O
sorgo, fonte de nutrientes para mais de 500 milhões de pessoas em 30
países, principalmente na África e na Ásia, mas ainda desconhecido pela
população brasileira, possui compostos bioativos que podem colocá-lo na
lista dos alimentos com elevado potencial funcional. O quinto cereal
mais produzido no mundo apresenta antocianinas, taninos e outras
substâncias que inibem a proliferação de células de alguns tipos de
câncer, como o de cólon e o de esôfago, além de contribuírem para a
redução do colesterol e do diabetes tipo 2.
O sorgo também é isento de glúten, podendo ser usado em dietas
específicas para pessoas portadoras da doença celíaca. Rico em
propriedades antioxidantes, seu valor nutricional é semelhante ao do
milho em termos de proteína, gordura e carboidratos. Os resultados
promissores relacionados ao uso do cereal na alimentação humana estão
sendo identificados por um grupo de pesquisadores da Universidade
Federal de Viçosa (UFV), Universidade de São João del-Rei (UFSJ) e
Embrapa.
Segundo a pesquisadora Hercia
Stampini Martino, da UFV, estudos in vivo mostram que as antocianinas
presentes na composição do sorgo, especialmente nos de coloração negra,
diminuíram a proliferação das células cancerígenas em experimentos
conduzidos em ratos. "Em dietas fornecidas durante 10 semanas para ratos
com níveis normais de colesterol e triglicérides, observamos diminuição
do número de criptas aberrantes (relacionadas ao câncer) e aumento da
atividade antioxidante quando são utilizados os farelos de sorgo negro e
marrom", explica Stampini.
De acordo com
ela, as antocianinas têm uma espécie de "efeito protetor" ao induzir a
produção de enzimas que metabolizam as células cancerígenas. Outra
vantagem comprovada pelos pesquisadores é a tendência de redução da
glicose sanguínea, do colesterol total e do chamado "mau colesterol" ou
LDL em ratos que receberam uma dieta rica em gorduras. "O sorgo é um
cereal com elevado valor nutritivo e ainda são necessários estudos para
avaliar o efeito protetor e terapêutico do grão integral em humanos,
incluindo a expressão de proteínas e genes", esclarece a pesquisadora.
Mais propriedades antioxidantes que as frutas
Cultivares de sorgo com tanino, substância cuja concentração depende da
constituição genética do material e que é capaz de inibir o ataque de
insetos, pássaros e herbívoros à planta, têm se revelado ainda mais
promissoras. Essas cultivares possuem sabor amargo e adstringente, mas,
por outro lado, inibem a proliferação de células de câncer de esôfago e
cólon, segundo pesquisas recentes conduzidas na UFV. "Observamos redução
de câncer de cólon em ratos alimentados com sorgo contendo taninos",
descreve o pesquisador Frederico Barros, do Departamento de Tecnologia
de Alimentos da Universidade.
Os níveis de
antioxidantes encontrados no farelo do sorgo negro e na planta com alto
teor de tanino são superiores aos de qualquer outro cereal e também
estão acima dos níveis registrados em muitas frutas, como no morango, na
ameixa ou no mirtilo. Segundo o pesquisador, novos estudos in vivo
estão em andamento. As últimas pesquisas, de acordo com ele, registraram
novos compostos bioativos não somente nos grãos, mas também nas folhas e
em outras partes da planta.
Para pessoas
diabéticas, o cereal apresenta outra vantagem. "Produtos feitos com a
farinha de cultivares com tanino são digeridos mais lentamente. Isso
contribui para um período maior de saciedade e plenitude gástrica em
comparação com outros cereais. Em pesquisas com indivíduos diabéticos,
percebeu-se ainda redução nos níveis de glicemia em razão do maior
volume de fibras", diz a pesquisadora Hercia Stampini.
