Apicultores brasileiros têm registrado perdas de abelhas em suas 
colmeias nos últimos anos. Especialmente nos estados de São Paulo e 
Santa Catarina, houve casos de enfraquecimento, declínio e colapso das 
colônias. Resultados das ocorrências analisadas indicaram que a 
mortalidade não estava associada a patógenos (organismos causadores de 
doenças) ou a parasitas. Somente dois casos apresentaram características
 semelhantes à síndrome Distúrbio do Colapso das Colônias, conhecida 
pela sigla em inglês "CCD", problema que preocupa os Estados Unidos e 
países europeus. Ainda assim, em ambos os casos brasileiros não foram 
definidas as causas.
  As informações foram compiladas no artigo
 "Enfraquecimento e perda de colônias de abelhas no Brasil: há casos de CCD?",
 publicado na edição temática da Revista Pesquisa Agropecuária 
Brasileira (PAB), de maio de 2016. O trabalho reuniu pesquisadores da 
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF), Embrapa Meio Norte 
(PI), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Federal de 
São Carlos (UFSCar), Departamento de Agricultura dos Estados Unidos 
(USDA, sigla em inglês) e Agência Paulista de Tecnologia dos 
Agronegócios (APTA). O objetivo foi compilar alguns dos estudos mais 
relevantes relacionados às possíveis causas de perda e enfraquecimento 
de colônias da abelha-europeia (
Apis mellifera) e também de espécies de abelhas nativas do País.
 
 O mundo inteiro tem registrado o desaparecimento crescente de colônias 
de abelhas, especialmente da abelha-europeia, espécie mais utilizada 
para a polinização de plantas cultivadas, que se adapta facilmente a 
diferentes ecossistemas, formas de manejo e é generalista na busca de 
recursos. Com outros insetos e animais, as abelhas têm responsabilidade 
direta no aumento da produtividade agrícola, pois cerca de 70% das 
plantas utilizadas no consumo humano dependem de polinização.
  
Segundo a pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia 
Carmen Pires, especialista em ecologia de pragas e primeira autora do 
artigo, o desaparecimento de abelhas no mundo é resultado de diversos 
problemas, entre os quais destacam-se o uso de agrotóxicos; a perda dos 
habitats em decorrência dos diversos usos da terra; patógenos e 
parasitas que atacam as colônias e as mudanças climáticas.
  No 
Brasil, conforme explica Carmen, a situação não é diferente e a perda de
 colônias aponta para os mesmos problemas enfrentados em países da 
Europa e nos EUA, locais em que a CCD já foi comprovada. Para reverter 
esse quadro, o artigo recomenda como urgente a criação de programas de 
levantamento sistemático de sanidade apícola associada a avaliações dos 
impactos de fragmentação dos habitats e das práticas agrícolas, 
especialmente a aplicação de agrotóxicos, sobre as comunidades de 
abelhas.
  Pesquisas desenvolvidas na Europa e EUA geraram um 
volume considerável de informações sobre as ameaças bióticas (relações 
ecológicas dentro de um ecossistema) e abióticas (fatores ambientais que
 influenciam os seres vivos) à saúde das abelhas. Importantes avanços 
científicos, obtidos principalmente a partir de ferramentas moleculares,
 indicam que é impossível associar o colapso a um único fator.  
Impactos econômicos no Brasil  Segundo dados reunidos no artigo da 
Revista PAB,
 das 141 espécies de plantas cultivadas no Brasil para uso na 
alimentação humana, produção animal, biodiesel e fibras, aproximadamente
 60%, ou seja, 85 espécies dependem da polinização animal. Estima-se que
 o valor econômico da polinização feita por insetos, principalmente 
abelhas, corresponda a 9,5% da produção agrícola mundial. Além disso, a 
produção de mel no Brasil movimenta mais de 300 milhões de reais por 
ano. Por esses dados, é possível prever o quanto um colapso nas 
populações de abelhas poderia causar de prejuízos ao País.
  Entre
 os sintomas da CCD, destacam-se a rápida perda de abelhas operárias, 
evidenciada pelo enfraquecimento ou morte da colônia com excesso de 
crias em comparação ao número de abelhas adultas; ausência de crias e de
 abelhas adultas mortas dentro e fora das colmeias. Outra característica
 do distúrbio é a inexistência de indícios de pragas, como traças, por 
exemplo, o que indicaria uma invasão imediata da colmeia.
  Não 
existe no País um sistema de monitoramento das colônias nos apiários e 
no ambiente natural. O autores apontam para a necessidade premente de 
estudos que ampliem e aprofundem as avaliações entre as possíveis causas
 de mortes das abelhas em todas as fases de seu desenvolvimento.
 
