Conselho Nacional de Direitos Humanos apura denúncias em áreas de conflitos por terras, na Zona da Mata de Pernambuco
 César Ramos
César Ramos
        
        Pulverização aérea de venenos por drones, 
contaminação de nascentes, destruição de lavouras, tiros e ameaças são 
recorrentes na região. Empresas querem desocupar as áreas para pecuária
Um
 cenário de violências e negação de direitos de trabalhadores e 
trabalhadoras rurais motivou a missão realizada por representantes do 
Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em Pernambuco, de 19 a 22 
de setembro. O conselheiro Marcelo Chalréo e a conselheira Sandra 
Andrade cumpriram uma agenda de ações, visitas em comunidades rurais, 
reuniões com órgãos do governo estadual e Judiciário e realização de uma
 audiência pública, nesta quinta-feira (22), para apurar denúncias de 
violações de direitos humanos em áreas de conflitos agrários no 
estado.  

A
 FETAPE, por meio das diretorias de Política Agrária, Meio Ambiente e da
 Presidência, e a CONTAG, por meio da Secretaria de Política Agrária, 
acompanharam a missão que teve início no engenho Roncadorzinho, 
município de Barreiros, e no engenho Fervedouro, em Jaqueira, ambos na 
Mata Sul. Famílias posseiras falaram de ameaças e violências na região 
da Zona da Mata que, no passado, foi dominada por usineiros que 
exploraram a mão de obra na produção de cana-de-açúcar. 
Durante 
as visitas, as famílias relataram o medo de serem despejadas porque as 
terras em que vivem foram arrendadas ou arrematadas em leilões 
judiciais. Elas temem que, com a finalização do decreto da lei do 
Despejo Zero, em outubro, as remoções forçadas sejam concretizadas.  

As
 casas de taipa e madeira construídas pelas mãos das famílias 
agricultoras e posseiras mostram a fragilidade e a insegurança pelas 
quais passam as comunidades. “Somos 77 famílias numa propriedade de 980 
hectares de terra. Precisamos trabalhar para sobreviver. Acordamos de 
madrugada para arrumar o pão de cada dia. Precisamos desse pedaço de 
terra para trabalhar e sobreviver”, contou o agricultor familiar e líder
 comunitário de Roncadorzinho, Geovane Silva, que é pai da criança 
Jonatas Oliveira, de 9 anos, assassinado em fevereiro deste ano, dentro 
de casa, por capangas armados que invadiram a moradia da família.  