Segundo pesquisadores da Embrapa, o sorgo destinado a aves e suínos não
pode conter tanino porque essa substância interage com proteínas e com o
amido, o que diminui a digestibilidade e afeta o ganho de peso dos
animais. No entanto, essa característica é muito interessante em
humanos, pois, além da alta capacidade antioxidante dos taninos, há uma
redução na digestibilidade do amido e proteínas, prevenindo doenças como
obesidade, câncer e diabetes. "A presença de antioxidantes – como
taninos e outros compostos fenólicos – associada à ausência de glúten
pode ser o diferencial para que o cereal caia no gosto do consumidor",
aposta a pesquisadora Valéria Queiroz, da área de Nutrição e Segurança
Alimentar da Embrapa Milho e Sorgo (Sete Lagoas, MG).
Produtos estão em processo de desenvolvimento
Apesar das propriedades funcionais do sorgo, seu potencial na
alimentação humana ainda é bastante desconhecido no Brasil. Para Valéria
Queiroz, pesquisadora da Embrapa, apesar de ainda ser tímida, a demanda
por informações vem crescendo por parte da indústria alimentícia,
principalmente por empresas que produzem e comercializam produtos sem
glúten. Segundo a pesquisadora, estão em fase final de desenvolvimento
produtos elaborados a partir da extrusão dos grãos de sorgo, como
biscoitos, farinha solúvel e cereal matinal, os quais, do ponto de vista
tecnológico, vêm apresentando resultados satisfatórios para todas as
cultivares BRS testadas.
Em outros países,
como nos Estados Unidos, o uso do sorgo na alimentação humana vem sendo
estimulado, principalmente, pelos resultados das pesquisas que revelam
os benefícios dos grãos do cereal. A pressão por produtos saudáveis e
sem glúten motivou o aumento da produção de alimentos contendo sorgo e,
atualmente, barras de cereais, cookies, cereais matinais,
cerveja, xarope, farinha, farelo, massa para pizza e pipoca já são
encontrados nesse mercado. No Brasil, não há dados oficiais sobre o
consumo humano do cereal. Especula-se que ainda seja nulo, motivado pela
ausência da farinha no mercado. "Algumas pessoas celíacas têm importado
a farinha de sorgo para consumo próprio", explica a pesquisadora.
A Embrapa possui projetos que estimulam a utilização do sorgo para a
produção de alimentos sem glúten. Por apresentar valor nutricional
semelhante ao do milho, ter menor custo de produção e possuir sabor
neutro, o que é uma grande vantagem para a indústria de alimentos, os
pesquisadores que trabalham com a cultura acreditam que a divulgação das
informações sobre os benefícios do cereal impulsionará seu uso na
alimentação humana. "A exemplo do que ocorreu com a soja, que
inicialmente era cultivada para consumo animal e hoje faz parte da
alimentação do brasileiro, acreditamos que o sorgo terá seu valor
reconhecido", reforça Valéria Queiroz, da Embrapa.
Cereal é mais resistente à seca
Para o produtor, o sorgo é uma opção rentável durante a segunda safra,
principalmente quando são registrados menores índices de chuvas. "Com as
alterações no clima que estão ocorrendo, principalmente em relação à
temperatura e à seca, o cultivo do cereal tende a trazer mais garantias
no que se refere à estabilidade de produção", explica o pesquisador
Cícero Beserra de Menezes, da área de Melhoramento Genético da Embrapa
Milho e Sorgo. Dados da Empresa revelam que o custo de um hectare de
sorgo é metade do custo de um hectare de milho, e o sorgo ganha ainda
em estabilidade e rusticidade. Apesar da média nacional de produtividade
ser de 2,6 toneladas por hectare, produtores que utilizam mais
tecnologia têm conseguido produzir o dobro.
Informações da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) referentes à
safra 2013/2014 mostram que a área total plantada com sorgo no País está
em 731 mil hectares. A produção alcançada é de 1,9 milhão de toneladas e
a produtividade média chega a 2,6 toneladas por hectare. Algumas
regiões atingem números mais expressivos, como o Centro-Oeste
brasileiro: 3,1 toneladas por hectare. A cultura, no entanto, carece de
incentivos e políticas governamentais, a exemplo do milho e do trigo.
Não há política de preços mínimos e o valor da saca de sorgo é cotado
tendo como referência o preço do milho, sendo geralmente 25% mais
barato. A Embrapa possui seis cultivares de sorgo granífero.