 Foram observadas mortes de abelhas em áreas próximas às lavouras 
submetidas à aplicação de agrotóxicos, mas também em locais 
completamente afastados. Segundo os autores dessa revisão, esse fato 
pode indicar que além dos efeitos diretos dos produtos químicos nesses 
insetos, pode haver interação com patógenos na natureza.
  No 
Brasil, existem cerca de 1.700 espécies de abelhas, entre as quais, 
muitas que podem atuar como polinizadoras em 89% da flora nativa. De 
acordo com os autores, uma das soluções para atenuar esse problema é 
ampliar as observações sobre a suscetibilidade das abelhas nativas aos 
diferentes produtos usados hoje na agricultura brasileira.
  
Existe no Brasil apenas um laboratório especializado, localizado na 
Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) em São Paulo que 
não consegue atender à demanda nacional. O ideal é, pelo menos, um 
laboratório por região.
  Somam-se a essas questões, o alto custo 
das análises laboratoriais de resíduos e o fato de a apicultura não ser,
 na maioria dos casos, a atividade principal do produtor.
  Uma 
das soluções apontadas pelo estudo é a formação de uma rede de 
laboratórios que deem suporte aos levantamentos epidemiológicos. Os 
pesquisadores recomendam a criação de um sistema de monitoramento 
efetivo das colônias nos apiários e nos ambientes naturais. Não há no 
Brasil um cadastro amplo e organizado de apicultores e meliponicultores.
 Há algumas iniciativas isoladas de profissionais de defesa agropecuária
 e produtores, mas sem uniformização, o que inviabiliza a comunicação 
entre eles. "Sem o conhecimento efetivo de produtores e colônias no 
Brasil, não é possível mensurar a magnitude das perdas e nem associá-las
 de forma segura à CCD ou a outros colapsos", constata Carmen.
  
Portanto, a principal recomendação dos cientistas é realizar avaliações 
mais amplas da sanidade apícola em todo o território nacional, levando 
em conta o efeito dos princípios ativos que compõem os defensivos 
químicos em condições de campo, semi-campo e, principalmente, avaliações
 a longo prazo. Pesquisadores sugerem como saída viável para 
financiamento desses estudos, a criação de um fundo nacional fomentado 
pela iniciativa privada e gerido por agências públicas de pesquisa.
 
 Atualmente, os resultados obtidos são fruto de ensaios em laboratório, 
que representam avanços de conhecimento e podem balizar decisões 
governamentais, mas que precisam contar com avaliações complementares 
feitas em condições de campo e semi-campo.
  Apesar de não 
confirmar a ocorrência da CCD no Brasil, o estudo deixa claro que o 
risco é iminente porque muitos dos fatores associados ao colapso são 
encontrados hoje no País. Para os autores, a situação no Brasil é 
bastante preocupante. Cerca de um terço do território nacional já foi 
modificado, o que levou à perda de grandes áreas de vegetação natural. 
Somado a isso, possíveis impactos da fragmentação de habitats sobre as 
comunidades de abelhas não têm sido devidamente avaliados.