Cerca de 90 mil famílias de agricultores estão aptas a vender suas produções
Era cerca de meio-dia e meia quando
 a reportagem chegou à casa do casal Rita Maria de Lima, 52, e Antônio 
Pereira Torres, 61, e os encontrou numa cena bem típica de interior: 
estavam debulhando feijão na varanda de sua residência, no distrito de 
Córrego, a 10 km do centro de Apodi, distante 345 km da Capital, no Alto
 Oeste potiguar. Eles representam um pequeno recorte da quantidade 
considerável de famílias de agricultores que serão beneficiados, 
diretamente, através da Lei 10.536/19 a ser sancionada pela governadora 
Fátima Bezerra, na noite desta quarta-feira passada (03), que instituirá o 
Pecafes (Programa Estadual de Compras da Agricultura Familiar e Economia
 Solidária).
A assinatura ocorrerá às 19h na abertura 
do Fórum de Secretários da Agricultura Familiar, realizado na Cecafes 
(Central de Comercialização da Agricultura Familiar e Economia 
Solidária). A nova legislação será publicada na edição desta 
quinta-feira (04) no Diário Oficial. Segundo dados da Secretaria de 
Estado do Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar (Sedraf), o 
Estado é hoje o maior comprador dos alimentos da agricultura familiar e 
movimentou, só em 2018, cerca de R$ 5 milhões desse mercado. Para 2019, a
 partir da sanção de Fátima, a expectativa é de que esse valor alcance a
 faixa dos R$ 20 milhões.
A exemplo de outros agricultores, a rotina
 de Dona Rita e Seu Antônio é puxada. Eles estavam na função para 
entregar uma encomenda de 6 kg de feijão. Os demais afazeres, no 
entanto, já haviam sido todos cumpridos. A casa alpendrada, apesar de 
simples, estava impecavelmente limpa. O que para algumas pessoas é um 
tremendo sacrifício - acordar cedo, trabalhar no campo, cuidar de 
quintal e das criações - para eles é um prazer. Com um sorrisão no 
rosto, ela relatou que acordou às cinco da manhã, colheu o feijão com o 
companheiro, limpou a casa e fez o almoço. “Eu sou agricultora desde 
criança e foi assim que aprendi a viver nesse sertão de meu Deus”, 
disse. Ele também não escondia sua satisfação pelo fato de ter saúde e 
disposição para a lida. “Para mim não tem coisa melhor do que poder 
trabalhar”.
A riqueza dos quintais da agricultura familiar
Há alguns anos, a realidade das famílias 
de agricultores de Apodi, lugar conhecido pela fertilidade de suas 
terras, que se destaca pelo cultivo do arroz vermelho (também chamado de
 arroz da terra), mudou um pouco quando o pessoal começou a diversificar
 suas culturas. Devido às frequentes estiagens, os agricultores foram 
aconselhados a produzir em áreas menores e começou então a fase dos 
“quintais”, que são áreas de pelo menos dois hectares onde se cultiva 
desde hortaliças às frutas, e se dedica também um espaço para a criação 
de galinhas, porcos, carneiros e outros animais para abate. Antes, 
trabalhava-se o conceito das grandes lavouras de macaxeira, mandioca, 
milho, feijão, e claro, o arroz, em áreas extensas.
Devido às dificuldades climáticas e de 
financiamento, perdia-se muitas vezes a produção toda. O presidente da 
Coopapi (Cooperativa Potiguar de Apicultura e Desenvolvimento 
Sustentável) Reginaldo Câmara, que representa cerca de 300 cooperados, 
afirma que a diversificação evita as perdas, pois as produções atendem 
tanto ao varejo quanto ao atacado. “Aqui tudo se aproveita. Do caju, 
quando a fruta cai no chão e não se pode aproveitá-la para consumo 
humano, retira-se a castanha e a polpa vai para os animais”, 
exemplifica. Na varanda daquela casa tão pitoresca, uma prova dessa 
diversidade. A palha de carnaúba, abundante na região, desfiada, pronta 
para virar chapéu e outros utensílios.
