PESQUISA
                
Aumento da produção de algodão no Brasil traz novos desafios para a pesquisa
Brasil é o único país que pode crescer em produtividade e em área plantada
O Brasil é 
quinto maior produtor mundial de algodão e este ano conquistou o segundo
 lugar no ranking de maiores exportadores mundiais da pluma. Nesta 
safra, serão 2,7 milhões de toneladas de pluma produzidas em solo 
brasileiro, das quais 1,7 milhão de toneladas seguirão para exportação, 
segundo dados da Conab. Para que esse salto de produção da fibra 
nacional tenha sustentabilidade, ele precisa estar aliado ao aumento da 
biodiversidade do sistema de cultivo sob pena de gerar resistência de 
pragas, doenças e plantas daninhas, causando a perda rápida das 
tecnologias e elevando os custos de produção. É o que aponta o 
diagnóstico realizado por pesquisadores e analistas da Embrapa. O 
documento que faz parte da série Desafios do Agronegócio Brasileiro traz
 um raio x da situação atual da cadeia produtiva do algodão no Brasil e 
no mundo e os principais desafios tecnológicos para o crescimento da 
produção nacional.
O relatório está disponível em
https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/198192/1/SerieDesafiosAgronegocioBrasileiroNT3Algodao.pdf 
Para o chefe-geral da Embrapa Algodão Liv 
Severino, um dos autores do relatório, as perspectivas da cultura para 
os próximos anos são promissoras. “Do lado da demanda, a elevação da 
renda e da população, principalmente na Ásia, e a tendência mundial de 
consumo de produtos naturais, em substituição aos materiais plásticos 
sintéticos, impulsionarão o consumo das fibras naturais. Do lado da 
oferta, o Brasil dispõe de terra e tecnologia para atender ao aumento do
 consumo mundial de algodão. A qualidade do produto, os avanços nos 
métodos para controle de pragas e doenças tropicais, a obtenção de 
variedades mais produtivas, o desenvolvimento de sistemas eficientes de 
produção e a destacada organização da cadeia produtiva dos produtores 
brasileiros de algodão são fatores decisivos para a conquista dos 
mercados nacional e internacional”, avalia.
Segundo o relatório, entre os principais 
exportadores, o Brasil é o único país que pode crescer em produtividade e
 em área plantada, assumindo um papel cada vez mais importante no 
mercado mundial de algodão. 
O algodão é quarta cultura mais importante
 da agricultura brasileira, depois da soja, cana de açúcar e milho. No 
ano passado, o Valor Bruto da Produção (VBP) foi de R$ 34,95 bilhões, o 
que representa 9,10% em relação ao VBP das culturas. Nos últimos três 
anos, a cultura teve um desempenho espetacular, crescendo 131%. 
Atualmente, a produção da pluma concentra-se em Mato Grosso, com 64% do 
VBP, e 25% no Oeste da Bahia, totalizando quase 90% do valor recebido 
pelos produtores. Nos últimos 10 anos, a produtividade média cresceu 
creca de 20%, atingindo o patamar 1.700 kg/ha nas duas últimas safras.
Desafios tecnológicos da agricultura tropical
Por estar situado em ambiente tropical, o 
Brasil tem algumas vantagens competitivas em relação às regiões 
produtoras de ambiente temperado. Uma delas é a possibilidade de 
explorar economicamente a terra ao longo de todo ano, enquanto nas 
regiões temperadas a agricultura é pouco significativa na estação fria. 
Outra vantagem é o ciclo reduzido das culturas que ocorre de forma mais 
rápida devido às temperaturas elevadas.
Por outro lado, a agricultura tropical 
possui desafios que não são observados nas regiões temperadas. “A 
intensidade e a severidade do ataque de pragas, de doenças e de plantas 
daninhas são muito maiores no ambiente tropical do que no temperado, 
favorecendo, portanto, nessas condições, as pragas, as quais podem 
causar perdas econômicas ao produtor”, aponta o relatório.
