A Seca e as Políticas Públicas
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| Foto: Arquivo Pessoal | 
A
 região Nordeste do Brasil ocupa uma área de 1.561.177 km², 
correspondente a 18,27% do território brasileiro, dos quais cerca de 
962.857 km² situa-se no polígono das secas. A região que compreende esse
 polígono engloba todos os estados do Nordeste (exceto o Estado do 
Maranhão, o Distrito de Fernando de Noronha e algumas áreas úmidas do 
Nordeste), além do norte de Minas Gerais e o norte do Espírito Santo e 
abriga uma população de cerca de 55.957.978 habitantes, equivalente a 
27,37% do total nacional, sendo que 47.228.533 dessa população vive na 
zona urbana, o que corresponde a 84,4% e somente 8.729.445, ou seja, 
15,6% na zona rural. (IBGE, 2015). A região Nordeste possui uma 
população absoluta elevada, o mesmo não acontece com a população 
relativa (cerca de 34,1 hab./km²), ou seja, a densidade demográfica é 
baixa (método que avalia a quantidade de habitante por km² em um 
determinado território), isso acontece pelo fato da região ocupar uma 
extensa área territorial. Segundo o IBGE, a região Nordeste concentra a 
maior parte das pessoas na abaixo da linha de extrema pobreza – 9,61 
milhões ou 59,1%. Destes, a maior parcela (56,4%) vive no campo, 
enquanto 43,6% estão em áreas urbanas. A região Sudeste tem 2,72 milhões
 de brasileiros em situação de miséria seguido pelo Norte, com 2.63 
milhões, pelo Sul (715,96 mil) e o Centro Oeste (557,44 mil). O 
contingente de brasileiros que vive em condições de extrema pobreza, 4,8
 milhões tem renda nominal mensal domiciliar igual à zero, e 11,43 
milhões possuem renda de R$ 1,00 a R$ 70,00, pra esse tecido social, se 
faz necessário à adoção de politicas públicas, que garanta a 
transferência de renda, acesso a serviços públicos (saúde e educação), e
 inclusão produtiva, resgatando esses brasileiros da miséria. Muitos 
sertanejos migram para os principais centros urbanos localizados na 
sub-região (Zona da Mata e Agreste), fugindo da seca, miséria e falta de
 perspectiva do sertão. Na esperança de uma vida melhor vão para as 
grandes cidades nordestinas, como Salvador, Fortaleza, Recife e Natal, 
e, como não possuem recursos, buscam moradias em bairros desprovidos de 
infraestrutura e marginalizados, agravando ainda mais os problemas 
sociais e urbanos. A desigualdade não acontece somente quanto à 
distribuição geográfica da população, mas também entre os próprios 
habitantes, enquanto a maioria da população sobrevive de maneira 
precária, existe uma estreita camada da elite nordestina que vive nos 
mais altos padrões de vida e consumo. O Nordeste apresenta algumas 
singularidades do cenário geoeconômico brasileiro. Aqui vive mais da 
metade da população pobre do país, ou seja, algo em torno de 9,61 
milhões de nordestinos vive em extrema pobreza. Em termo geográfico a 
região mostra-se bastante heterogênea, apresentando grande variedade de 
situações físico-climáticas. Dentre estas se destaca a zona semiárida, 
que, além da sua extensão de 889.870 km² (cerca de 57% do território 
nordestino), singulariza-se por ser castigada periodicamente por secas. 
As secas podem ocorrer sobre a forma de drástica diminuição ou de 
concentração espacial e/ou temporal da precipitação pluviométrica anual.
 Quando ocorre uma grande seca como a que estamos vivenciando, a 
produção agrícola se perde, a pecuária é debilitada ou dizimada e as 
reservas de água de superfície se exaurem, além das perdas não 
mensuráveis (desânimo, impotência, baixa autoestima, etc.). Nestas 
condições, as camadas mais pobres da população rural tornam-se 
inteiramente fragilizada, impotente e vulnerável ao fenômeno climático. 