A cooperativa tem papel primordial 
intermediando as transações comerciais, tanto as diretas para o público 
final, que são realizadas na lojinha Budega da Agricultura Familiar, 
situada no centro da cidade de Apodi, e também na Cecafes em Natal 
(esquina da rua Jaguarari com avenida Capitão-Mor Gouveia, no bairro de 
 Lagoa Nova), quanto as vendas para entes públicos. “Muita gente já 
teria morrido se não fosse a Coopapi”, atesta Seu Antônio. Ele acorda às
 3h para aproveitar o desconto na tarifa de energia, liga a bomba para 
irrigação, cuida de uma coisa e de outra até chegar a hora do almoço. 
Além dos vegetais, eles colhem mel e também produzem ovos. Não é raro 
saírem de moto, carregados de produtos fresquinhos, para entregar na 
vizinhança.
O casal tem três filhos e todos eles, 
incluindo as noras, trabalham no campo. Utilizam cerca de 10 hectares, 
mas a área que lhes pertence é bem mais extensa. Ainda não gozam de 
alguns incentivos de financiamentos públicos, pelo fato de a propriedade
 ter sido herdada. Porém, conseguem viver dignamente da agricultura e, 
há poucos dias, um dos filhos conseguiu comprar seu primeiro trator. 
Alfabetizados pelo EJA (Escola de Jovens e Adultos), Dona Rita e seu 
Antônio são exemplos de que é possível ser feliz com sua vida simples e 
saudável do interior. “Aprendi a utilizar o gergelim e melhorei muito da
 artrose. Eu torro, piso no pilão e utilizo a farinha na alimentação. 
Ah, também tomo meu suco verde com mastruz, manjericão, couve, limão e 
abacaxi e me sinto muito bem”. Isso sim é lição de vida. 
Com Pecafes, vendas ao Estado garantirão escoamento da produção
Mesmo com a dinâmica de variedade de 
produção, é inegável a importância de um programa como o Pecafes, pois o
 mesmo estabelece a obrigatoriedade de o Governo do Estado comprar pelo 
menos 30% de gêneros alimentícios produzidos pela agricultura familiar, 
para suprir hospitais, restaurantes populares, presídios, entre outras 
instituições que fornecem alimentação preparada. O projeto de lei, que 
contempla um antigo anseio da categoria, proposto pela deputada Isolda 
Dantas, foi aprovado por unanimidade pela Assembleia Legislativa. “Esse 
projeto vai colocar a agricultura familiar do estado em outro patamar. 
Já está mais do que comprovado que as políticas de compra governamentais
 organizam o processo produtivo, porque o grande gargalo da agricultura é
 onde vender”, explica o Secretário da Sedraf.
No caso específico de Apodi, os 
agricultores contam com apoio das entidades de classe (sindicatos e 
cooperativas), e também da prefeitura, que os incluem nos programas de 
compras diretas e indiretas. Eles também têm acesso à estrutura do 
Governo do RN, como Sedraf, Emater-RN (Instituto de Assistência Técnica e
 Extensão Rural), Emparn (Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande
 do Norte), entre outros órgãos, para orientações técnicas e outras 
especificidades. No entanto, ainda carecem de mais objetividade quanto 
ao escoamento da produção. Com a sanção da nova legislação, as 90 mil 
famílias potiguares com Daps ativas (Declaração de Aptidão ao Pronaf), 
documento que permite aos agriculturas familiares ter acesso às 
políticas públicas, linhas de crédito, entre outros, estarão habilitadas
 a participar das compras governamentais.
As demais famílias contabilizadas pela 
Emater, cerca de 145 mil que estão com Daps  inativas, continuarão 
recebendo assistência da Sedraf para regularizarem sua situação. Entre 
as metas da secretaria, os mutirões de documentação e concessão de 
títulos fundiários representam dois grandes passos rumo à inclusão do 
maior número de famílias aos programas públicos. A solenidade de hoje à 
noite, na Cecafes, contará com a presença de representantes dos 
Movimentos Sociais, da Fetraf (Federação dos Trabalhadores e 
Trabalhadoras da Agricultura Familiar), além de gestores e gestoras 
ligados à Agricultura Familiar e Economia Solidária do Nordeste. 
 
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