O carneiro que caiu do céu
- 13/12/2011Belarmino  era criador no Mato Grosso e, como seu pai, seu avô, bisavô e mais  gente, era piloto de fazenda. Desde que se conhece como gente a família  inteira só visita as propriedades em aviões, pois - quando é inverno -  nada passa. Automóvel de matogrossense é avião. Dizem até que foram  eles, os matogrossenses, que descobriram a profissão de piloto-cowboy.  Visitando uma exposição, para rever antigas amizades e gastar conversa  fiada, Belarmino logo viu um fazendeiro se aproximando e botando  conversa:
-  Estou sabendo que o amigo gosta de criar carneiros e eu tenho um que  caiu do céu. Está logo ali. Se quiser, trago cá, para o amigo invejar.
Sem  nada a perder, Belarmino concordou e, nem bebericou o uísque gelado,  eis que vem o estranho com um graúdo, enorme, possante, fantástico  cordeiro. Belarmino estava até babando e já vendo os prêmios que poderia  ganhar com um gigante desses. Sabido como cobra, foi logo dizendo:
-  Pois tá aí um bicho bonito e bom. Está me agradando, mas só compro  amanhã, antes de voar. O amigo pode reservar que este bicho vai ser meu.
A  conversa parou nesse pé, com os dois satisfeitos. Nem bem o homem  sumiu, chega um vaqueiro, desses que bebe água de chocalho, e foi logo  desfiando o verbo:
- Patrão, não é por nada não, o bicho é majestoso, tudo de bonito, mas é coisa ruim, tem parte com o demo.
Belarmino pestanejou, sacudiu o bigode, deu um sorriso de mofo:
- Deixe disso, homem, pra que o demo ia se importar com um bicho, se tem tanta gente pior no mundo?
-  Pois é, patrão, mas é coisa feia, mesmo. O bicho já passou por benzeção  de erva, de areia de rio, de pólvora, de osso de padre, mas nunca teve  jeito. Tem benzedor que desistiu e guardou a água benta. Se conselho  vale, então compre o outro bicho menor.
Belarmino olhou o outro, lá longe, sem comparação.
- Nem pensar, ou é este, ou nenhum.
Logo cedo, fechou o negócio, pegou o animal de quase 60 kg  e já estava imaginando o bruto no meio das ovelhas, junto com as vacas  brancas no pasto colonião. Chegou ao aeroporto, deu o cabresto para o  garoto que ia viajar de volta para a fazenda e logo estava levantando  vôo.

Nem  bem o avião chegou lá no alto, perto do céu, o carneiro botou a boca no  trombone, começou a berrar, tremia, despencava, gritava, babava, num  alvoroço medonho. 
- Acalme esse bicho aí, porque vem chuva pela frente - avisava Belarmino.
O  garoto fazia de tudo, mas o animal empinava, mordia cabresto, fazia  xixi e, para piorar, botava uma catinga de bicho morto no ar. Já na  metade do caminho, e mil trelas, o garoto gritou:
- Seu Belarmino, esse danado tá com o diabo no corpo, com olhos vermelhos, querendo matar a gente.
O animal rangia, e o garoto completava:
- Nem benzedeira ajudou. Acho que é do demo, mesmo. Só vai trazer azar pra sua fazenda, patrão. E o avião já tá todo borrado.
Belarmino,  já em cima da fazenda vizinha, vendo sua divisa e vacada bonita lá  embaixo, resolveu tomar uma decisão, mas deu uma última conferida: o  animal estava um frangalho, longe de ser aquela maravilha que ele havia  comprado, desmantelado, borrado, fedorento, dentes verdes, olhos  vermelhos esbugalhados, olho de gente ruim, desafiando.
- Faz o seguinte, abre a porta e joga, enquanto ainda é terra do vizinho. Vai ser comida de urubu no inferno.
O garoto deu um sorriso de satisfação, puxou o cabresto, abriu a portinhola e - zás! - empurrou o animal para o céu.
Depois,  começou a limpar o chão e corrigir os maus feitos do estranho animal  cuja história havia chegado a um bom final. Belarmino perguntou:
- Uai, menino, será que o carneiro tinha parte com o demo, mesmo? Será que vai trazer algum azar para nós?
- Sei não, patrão, mas nessa hora já está mortinho da silva.
Belarmino  suspirou e, com toda sabedoria, já ia encostando o avião no hangar,  quando escutou um vaqueiro, no campo, transmitindo mensagem para o  capataz, pelo rádio.
-  Júlio, ô Júlio? Aqui é o Braz. Não estou entendendo nada. Aconteceu uma  coisa estranha, aqui perto da divisa. Sabe aquela novilha campeã que o  patrão gosta? Pois está mortinha, no chão, com o pescoço quebrado. Não  foi onça, não, mas tem um carneiro esborrachado no lado, mortinho,  durinho, sorrindo que nem bicho ruim.
 
 
       
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