Historicamente, a sobrevivência desses contingentes de pessoas tem 
dependido, seja das políticas oficiais de socorro, seja do recurso à 
emigração para outras regiões ou para as áreas urbanas do próprio 
nordeste. É possível que nos tempos de D. Pedro II o bordão português 
fosse expressão de compromisso com a verdade: “palavra de rei não volta atrás”.
 Foi com o propósito de ver cumprida a sua palavra que o generoso 
imperador, nos idos de 1877, ante a devastadora seca que assolava o 
nordeste, proclamou a sentença que viria abrir o dicionário de promessas
 para a região: “Não restará uma única joia na coroa, mas nenhum 
nordestino morrerá de fome”. Ao que se sabe, não faltou nenhuma joia na 
coroa do imperador. No entanto, milhares de nordestinos não resistiram à
 inclemência das grandes secas que assolaram o semiárido, uma das mais 
graves e lembradas foi aquela que compreendeu os anos 1877 á 1879, com 
quase três anos seguidos sem chuva, com perda de plantações, mortes de 
rebanhos e miséria extrema, também é lembrada a do século 20 (a de 1915,
 uma das mais devastadora e perversa). E hoje a cena se repete, se não 
morrem mais de fome, passam muitas necessidades a começar da falta de 
água. Nos últimos tempos o crônico problema emergiu sob manchetes que 
dão conta da pior seca dos últimos 100 anos – situação que ressuscita as
 agruras do passado, simbolizadas por caminhões pipa levando água para 
os municípios, filas de pessoas com balde na mão, lavouras dizimadas, 
carcaças de animais nas terras esturricadas, e pequenos rebanhos 
desfilando uma estética da fome. Os danos da seca começam a atacar o 
bolso e o estômago. O fato é que o efeito da seca já se faz sentir na 
economia nordestina, a denotar que os padrões da vida moderna e os 
bilhões despejados por governantes em obras de serventia duvidosa, não 
conseguem preencher as demandas das populações. Com o celular pregado ao
 ouvido enquanto espera a vez de pegar água na mangueira do 
caminhão-pipa, o moço de bermuda mais parece um insólito retrato da 
extravagância. Afinal, aquele aparelho de cores berrantes e som 
estridente destoam da cena que lembra a saga do passado, tão bem 
descrita por trovadores e imortalizada pelo cancioneiro maior do 
Nordeste, o de Luiz Gonzaga, ao puxar o lamento: “Quando a lama virou
 pedra/ e mandacaru secou,/ quando a Ribaçã de sede/ bateu asa e voou,/ 
foi aí que eu vim me embora/ carregando a minha dor”. (Torquato, 
2012). O povo já não vai embora porque há algumas Políticas Públicas do 
Governo Federal na área do Trabalho, Previdência e Assistência Social 
(Ex: Bolsa Família), que atenuam as dores de quem vê a lama virar pedra.
