Após
 fechar 2018 praticamente estagnada (crescimento de 0,5%), a pecuária de
 leite não tem muitos motivos para se lamentar em 2019. Mesmo não sendo 
um ano de grande expansão do setor (o crescimento deve fechar entre 2% e
 2,5%), o preço do leite pago ao produtor terminou o ano em torno de 
R$1,36, o que equivale a 0,33 centavos de dólar, com o câmbio a R$ 4,06 
por dólar. Segundo o analista da 
Embrapa Gado de Leite Lorildo Stock
 esse é um preço razoável para o setor, equivalendo-se às cotações 
internacionais, o que não favorece a importação do produto. O analista 
informa que lá fora, a tonelada do leite está sendo vendida entre USD$ 
3.100,00 e USD$ 3.300,00, abaixo do preço histórico de USD$ 3.700,00, o 
que mostra equilíbrio do mercado mundial em termos de oferta e demanda.
 Ainda
 que os especialistas não vejam com euforia o ano que se inicia, os 
sinais de que a crise está ficando para traz ficam mais claros. “As 
previsões iniciais para o crescimento do PIB [produto interno bruto] em 
2020 indicam alta de 2,3%, o que é baixo, mas é a melhor expansão dos 
últimos seis anos”, diz o também analista que integra a equipe de 
socioeconomia da Embrapa Gado de Leite 
Denis Teixeira da Rocha.
 Por esse motivo, espera-se uma recuperação um pouco mais forte do 
consumo, possibilitando algum repasse de preços ao longo da cadeia 
produtiva e melhores margens industriais. A retrospectiva do ano que se 
passou também mostra mais solidez da atividade leiteira.
 
2019 contou com preços superiores aos patamares históricos 
O pesquisador da Embrapa 
Glauco Carvalho
 relata que o primeiro semestre de 2019 fechou com os melhores patamares
 de preços para os produtores de leite brasileiros, quando comparado a 
igual período dos últimos sete anos. “Além de receber preços melhores, 
houve um incremento importante na relação entre o preço do leite e o 
custo da alimentação dos animais”, afirma Carvalho. Na avalição dele, o 
milho e a soja, principais ingredientes utilizados na ração das vacas, 
permaneceram com preços relativamente baixos no primeiro semestre, o que
 segurou os custos de produção do leite.
 A relação de troca ao 
pecuarista, medida pela quantidade de litros de leite necessária para 
comprar uma saca de 60 kg de concentrado, ficou em 34 litros, na média 
do primeiro semestre; queda de 24% em relação ao ano anterior. 
“Entretanto, no segundo semestre, essa trajetória foi se alterando, com 
um recuo nos preços do leite e o aumento no custo do concentrado”. Ainda
 assim, na média do ano, os preços pagos aos produtores em 2019 ficaram 
acima do patamar histórico, o que sustentou crescimento da produção.
 Quanto
 à indústria, na visão de Carvalho, 2019 foi bem mais desafiador, 
sobretudo para aquelas empresas focadas em linhas tradicionais, como 
leite UHT, queijo muçarela e leite em pó. “O gargalo do ano tem sido o 
baixo nível do consumo doméstico e a dificuldade de repasse de preços ao
 longo da cadeia produtiva”, constata o pesquisador. Para ele, a elevada
 capacidade ociosa da indústria nacional leva a uma necessidade de maior
 captação para diluir os custos fixos, o que muitas vezes se traduz em 
focar mais na captação do que na própria margem de comercialização.
 
 
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O que é o leite UHT?O leite UHT (ultra high temperature),
 disponibilizado em embalagens longa vida, é obtido pelo processo de 
temperatura ultra alta de pasteurização. O produto é homogeneizado e 
submetido a uma temperatura de 130 a 150º, entre dois e quatro segundos,
 e imediatamente resfriado a uma temperatura inferior a 32ºC.
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  Um
 outro ponto de estrangulamento, segundo o especialista, refere-se à 
fragmentação da indústria, que acaba dificultando uma estratégia de 
comercialização com o varejista para sustentar um patamar mais rentável 
de preços. “O fato é que as empresas estão trabalhando com margens bem 
apertadas. O pior cenário é o do leite UHT, em que a relação de preços 
entre o atacado e o produtor ficou quase 18% abaixo dessa mesma relação 
em 2018”.
 