Com o aumento das pragas, aumenta também o
 número de aplicações de defensivos, e consequentemente, a resistência 
de insetos, plantas daninhas e microrganismos. Se um determinado 
fungicida é utilizado intensamente para controlar uma doença, depois de 
algum tempo ocorrerá a seleção de indivíduos que conseguem resistir ao 
fungicida, sendo necessário utilizar um outro produto que possua 
mecanismo de ação diferente para conseguir controlar a doença. O mesmo 
acontece com os insetos e plantas daninhas.
“O que estamos descobrindo é que o tempo 
para desenvolver essa resistência está sendo muito menor nas regiões 
tropicais do Brasil quando comparado aos países de clima temperado. 
Casos de resistência levam algumas décadas para serem observados em 
regiões frias, enquanto que o problema é observado em poucos anos nos 
sistemas agrícolas tropicais do Brasil. O ritmo rápido de surgimento de 
populações resistentes aos insumos e às técnicas de manejo disponíveis 
causam constante aumento dos custos de produção e maior complexidade no 
sistema de produção. Essa é uma preocupação constante dos agricultores, 
pois enquanto os custos aumentam a cada ano, os preços dos produtos 
agrícolas não aumentam de forma proporcional e a rentabilidade da 
atividade fica ameaçada”, revelam os pesquisadores.
A solução para a sustentabilidade da 
agricultura brasileira vem de lições dadas pela própria natureza e está 
sendo construída por meio da busca do aumento da biodiversidade nos 
sistemas produtivos. “Existe um padrão amplamente conhecido na 
disciplina de Ecologia chamado ‘Gradiente latitudinal de diversidade’ no
 qual a diversidade de espécies aumenta de acordo com a latitude, sendo a
 biodiversidade mínima nos polos e máxima na linha do Equador. Devido a 
este padrão da natureza, para que um sistema agrícola tenha equilíbrio o
 número de espécies numa região tropical precisa ser muito maior que num
 sistema agrícola localizado em latitudes maiores. O modelo de 
agricultura inicialmente adotado no Brasil foi amplamente copiado de 
países temperados, tais como Estados Unidos, França e Alemanha. O modelo
 importado funcionou inicialmente, mas logo que os problemas começaram a
 surgir, foram sendo desenvolvidas soluções locais que estão permitindo a
 continuidade dessa atividade”, diz o estudo.
Um dos exemplos mais importantes do 
aumento da biodiversidade nas lavouras de algodão é a necessidade de 
rotação de culturas. “Para evitar o aumento incontrolável do uso de 
agrotóxicos, os produtores de algodão estão sendo forçados a aumentar o 
número de espécies cultivadas em suas lavouras para manter os sistemas 
agrícolas equilibrados”.
A rotação de culturas que começou com soja
 e algodão hoje inclui uma extensa lista de espécies que estão sendo 
introduzidas nos sistemas agrícolas brasileiros, incluindo crotalária, 
sorgo, feijões, milheto, mamona, diversas espécies de capim, 
estilosantes, grão-de-bico, gergelim e muitas outras.
Outro exemplo de aumento da biodiversidade
 nas lavouras brasileiras de produção de algodão é o controle biológico,
 que consiste em utilizar outras espécies que tenham a capacidade de 
reduzir os danos causados pelas pragas. Por exemplo, vespas que colocam 
os ovos dentro das lagartas e provocam a sua morte, ou fungos e vírus 
que causam doenças nos insetos.
“A adoção do controle biológico é 
defendida há décadas como a opção menos impactante para o meio ambiente e
 mais sustentável em longo prazo. No entanto, a sua adoção é limitada 
porque utilizar produtos biológicos é muito mais complexo do que os 
produtos químicos tradicionais. Mas apesar das dificuldades, está 
havendo crescente aceitação do uso de controle biológico como a 
principal opção para manter a sustentabilidade da produção de algodão no
 Brasil. Estão surgindo exemplos em escala comercial de fungos para 
controle de nematoides de solo, bactérias para manejo de insetos e 
vespas ou vírus utilizados no controle de lagartas, entre outros”, 
pontua o documento.