 Dos 13.581.604 famílias que recebem Bolsa-Família, a concentração maior
 é no Sertão do Nordeste, onde 70% são assistidos pelo programa. Isso 
explica o contraste que se vê naquela fila da água: um traço do Brasil 
tecnológico, simbolizado pelo celular, ao qual 283,4 milhões de 
brasileiros têm acesso, com linhas de celulares ativas; e o desenho do 
País das grandes carências, dentre as quais a de água, que deixou de 
pingar nas torneiras de mais de 85% dos municípios da região. Como 
contemplar a moldura desconjuntada sem achar que nossa posição de sétima
 economia do mundo deixa transparecer um tecido roto, a imagem de um 
queijo suíço, cheio de furos? Às imagens entrelaçadas de passado e 
presente se soma o acervo verborrágico sobre a seca, pleno de promessas,
 feitos e realizações. Compreende-se a razão: a água, oxigênio da vida, 
oxigena também o oportunismo e ambições políticas. Transforma-se em 
discurso para as massas assoladas por sua escassez. Pratica-se, em seu 
entorno, o jogo político, um recheio de promessas vãs embalado no pacote
 de mazelas da cultura regional. A cada seca se expande a galeria de 
governantes autonomeados artífices da redenção do povo. A “solução” 
encontrada por todos eles, desde os tempos do imperador, tem sido a 
construção de pequenos e médios reservatórios. Políticas consistentes e 
efetivas passam ao largo, mesmo com conhecimento que a seca é um 
fenômeno cíclico e natural da região. No
 presente, o Nordeste brasileiro poderá passar por nove anos de 
estiagem. A projeção é do professor Luís Carlos Baldicero Molion, PHD em
 meteorologia e pesquisador da Universidade Federal de Alagoas. Diante 
de tal prognostico que projeta ser a maior seca dos últimos 100 anos, o 
que vem se confirmando a partir de 2012. Em face de tais perspectivas, 
se faz necessárias atitudes e ações de caráter emergencial e duradouras 
pra região. Na campanha presidencial de 1950, Getúlio Vargas, ao 
discursar no Ceará, lembrava que seu governo, em menos de 15 anos (de 
1930 a 1944), conseguira aumentar a capacidade de acumulação de água no 
Nordeste, de 630 milhões para 2 bilhões de m³, com a construção de 225 
açudes. Gastara 15 milhões de cruzeiros. Juscelino Kubitschek, ao 
assumir a Presidência, em 1956, garantiu no discurso de posse: “Esta é a última seca que assola o Nordeste”.
 A garantia do presidente que inaugurou a barragem do Açude de Orós, na 
época o maior do País, evaporou-se como a água dos reservatórios. No 
ciclo da ditadura militar, o tratamento seguiu os trâmites ortodoxos: 
estado de calamidade pública nos municípios afetados e abertura de 
crédito extraordinário e frentes de trabalho. A era FHC fechou os olhos 
ao fenômeno, que acontece com intervalos próximos a dez anos, portanto 
cíclicos. Iniciou um tímido programa de alistamento para uma bolsa de 
emergência. O então presidente referiu-se poucas vezes à seca. “O 
povo do Nordeste e do norte de Minas deve encarar a seca, criando 
condições de enfrentamento no qual o cidadão será o vencedor”, dizia. No
 período do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, abriu as esperanças. 
Os nordestinos imaginavam que um filho da região arrumaria a ideia para 
contornar o flagelo. Sacou ele de seu bornal a obra de transposição do 
Rio São Francisco, com a qual prometeu combater “a indústria da seca”.
 O empreendimento de Integração do Rio São Francisco é a maior obra de 
infraestrutura hídrica do País e figura entre as 50 maiores construções 
em execução no mundo. Ela se destaca por executar mais de 470 
quilômetros de obra linear. O projeto com previsão para sua conclusão em
 2017 tem como meta beneficiar uma população estimada de 12 milhões de 
habitantes, em 390 municípios nos Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e
 Rio Grande do Norte assegurando a geração de emprego, promover a 
inclusão social, segurança hídrica e estimular a política de 
desenvolvimento sustentável. A guisa de conclusão histórica: e agora, 
presidente Dilma Rousseff, o que fazer para a região conviver, de 
maneira harmoniosa, com o fenômeno, em face á retração na atividade 
econômica e a crise política e o presente cenário da crise política e 
institucional que estamos atravessando para o futuro do Brasil? Por que 
regiões áridas do mundo acharam a solução para seu pleno 
desenvolvimento, como áreas dos EUA, de Israel (Deserto de Neguev), do 
