A bactéria
Lactobacillus rhamnosus
EM 1107, empregada na produção de queijo de leite de cabra, apresentou
capacidade de sobreviver ao processo digestivo e controlar respostas
inflamatórias intestinais. Foi o que mostrou pesquisa executada na
Universidade Federal da Paraíba (
UFPB) em parceria com a
Embrapa e publicada na revista
Journal of Functional Foods.
O microrganismo é um dos isolados de produtos lácteos da Caatinga que são estudados pela
Embrapa Caprinos e Ovinos
(CE) e instituições parceiras para serem ingredientes de produtos
lácteos benéficos à saúde. Entre eles, um queijo caprino 100% nacional
que terá essa bactéria em sua composição e que já está sendo testado no
laticínio da Fazenda Carnaúba, em Taperoá, na Paraíba.
Coleções de microrganismos para atender o mercado
Muitos
dos microrganismos presentes em queijos, iogurtes e outros derivados de
leite de cabra são benéficos à saúde humana. Além de ações
anti-inflamatórias, eles promovem efeitos positivos sobre o
funcionamento intestinal. Para impulsionar esses benefícios, a pesquisa
agropecuária investe em coleções de bactérias que são avaliadas e
testadas para uso em futuros produtos lácteos, gerando alimentos de alto
valor nutritivo e, em alguns casos, de identidade nacional ou regional,
um diferencial competitivo valorizado no mercado.
Segundo o
pesquisador da Embrapa Caprinos e Ovinos Antônio Egito, o interesse em
manter essas coleções voltadas para o desenvolvimento de produtos
lácteos surgiu a partir da demanda pela obtenção de microrganismos com
características distintas das que já estão disponíveis no mercado.
“Essas pesquisas já são destaque no Brasil e no exterior, principalmente
em países com tradição queijeira na Europa”, conta o cientista,
destacando também que o mercado nacional de culturas probióticas para
uso em alimentos ainda é restrito a poucas empresas que comercializam
produtos importados e de custo alto.
Egito revela que há
interesse em se investir em estudos com derivados e fermentos láticos
desenvolvidos no País. Por isso, objetivo dos projetos de pesquisa em
andamento é ampliar o conhecimento sobre bactérias da biodiversidade
brasileira e, com elas, gerar insumos agroindustriais para os laticínios
nacionais.
“É promissora a possibilidade de encontrar novas
bactérias láticas que reúnam habilidades tecnológicas, como a produção
de aromas e acidificação do leite, e propriedades benéficas à saúde,
como a capacidade de produzir vitaminas e a ação anti-inflamatória,
entre outras”, informa a pesquisadora da
Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) Karina dos Santos.
Com
o desenvolvimento de insumos brasileiros para os derivados do leite de
cabra, espera-se também a redução de custos para a produção brasileira
ao diminuir a dependência de fermentos importados. “Hoje o acesso a
fermentos láticos funcionais para os pequenos laticínios é bastante
restrito, devido principalmente ao custo elevado para aquisição desses
insumos. A principal vantagem é a disponibilização de tecnologias
compatíveis com as condições de produção artesanal ou em pequena escala,
que representa a maior parte das agroindústrias processadoras de leite
caprino no Brasil”, reforça Santos.
Produtos com identidade regional
De
acordo com os pesquisadores da Embrapa, os testes com as bactérias para
queijo de leite caprino na Fazenda Carnaúba, propriedade do Cariri
paraibano que trabalha há anos com a produção de derivados lácteos,
procura também desenvolver tecnologias para ampliar a produção e oferta
de produtos com identidade regional. “A grande vertente é utilizar
bactérias locais para produzir variedades de queijo exclusivas do
Brasil, adaptadas às nossas condições de temperatura e umidade”,
ressalta Egito.
A experiência em Taperoá acontece em cooperação
técnica com participação da Embrapa, Fazenda Carnaúba, UFPB,
Universidade Estadual da Paraíba (
UEPB), Universidade Federal de Campina Grande (
UFCG), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (
CNPq)
e a Incubadora de Agronegócios das Cooperativas, Organizações
Comunitárias, Associações e Assentamentos Rurais do Semiárido da
Paraíba. Após resultados promissores nos testes em laboratório, a EM
1107 está sendo avaliada na produção de queijos de leite de cabra em um
laticínio.