Ameaças e soluções para o algodão
Entre as maiores ameaças atuais à produção
 de algodão estão o bicudo do algodoeiro, a ramulária e os nematoides. O
 documento traz medidas que estão sendo tomadas pela pesquisa para 
solucionar os problemas. 
O bicudo é a principal praga do algodoeiro
 e encontra-se na América do Sul. De acordo com o relatório, o 
desenvolvimento de tecnologias para seu manejo precisa ser liderado pelo
 Brasil, pois a praga não é prioridade nos demais continentes. “O manejo
 do bicudo tem sido feito com uso intenso de inseticidas químicos e é 
uma fonte de preocupação, pois estão surgindo populações do inseto 
resistentes aos inseticidas disponíveis, aumentando os custos de 
produção e comprometendo a viabilidade da produção.”
Entre as medidas que estão sendo tomadas 
para convivência com a praga destacam-se a destruição dos restos das 
plantas de algodão logo após a colheita. Também é preciso ter cuidado 
com as plantas que nascem dentro das lavouras seguintes e nas margens 
das estradas. “Se esse controle for feito com rigor, poucos insetos 
conseguem sobreviver de um ano para outro e a intensidade de ataque da 
praga se mantém em níveis baixos.”
Uma segunda solução para o bicudo está 
sendo construída por meio de uma Parceria Público Privada entre a 
Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa), o Instituto 
Matogrossense do Algodão (IMAmt) e a Embrapa. Está sendo desenvolvida 
uma variedade transgênica resistente ao bicudo. A previsão é que esta 
variedade esteja disponível em 10 anos.
Outra linha de atuação é o controle 
biológico do bicudo. “Já se conhecem algumas espécies de insetos 
(parasitoides) que atacam as larvas do bicudo e poderiam ser utilizadas 
para o manejo da praga. No entanto, a adoção dessa tecnologia em 
produção comercial ainda exige grandes avanços tecnológicos como métodos
 para a produção dos parasitoides em larga escala e com custo 
aceitáveis”. Mas esta solução precisa ser associada ao controle 
biológico de outras pragas pois se for necessário fazer uma aplicação de
 inseticidas para as outras pragas, o parasitoide liberado para 
controlar o bicudo seria também atingido, eliminando o seu efeito. 
A mancha de ramulária é a principal doença
 foliar do algodoeiro e, se não for controlada adequadamente, provoca 
perdas econômicas ao produtor. Entre as principais medidas de controle 
destacam-se os fungicidas e o uso de cultivares resistentes obtidas pelo
 melhoramento genético. Antevendo que a doença causaria problemas no 
futuro, a Embrapa iniciou a seleção de cultivares de algodão resistentes
 à ramulária há cerca de dez anos e atualmente já está disponibilizando 
aos produtores variedades com resistência ao fungo que provoca a 
ramulária.
Vários nematoides atacam o algodoeiro 
causando danos que podem significar perdas expressivas à produção. Esses
 vermes microscópicos se alimentam, principalmente, das raízes, causando
 diversas alterações nas plantas. “Recomenda-se utilizar a técnica de 
rotação de culturas para minimizar o problema, mas também é preciso 
diagnósticos precisos e orientação técnica adequada, pois cada espécie 
vegetal escolhida pode ser suscetível a um determinado nematoide e 
tolerante a outros. Por isso, é preciso escolher com exatidão qual a 
espécie vegetal a ser utilizada na rotação de culturas para que o 
resultado da técnica seja satisfatório.”
A Embrapa também está desenvolvendo 
variedades de algodão resistentes a nematoides e testando combinações de
 culturas que possibilitem o seu manejo com a adoção de espécies que 
ofereçam rentabilidade ao produtor e proteção ao solo.
Contribuíram com a elaboração do 
diagnóstico os pesquisadores Liv Soares Severino, Sandra Maria Morais 
Rodrigues, Luiz Gonzaga Chitarra e Elisio Contini e os analistas Joaquim
 Lima Filho, Mierson Mota, Renner Marra e Adalberto Araújo.
 
                
                
                 
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