das nossas terras e também o nosso sustento. Antes, a
água da chuva deixava a terra sem serventia. Agora, com o terreno
fértil por conta da terra umedecida, nossa lavoura melhorou”, agradeceu.
Maior seca da história
Desde 2011 que o sertanejo potiguar sofre com a falta de boas precipitações. Dos 167 municípios do estado,
153 estão em situação de emergência por causa da escassez de água.
É a pior seca da história do Rio Grande do Norte, segundo o próprio
governo. Atualmente, 14 cidades estão em colapso e 77 desenvolveram
sistemas de rodízio para o abastecimento da população (
veja listas completas no final desta matéria).
As chuvas que caíram no início do ano renovaram os ânimos, mas não
cerraram as angústias. Mudanças, só na paisagem. A água transformou o
cenário acinzentado em um verde exuberante, a chamada 'seca verde'.
Comum no semiárido nordestino, o fenômeno caracteriza-se pela abundância
da vegetação, apesar de um período longo sem água.
Animais
mortos às margens das rodovias que cortam o Rio Grande do Norte fazem
parte de um cenário desolador (Foto: Anderson Barbosa e Fred
Carvalho/G1)
Ao renovar a situação de emergência por mais 180 dias em março deste ano
– a sexta vez seguida desde março de 2013 – o governo do estado
ressaltou que a pecuária havia perdido mais de 135 mil cabeças de gado
de 2012 a 2015, e que entre 2012 e 2014 houve uma redução de 65,79% na
produção de grãos (milho, arroz, feijão e sorgo).
Chuvas normais em 2017
O homem do campo pode ficar otimista para 2017? Segundo a Empresa de
Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn), órgão responsável
pelas previsões climáticas no estado, a resposta é sim.
Meteorologista da Emparn, Gilmar Bistrot explicou que até o final de
2016 as chuvas continuarão abaixo do normal no litoral. “Em junho, por
exemplo, o acumulado foi de 100 milímetros, muito pouco para o período. E
isso se repetirá agora em julho, deixando o tempo bastante seco. Já
para o interior, cuja seca já está confirmada mesmo, a esperança é mesmo
para 2017. O tempo deve começar a melhor ainda em dezembro deste ano,
tendo a situação das chuvas normalizada durante todo o ano que vem”,
afirmou Bistrot.
O RN possui dois calendários pluviométricos bem distintos. Um deles
envolve o litoral Leste, cujo período chuvoso começa em maio e se
estende até meados de setembro. Toda a Grande
Natal
está nesta área. Já para o semiárido, território que compreende até 97%
dos municípios, o período chuvoso é mais curto. Começa ainda no final
de dezembro, chega até o início de janeiro e logo é interrompido.
Depois, as precipitações voltam no final de fevereiro e seguem até
meados de março. É assim todos os anos.
“O problema é quando as chuvas ficam abaixo da média, o que vem
acontecendo há cinco anos”, ressalta Mairton França, secretário estadual
do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos. “Desde que passamos a
monitorar as chuvas, há 450 anos, o estado já enfrentou 116 períodos de
longas estiagens. Não estamos vivendo a mais longa, mas certamente é a
mais severa”, frisou.