Em busca da identidade
Em
uma área de 80 km de raio com centro em Camalaú (PB), existem 14
plantas de unidades de beneficiamento de leite de cabra geridas por
associações e cooperativas de produtores da Paraíba e de Pernambuco.
Entre elas, pelo menos seis estão se organizando para produzir derivados
lácteos com identidade territorial, que serão comercializados
coletivamente.
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Egito ressalta que o
processo de validação de um microrganismo costuma levar alguns anos,
principalmente pela preocupação com a qualidade dos insumos em um
produto para consumo humano. “O desenvolvimento envolve várias etapas:
isolamento da bactéria, identificação, cultivo no leite, verificação da
conservação, ou seja, se ela suporta congelamento e liofilização
[desitratação em baixas temperaturas]. Depois, são feitos testes na
usina, para ter certeza de que ela pode se comportar como no
laboratório”, explica o pesquisador. Para ele, o resultado do primeiro
lote de queijos foi promissor. “Ainda é cedo para afirmar sucesso, mas
foi obtido um queijo com sabor excelente e com inibição de agentes
patogênicos”, comemora.
Oportunidade de crescimento socioeconômico
Além
da possibilidade de obtenção de novos produtos, há perspectiva de
ganhos socioeconômicos para regiões produtoras, como é o caso da bacia
leiteira caprina, que abrange os estados da Paraíba e Pernambuco (Cariri
paraibano e sertão pernambucano). Um deles pode ser o aproveitamento
mais racional da produção leiteira, que atualmente ainda é restrita a
mercados como os programas governamentais.
“Estimamos um excedente
de cerca de 20% do volume de leite de cabra comercializado ao Programa
de Aquisição de Alimentos (PAA), disponível para elaboração de derivados
lácteos na bacia leiteira integrada entre a Paraíba e Pernambuco. Isso
corresponde a um volume de 1,2 milhão de litros por ano e cerca de 120
toneladas de queijo, a depender do tipo a ser elaborado”, detalha a
pesquisadora Nívea Felisberto, da Embrapa Caprinos e Ovinos.
Volume de respeito
Em
2017, a produção de leite de cabra para o PAA na região que compreende o
Cariri paraibano e o sertão de Pernambuco foi de 6,1 milhões de litros.
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Para
ela, a possibilidade de diversificar a geração de produtos, como
queijos, iogurtes e bebidas lácteas, pode trazer impactos significativos
para a atividade da caprinocultura leiteira. “Além de reduzir a
dependência de insumos externos, elaborar e comercializar derivados
lácteos, [a diversificação de produtos] poderá ampliar o volume de
recurso circulante na região em cerca de R$ 3,6 milhões, por meio de
outros canais de comercialização além do PAA. Por isso, consideramos que
o impacto dessa tecnologia beneficiará centenas de famílias de
agricultores, envolvidos na produção de leite de cabra”, estima.
Biodiversidade brasileira é valiosa
Atualmente, estão em testes seis estirpes diferentes encontradas na biodiversidade brasileira das espécies
Lactobacillus rhamnosus, Lactobacillus mucosae e
Lactobacillus plantarum,
que apresentam potencial para obtenção de diferentes produtos. “Todos
os lácteos fermentados envolvem o uso de bactérias láticas em seu
processamento: iogurtes, coalhada, bebidas lácteas e diferentes tipos de
queijo, tanto os maturados como os frescos, como o boursin e o petit
suisse”, explica Karina dos Santos.
De acordo com a pesquisadora, além dos lactobacilos, há interesse em culturas de bactérias iniciadoras de fermentação, como
Streptococcus thermophilus e
Lactococcus lactis.
Outros futuros alvos da pesquisa são os fungos, utilizados em queijos
como o Roquefort. “O Brasil ainda não tem tanta tradição na pesquisa com
fungos, mas isso pode ser uma linha de pesquisa para o futuro”, prevê
Egito.
Atualmente, além da Embrapa Caprinos e Ovinos e Embrapa
Agroindústria de Alimentos, há pesquisas com microrganismos com
potencial para aplicação na produção de lácteos na
Embrapa