Por que o La Niña está influenciando tanto as safras brasileiras?
Em entrevista ao Canal Rural, a meteorologista Nadiara Pereira, da Climatempo, se propôs a apresentar as respostas sobre o tema
O La Niña que está em curso já está se estendendo para influenciar a terceira safra de grãos no Brasil. O fenômeno começou a se configurar no trimestre de julho, agosto e setembro de 2020 e ditou o clima do plantio das últimas duas últimas safras do país.
Porém, o que será que o resfriamento das águas do Oceano Pacífico Equatorial reserva de surpresa para este ano? Meteorologista da Climatempo, Nadiara Pereira se propôs, em entrevista concedida nesta semana ao Canal Rural, a responder esse e outros questionamentos referentes à temperatura.
Ela conversou, ao vivo, com a jornalista Pryscilla Paiva, apresentadora do telejornal ‘Mercado & Companhia’ e editora de meteorologia do Canal Rural.
Meteorologista fala sobre o La Niña
Confira, abaixo, os destaques da entrevista com a meteorologista Nadiara Pereira:
1 — É bem certo que quem trabalha com previsão do tempo não gosta muito de surpresa. Não é isso ?
É isso mesmo! Quando se tem fenômenos climáticos atuando, como é o El Niño e a La Niña, a gente não gosta de muitas oscilações, pois acabam impactando nas nossas previsões. Foi o caso de agora do outono. Esperava-se que ele fosse mais seco sobre o Sul do Brasil, mas como essa não é uma La Niña intensa e, sim, chama mais a atenção pelo prolongamento, pela persistência, pela durabilidade, ela sofre oscilações. Assim, outros parâmetros atmosféricos e outras forçantes acabam se sobrepondo a esse fenômeno. Então, em alguns momentos a gente tem surpresas, como foi no caso do outono deste ano.
2 — Na safra 2020/2021, tivemos um grande atraso das chuvas na primavera por causa do La Niña. No ano passado, a chuva não demorou tanto para voltar na hora do plantio, mas, por outro lado, faltou umidade em novembro no Rio Grande do Sul, provocando quebras históricas. Para a próxima safra, onde está o risco deste La Niña?
Está se configurando uma condição parecida com a do ano passado. Não devemos ter um atraso tão grande no retorno da chuva sobre o interior do Brasil, mas com mais impactos no Sul, porque estamos passando por uma fase de enfraquecimento da La Niña. A primavera deve ter início com uma fase um pouco mais fraca, mas com ela se intensificando ao longo da estação. Por isso, não há expectativa para um atraso tão significativo para retorno das coisas. A gente deve ter regularidades no Sudeste e no Centro-Oeste, com os primeiros episódios sendo esperados já para setembro.
“Por outro lado: chuvas mais expressivas na metade Norte do Brasil, podendo ter um impacto oposto, muita umidade e, em alguns momentos, riscos para invernada” — Nadiara Pereira
O Sul, porém, tende a sentir mais impactos. E aí, sim, deve ser uma condição mais clássica do La Niña, apesar de termos tido o outono mais úmido do que o normal. Daqui para frente, espera-se uma condição mais seca e chuvas mais irregulares. Em grande parte da região Sul abaixo da média [de chuvas], principalmente na primavera e no início do próximo verão. Por outro lado: chuvas mais expressivas na metade Norte do Brasil, podendo ter um impacto oposto, muita umidade e, em alguns momentos, riscos para invernada.
3 — O La Niña também tem tido responsabilidade nas chuvas em excesso no Nordeste?
Tem, sim. A gente tem uma condição bem típica, quando o Oceano Pacífico Equatorial está mais frio do que o normal, temos o Atlântico na costa do Nordeste mais quente. Isso acaba fortalecendo as instabilidades, o que é bem típico de La Niña, com a instabilidade se fortalecendo sobre as regiões Norte e Nordeste. As ondas de leste ficam mais intensas e, por isso, as chuvas são mais expressivas em toda essa faixa, com vários episódios de transtornos. E condição continua ao longo das próximas estações. A zona de convergência intertropical ganha mais intensidade durante o verão e outono.
4 — Para as lavouras de inverno do Sul: há risco de chuva na hora da colheita ou frio tardio?
No Sul do país haverá mudança de padrão. A pesar do outono bastante úmido, agora a gente começa a ter uma estação de inverno e um início da primavera mais seco do que o normal. Com isso, devemos ter uma finalização dos cultivos de inverno com o tempo seco ganhando força, o que está favorecendo a semeadura, o desenvolvimento do trigo. Há, no entanto, risco de ondas de frio mais intensas, com a possibilidade de registros de frio tardio. Para julho, não se tem observado nenhuma onda de frio muito intensa avançando pelo interior do Brasil, com o frio ficando mais restrito ao Rio Grande do Sul, mas agosto promete ainda ter intensas ondas de frio, principalmente no Sul do país, com episódios de geada.
“Em fases de enfraquecimento [desse fenômeno], como está acontecendo agora, é a combinação perfeita, de atmosfera mais fria” — Nadiara Pereira
Eventualmente, alguma onda de frio avança pelo interior, trazendo extremos de frio. Normalmente, em La Niña, as ondas de frio passam mais costeiras, as altas pressões não avançam de forma continental, mas em fases de enfraquecimento [desse fenômeno], como está acontecendo agora, é a combinação perfeita, de atmosfera mais fria. Assim, podemos ter mais episódios de frio intenso sobre o Centro/Sul do país, especialmente em agosto.
5 — Temos tido mais La Niñas do que El Niños nas últimas décadas. Qual a explicação para isso? Sei que tem a explicação da oscilação decadal do Pacífico…
São muitas oscilações, o que difere é o período. La Niña e El Niño tem meses, enquanto a oscilação decadal do Pacífico tem período de décadas, normalmente com uma variabilidade de 20 a 30 anos. Desde o início dos anos 2.000, estamos passando por uma fase mais fria, o que facilita a ocorrência de fenômenos com o La Niña. Mas já adiantando: devemos estar nos aproximando de um período de transição, uma fase uma predominância positiva [mais quente] para as próximas décadas.
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