Enquanto
 aguardam a tão sonhada desapropriação anunciada pelo governo do estado 
em 19 de agosto deste ano, no Diário Oficial, as famílias temem novas 
tragédias. O advogado dos posseiros, Lenivaldo, relembra casos de várias
 famílias que já sofreram despejos na região da Mata pernambucana. 
“Centenas de famílias já tiveram suas casas derrubadas e não tiveram a 
mesma sorte que Roncadorzinho. O direito humano à vida, à terra, à 
moradia, à convivência de paz foi violado há mais de 20 anos. Desde que 
trouxeram esse povo para cá de forma escravizada", enfatizou.
Outras
 comunidades da Mata Sul também passam pelos mesmos problemas. Em 
Tamandaré, a comunidade de Canoinhas também está sendo intimidada. “São 
56 famílias vivendo em 620 hectares de terras. Vivemos intimidados com 
medo de dormir e acordar sem ter mais onde ficar”, declarou o 
vice-presidente da associação, Gilvan.
“A presença do CNDH tem o 
objetivo de ajudar na construção de uma rede de atenção aos problemas. 
Isso passa pela FETAPE, CPT, CIMI, comunidades e órgãos públicos. Essa 
rede vai somar esforços para termos mais condições de alcançar 
resultados”, pontuou o conselheiro Marcelo Chalréo.
Pulverização
 aérea de agrotóxicos – No município de Jaqueira, onde atuava a Usina 
Frei Caneca, estão os filhos e filhas de ex-trabalhadores da Usina. 
Pernambuco é considerado o segundo estado do país com mais pessoas 
ameaçadas de morte no campo, segundo dados de levantamento da Comissão 
Pastoral da Terra (CPT).
O agricultor Almir Luiz, nascido no sítio
 Barro Branco, conta que está na lista de 27 pessoas ameaçadas de morte.
 Ele recebeu uma fiscalização em sua casa alegando que ele estaria 
depredando uma fonte de água. “No dia anterior a essa fiscalização, eu 
tinha feito um boletim de ocorrência denunciando a pulverização por 
drones. Meu pai trabalhou para a usina Frei Caneca. O ex-proprietário 
doou essas terras. Mas a empresa que arrendou a área tenta nos expulsar.
 Peço socorro às autoridades”, contou.
Os ataques de drones estão 
sendo recorrentes no engenho Fervedouro. As famílias denunciam a 
pulverização de veneno em plantações de pés de cajás e a perda inteira 
de uma produção. Inúmeros prejuízos afetam as comunidades.
Na
 comunidade do Gongo, em Itambé, e nas comunidades Horizonte e Dois 
Rios/São Severino, em Goiana, na Mata Norte, a Missão também 
diagnosticou histórias parecidas. As famílias vivem nessas terras há 
vários anos, mas não possuem o título de propriedade. Parte dos 
agricultores e agricultoras dessas localidades trabalhou ou possui 
parentes que trabalharam para usinas falidas da região, sem que 
recebessem seus direitos trabalhistas. Essas empresas, além de dívidas 
trabalhistas, acumulam débitos com o poder público.
Reuniões com 
autoridades no Recife – No dia 21, a missão realizou uma série de 
reuniões no Tribunal de Justiça do Estado, na Procuradoria Geral do 
Estado e na Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos. 
Participaram a FETAPE, a CONTAG, o Conselho Indigenista Missionário 
(CIMI), a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras 
Rurais Quilombolas (Conaq), a Comissão de Direitos Humanos da OAB-PE, da
 Defensoria Pública da União (DPU), da Defensoria Pública do Estado 
(DPE), do Programa de Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos 
Humanos (PEPDDH) e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do 
Ministério Público Federal.  
Paralelo
 às reuniões do CNDH, ocorreu a reunião da Comissão Estadual de 
Acompanhamento de Conflitos Agrários do Estado de Pernambuco (CEACA), na
 sede da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos, no Recife. 
“Essa Comissão surgiu diante de um fato triste que foi a morte da 
criança Jonatas. Mas, foi preciso se reinventar para acabarmos com os 
conflitos agrários, a partir de ações que possam beneficiar o estado de 
Pernambuco como um todo. É nosso papel como Federação, dentro da CEACA, 
continuarmos firmes e ocupando espaços para reivindicar a posse da terra
 e a justiça por direitos de trabalhadores e trabalhadoras rurais”, 
concluiu a presidenta da FETAPE, Cícera Nunes.  
“A CONTAG 
acompanhar uma missão como essa tem uma importância muito grande no 
sentido de conhecer bem a realidade local. Temos acompanhado outras 
missões, mas essa foi fantástica. Foi possível perceber como o 
agronegócio age para tirar as famílias das terras. Aqui existe um 
processo conhecido como ‘lavagem de terras’, ou seja, o usineiro que já 
perdeu as terras por conta de dívidas arruma ‘laranjas’ para conseguir 
arrematar as terras novamente com preços bem abaixo do mercado e ‘limpar
 as dívidas’ daquelas propriedades junto ao Estado e retirando os 
trabalhadores e trabalhadoras da área e toda a vegetação”, explicou o 
secretário de Política Agrária da CONTAG, Alair Luiz dos Santos.
“A
 partir dessa missão, também foi possível a CONTAG, a FETAPE, o CNDH, e 
demais organizações sociais e instituição públicas presentes levarem um 
pouco de esperança às famílias das comunidades visitadas, pois a luta 
pela reforma agrária vale a pena. E a gente percebe uma missão como essa
 leva um reforço para as famílias impactadas por esse cenário de 
violação de direitos humanos, bem como um sentimento de ‘esperançar’ por
 dias melhores e de fortalecimento da luta. A missão também resultou em 
alguns encaminhamentos e precisamos ficar vigilantes para que avancem”, 
avaliou o dirigente da CONTAG.
Os próximos passos para 
desapropriação em Roncadorzinho serão o envio de complementos técnicos 
pelo Instituto Técnico de Terras em Pernambuco (ITERPE) à Procuradoria 
Geral do Estado; a secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos vai
 solicitar à Secretaria Estadual de Planejamento (SEPLAG) agilidade de 
recursos orçamentários para desapropriação. A CEACA também realizará 
reuniões permanentes, no mês de outubro, para afinar a posição do 
governo estadual contra os despejos das famílias, que podem ocorrer a 
partir do dia 30 de outubro.
Fonte: Assessoria de Comunicação da FETAPE. Edição: Comunicação da CONTAG.