Ano de 2020 traz incertezas nacionais e internacionais 
Os
 especialistas da Embrapa avaliam que o ano que se inicia traz 
componentes de incerteza, tanto no ambiente interno quanto no externo. 
Internamente, pesa a articulação política e como o Governo vai tocar a 
agenda de reformas, que os analistas consideram fundamental para o 
Brasil retomar níveis melhores de crescimento econômico e distribuição 
de renda. No contexto internacional, a peste suína ocorrida em 2019 na 
China pode ter reflexos também em 2020 já que a doença está atingindo 
outros países asiáticos.
 O problema na suinocultura chinesa, que 
reduziu em 40% o número de suínos naquele país, provocou o aumento das 
exportações de carne para a China – o que elevou a demanda por soja e 
milho na pecuária de carne. Os preços desses insumos tendem a se manter 
mais pressionados. Além disso, as exportações brasileiras de milho estão
 batendo recordes. Carvalho informa que se tem ainda uma nova demanda 
oriunda de plantas de etanol de milho no Centro-Oeste brasileiro. Todos 
estes fatores colocam uma pressão alta no milho e, consequentemente, no 
concentrado para as vacas. “Pode haver muita volatilidade nos preços do 
concentrado até que seja definida a safrinha de milho no meio do ano”.
 Do
 ponto de vista da oferta e demanda, em linhas gerais, o mercado 
brasileiro de leite se mostra bem equilibrado. A expansão da produção 
nacional perdeu força no final do ano passado, na comparação com 2018. 
Além disso, o volume de importação está relativamente baixo e, apesar do
 consumo estar fraco, não há excedente de produção que possa levar a uma
 queda nos preços. Pelo contrário, as cotações se sustentaram no último 
trimestre do ano, quando geralmente os preços caem.
 “Nesse 
cenário, a expectativa é que 2020 comece com os preços do leite ao 
produtor em patamares superiores ao registrado em janeiro de 2019 e com 
uma trajetória de elevação mais alinhada ao padrão histórico, que difere
 da precoce e expressiva alta registrada em fevereiro daquele ano”, diz 
Carvalho. Produtos lácteos cujo consumo está associado a rendas mais 
altas, como queijos e iogurtes, tendem a ter um crescimento melhor em 
2020. Mas o mercado de UHT ainda deve continuar complicado.
 O 
pesquisador acredita, no entanto, que as grandes apostas do setor foram 
adiadas para 2021, quando se espera que o Brasil tenha um crescimento 
mais robusto, gerando mais empregos e elevando o consumo familiar de 
leite e derivados.
 
 
 
A crise e o ajuste da pecuária de leite no Brasil
Em
 2018, a produção total de leite no Brasil cresceu 1,6%, com as regiões 
Sul e Sudeste respondendo, cada uma, por 34% da oferta nacional, 
estimada em 33,8 bilhões de litros. Aquele foi o primeiro ano de 
crescimento da produção desde 2014, quando foram produzidos 35,1 bilhões
 de litros. Em relação a 2017, o número de vacas recuou 2,9% enquanto a 
produtividade subiu 4,7%, chegando a 2.068 litros anuais por animal. 
Apesar de a produtividade brasileira continuar em patamar ainda 
relativamente baixo, houve um aumento importante desse indicador.
 Existem
 mais de 350 municípios do País com produtividade média superior à da 
Nova Zelândia, de 4.000 litros por vaca. Em alguns desses municípios, 
essa produtividade atingiu volumes acima de 6.000 litros/vaca, o que 
equivale ao padrão europeu. Com o atual volume de produção, o Brasil já 
figura entre os três maiores produtores mundiais, atrás apenas dos 
Estados Unidos e da Índia. Para a equipe de Socioeconomia da Embrapa 
Gado de Leite, serão os avanços em competitividade que irão melhorar o 
posicionamento do País no mercado internacional.
 No caso do leite
 inspecionado, segundo os pesquisadores, a produção de 2018 atingiu 24,4
 bilhões de litros, o que correspondeu a 70% da produção total. Em 
relação a 2017, houve crescimento de apenas 0,5%. Os índices de 2019 
ainda não vieram à tona, mas esse crescimento deverá ser superior, 
embora com um perfil de expansão distinto entre o primeiro e o segundo 
semestre. No primeiro semestre houve um aumento de 5% no volume de leite
 sob inspeção em relação ao mesmo semestre de 2018. Esse crescimento foi
 influenciado pela greve dos caminhoneiros, que afetou a produção em 
maio de 2018, mas também pela boa relação de troca ao produtor quando se
 analisa os preços de leite e de concentrado, o que estimulou a 
produção.
 Quando os números do ano que se passou forem 
apresentados, o segundo semestre não deve registrar uma expansão sobre 
volume produzido em igual período de 2018. Isso se deve a três fatores. O
 primeiro é estatístico e refere-se à base de comparação: a produção do 
segundo semestre de 2018 foi um recorde histórico. O segundo é uma piora
 na relação de troca e das margens dos produtores, fator que desestimula
 a produção. Além desses influenciadores, o desempenho do período foi 
afetado pelo clima. O setor sofreu uma seca prolongada, a ocorrência de 
geadas no inverno e chuvas irregulares e abaixo da média em algumas 
regiões do Sudeste e Centro-Oeste, que devem comprometer a retomada da 
produção no pós-entressafra.
 
Embrapa Gado de Leite