Municípios em situação de emergência
Acari, Assu, Afonso Bezerra, Água Nova, Alexandria, Almino Afonso, Alto
dos Rodrigues, Angicos, Antônio Martins, Apodi, Areia Branca, Baraúnas,
Barcelona, Bento Fernandes, Bodó, Brejinho, Boa Saúde, Bom Jesus,
Caiçara do Norte, Caiçara do Rio do Vento, Caicó, Campo Redondo,
Caraúbas, Carnaúba dos Dantas, Carnaubais, Ceará-Mirim, Cerro-Corá,
Coronel Ezequiel, Campo Grande, Coronel João Pessoa, Cruzeta, Currais
Novos, Doutor Severiano, Encanto, Equador, Espírito Santo, Felipe
Guerra, Fernando Pedroza, Florânia, Francisco Dantas, Frutuoso Gomes,
Galinhos, Governador Dix-Sept Rosado, Grossos, Guamaré, Ielmo Marinho,
Ipanguaçu, Ipueira, Itajá, Itaú, Jaçanã, Jandaíra, Janduís, Japi, Jardim
de Angicos, Jardim de Piranhas, Jardim do Seridó, João Câmara, João
Dias, José da Penha, Jucurutu, Jundiá, Lagoa Nova, Lagoa Salgada, Lagoa
D’Anta, Lagoa de Pedras, Lagoa de Velhos, Lajes, Lajes Pintadas,
Lucrécia, Luís Gomes, Macaíba, Major Sales, Marcelino Vieira, Martins,
Messias Targino, Montanhas, Monte das Gameleiras, Monte Alegre, Mossoró,
Macau, Nova Cruz, Olho D’Água do Borges, Ouro Branco, Passagem, Paraná,
Paraú, Parazinho, Parelhas, Passa e Fica, Patu, Pau dos Ferros, Pedra
Grande, Pedra Preta, Pedro Avelino, Pedro Velho, Pendências, Pilões,
Poço Branco, Portalegre, Porto do Mangue, Pureza, Serra Caiada, Rafael
Fernandes, Rafael Godeiro, Riacho da Cruz, Riacho de Santana, Riachuelo,
Rodolfo Fernandes, Ruy Barbosa, Santa Cruz, Santa Maria, Santana do
Matos, Santana do Seridó, Santo Antônio, São Bento do Norte, São Bento
do Trairi, São Fernando, São Francisco do Oeste, São João do Sabugi, São
José de Mipibu, São José do Campestre, São José do Seridó, São Miguel
do Gostoso, São Miguel, São Paulo do Potengi, São Pedro, São Rafael, São
Tomé, São Vicente, Senador Elói de Souza, Serra Negra do Norte, Serra
de São Bento, Serra do Mel, Serrinha dos Pintos, Serrinha, Severiano
Melo, Sítio Novo, Taboleiro Grande, Taipu, Tangará, Tenente Ananias,
Tenente Laurentino Cruz, Tibau, Timbaúba dos Batistas, Touros, Triunfo
Potiguar, Umarizal, Upanema, Várzea, Venha-Ver, Vera Cruz e Viçosa.
Municípios em colapso
Almino Afonso, Antônio Martins, Francisco Dantas, Frutuoso Gomes, João
Dias, Luiz Gomes, Marcelino Vieira, Martins, Paraná, Pilões, Rafael
Fernandes, São Miguel, Serrinha dos Pintos e Tenente Ananias.
Municípios em rodízio
Já os municípios que enfrentam racionamento e estão em rodízio são:
Acari, Afonso Bezerra, Água Nova, Alto do Rodrigues, Angicos, Assu,
Barcelona, Bodó, Caiçara do Rio do Vento, Caicó, Campo grande, Carnaúba
dos Dantas, Carnaubais, Cerro Corá, Coronel João Pessoa, Cruzeta,
Currais Novos, Doutor Severiano, Encanto, Equador, Espírito Santo,
Fernando Pedrosa, Florânia, Guamaré, Ielmo Marinho, Ipanguaçu, Ipueira,
Itaú, Janduís, Jardim de Angicos, Jardim de Piranhas, Jardim do Seridó,
José da Penha, Jucurutu, Lagoa de Velhos, Lagoa Nova, Lajes, Lucrécia,
Macau, Messias Targino, Olho D’água do Borges, Ouro Branco, Paraú,
Parelhas, Passagem, Pedro Avelino, Pendências, Portalegre, Rafael
Godeiro, Riacho da Cruz, Riacho de Santana, Riachuelo, Rodolfo
Fernandes, Ruy Barbosa, Santa Maria, Santana do Matos, Santana do
Seridó, São Fernando, São Francisco do Oeste, São João do Sabugi, São
José do Seridó, São Paulo do Potengi, São Pedro, São Rafael, São Tomé,
São Vicente, Severiano Melo, Taboleiro Grande, Tenente Laurentino,
Timbaúba dos Batistas, Triunfo Potiguar, Umarizal, Venha-Ver e Viçosa.