México, do Peru, do Chile e do Senegal? Como integrar a moto, o celular,
 o óculos ray-ban, a quinquilharia made in China à paisagem real do 
País? Como dizer ao sertanejo Manoel e a sua mulher, Rosa, personagens 
de Deus e o Diabo na Terra do Sol, do genial Glauber Rocha, que eles não
 participam do filme De Volta para o Futuro? Porque o Governo Federal  e
 os governadores do Nordeste não dão prioridade aos assuntos dos 
recursos hídricos e da irrigação como alternativas, no contexto nacional
 e regional, assegurando a adequada coordenação, expansão e 
sustentabilidade das modalidades privadas e parcerias público-privada, 
sobretudo na região nordeste, traçando, portanto, uma efetiva política 
de desenvolvimento regional integrado, consubstanciada no preceito 
constitucional da redução das desigualdades regionais e sociais da 
Constituição Federal? A alternativa do potencial da agricultura irrigada
 utilizando tecnologia moderna, é a que mais gera emprego por real de 
investimento aplicado, para se ter uma ideia, o custo para geração de um
 emprego direto na agricultura irrigada é inferior a US$ 10 mil; na 
indústria de bens de consumo é de US$ 44 mil, no turismo, US$ 66 mil, na
 indústria automobilística, US$ 91 mil e na indústria química, de US$ 
220 mil. Baseado nesses estudos estimou-se, para região semiárida, em 
várias condições de exploração da agricultura irrigada, que um hectare 
irrigado gera de 0,8 a 1,2 empregos diretos e 1,0 a 1,2 indiretos, de 
forma consistente e estável, contra 0,22 empregos diretos na agricultura
 de sequeiro. Assim, esta capacidade de gerar emprego por parte da 
agricultura irrigada contribui e tende ainda a contribuir para a 
diminuição do êxodo rural desordenado no Nordeste. (Souza, 1989). Além 
do fator de geração de emprego e melhoria de renda, colabora para evitar
 o êxodo para os já inchados centros urbanos, tendo impactos diretos na 
interiorização e desconcentração de investimentos no País, sobretudo nas
 regiões mais carentes. A viabilização da produção de alimentos com 
redução de riscos, gerando empregos e aumento de renda para o setor 
rural, faz da irrigação uma alternativa técnica, que deveria ter a sua 
utilização fomentada de forma racional para permitir o desenvolvimento 
socioeconômico de regiões brasileiras pouco favorecidas. “A adoção da
 agricultura irrigada pode significar o aumento sustentado da produção e
 produtividade agrícolas, a elevação dos níveis de renda e a conquista 
de melhoria das condições de vida da população rural, sendo fator 
importante para manutenção do homem no campo”. Pelo Brasil afora, se
 tem a ideia apressada e simplista que o fenômeno da fome no Nordeste é 
produto exclusivo da irregularidade e inclemência de seu clima, e tudo é
 causado pelas secas que periodicamente desorganizam a economia da 
região. Nada mais longe da verdade. Nem todo o Nordeste é seco, nem a 
seca é tudo, mesmo na área do sertão. Há tempos que tentamos demonstrar,
 para incutir na consciência nacional o fato que a seca não é o 
principal fator de pobreza ou da fome nordestina. Que é apenas um fator 
de agravamento da situação, cujas causas são outras. São causas mais 
ligadas ao arcabouço social do que aos acidentes naturais e as condições
 ou bases físicas da região. As políticas públicas destinadas a mitigar 
os efeitos da seca e os desníveis de exclusão social no nordeste devem 
priorizar, de imediato, mudanças nos padrões de acesso aos serviços 
essenciais e aos ativos produtivos proporcionando a população campesina 
uma vida com maior dignidade. Nessa perspectiva, com ações estruturantes
 e duradouras, como a exploração de poços artesianos ou profundos, 
potencial dos recursos hídricos, instalação de dessalinizadores, 
medidores de tarifa verde, irrigação, aproveitamento dos espelhos d’água
 para piscicultura, etc. “Não queremos convivência com a seca. Se juntarmos água e soluções técnicas teremos riqueza em abundância” (Júlio Lóssio), “Precisamos
 ir mais além do que as medidas emergenciais oferecidas pelo Governo 
Federal. Essas ações tratam os doentes, contudo, precisamos trazer saúde
 duradoura para os municípios, e isso só será possível, se tivermos água
 perene e ações efetivas”.
“A mesa do pobre é escassa, mas o leito da miséria é fecundo” – Josué de Castro.
* Antonio de Paula Batista, Técnico Agrícola e Economista.
fonte do blog de pauta aberta
 
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