Fiscalização de produtos de origem animal por consórcios municipais deve impulsionar economias regionais
Inspeção
A medida, prevista no Decreto 10.032/2019, está em vigor
A
autorização para a comercialização de produtos de origem animal entre
cidades que integram o mesmo consórcio público, responsável pelo serviço
de inspeção, deverá trazer avanços significativos no cenário econômico
dos municípios associados. A avaliação é de representantes de consórcios
organizados em várias partes do país que consideram a entrada em vigor
do Decreto 10.032/2019,
do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), um marco
na realidade socioeconômica dos municípios envolvidos.
“É uma medida geradora de efeitos
positivos para os diferentes atores envolvidos, como o produtor, o
município e o consumidor”, afirma Osni Morinish, analista técnico de
Desenvolvimento Rural da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). A
presença municipal no consórcio, observa, oferta aos produtores rurais,
especialmente aos pequenos, o ganho em vários aspectos, como gestão do
negócio, melhoria dos processos de produção e ampliação das vendas.
Se para aqueles que estão na produção é
uma oportunidade valiosa de mudança de patamar produtivo e comercial,
para a municipalidade, representa a possibilidade de expansão da
arrecadação com maior comercialização de mercadorias. Já para o
consumidor, destaca o analista, o ganho é na melhoria da qualidade e
variedade de mercadorias ofertadas ao consumo.
Com a nova legislação, a produção local
- seja de leite e derivados, carne, embutidos, peixes, mel - originária
de um município poderá ser levada para venda em feiras, mercados,
supermercados de cidades consorciadas, desde que atendidas as exigências
legais e sanitárias, com a utilização de selo de qualidade estampado
nos produtos daquele consórcio.
Pleito atendido
“Atendemos a uma
reivindicação antiga dos municípios e que será muito benéfica, do ponto
de vista econômico, pois vai estimular o desenvolvimento regional”,
afirma Judi Nóbrega, diretora do Departamento de Suporte e Normas do
Mapa. Além da mudança, autorizando a venda dos produtos de origem
animal, inspecionados pelos serviços municipais organizados em consórcio
público, entre os municípios associados, os consórcios terão três anos
de prazo para aderir ao Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de
Origem Animal (Sisbi-POA), do Ministério. “Aprovados neste sistema, os
produtos dos municípios consorciados estarão aptos para a
comercialização em todo o país. Há um ganho enorme para o produtor”,
disse.
Esse prazo, de acordo com o
decreto, começa a valer a partir do cadastramento do consórcio no
ministério. Para isso, o Mapa está finalizando duas ações. Uma delas é o
texto de uma instrução normativa que irá estabelecer os requisitos para
atuação do consórcio como a comprovação de sua competência legal e
estrutura para desenvolver atividades de inspeção dos produtos de origem
animal, entre outros critérios.
De forma simultânea, entrará em funcionamento o e-Sisbi,
um sistema eletrônico para cadastro e gestão dos serviços de inspeção
estadual, distrital, municipal e organizados em consórcios públicos, bem
como dos estabelecimentos e produtos neles registrados. Sua utilização
favorece o processo de adesão dos interessados aos Sistemas Brasileiros
de Inspeção de Produtos e Insumos Agropecuários (Sisbi), do Sistema
Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa) da pasta.
Art. 156-A. Os
produtos de origem animal inspecionados por serviço de inspeção
executado por consórcios públicos de Municípios, atendidos os requisitos
estabelecidos em ato do Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, poderão ser comercializados em quaisquer dos Municípios
integrantes do consórcio. (Decreto 10.032/2019)
Segurança alimentar
“É uma oportunidade
para ampliação dos negócios, em virtude da expansão territorial, como
também do modo de atuar, de pensar. É mudança de cultura”, ressalta
Cristina Martins, secretária-executiva do Consórcio Público
Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável do Triângulo Mineiro e
Alto Paranaíba (Cides), integrado por 19 municípios mineiros.
Como etapa preparatória para o
início dos trabalhos, a entidade inaugurou, em dezembro de 2019, o
Serviço Municipal de Inspeção (SIMC), sediado em Ituiutaba e conta com
gestão associada aos municípios na execução do serviço.
Nove municípios já aderiram ao serviço –
Campina Verde, Canápolis, Centralina, Monte Alegre de Minas, Prata,
Indianópolis, Ituiutaba, Tupaciguara e Santa Vitória. Cristina Martins
conta que o Cides iniciou a operação em 2014 e já nasceu
“multifinalitário”, ou seja, que inclui a possibilidade de atuar em
diversas frentes, incluindo na agricultura.
Ela avalia que a gestão associada para a execução de políticas públicas é um ganho, pois reduz custos e gera escala.
Para o veterinário Rodrigo Souza
Heitor, do Cides, o novo decreto tem uma importância que ultrapassa o
benefício de incrementar a economia local. “Representa uma oportunidade
vital para se falar em segurança alimentar com o pequeno produtor. É um
trabalho de base que já começamos a fazer e vamos intensificar”, afirma.
Para executar o serviço de inspeção nos municípios, o consórcio conta
ainda com outros dois veterinários e dois agentes contratados para irem,
literalmente, a campo visitar as propriedades. A maioria formada por
agroindústrias que produzem mel, leite e derivados e criatórios de
peixe, especialmente tilápias.
Além do aprimoramento da qualidade da
produção, a legalização de pequenos e médios produtores rurais é um dos
desafios a serem tratados pelos consórcios, ressalta Mauro Gilberto
Bremm, secretário-executivo do Consórcio Intermunicipal para o
Desenvolvimento da Costa Leste (Cidecol), do Mato Grosso do Sul.
Muitos produtores ainda atuam na
informalidade e, a partir desse decreto, só poderão vender a produção
com emissão de nota fiscal. “Estamos atuando em várias frentes, como
ações de capacitação técnica e assessoramento para adequação às normas
sanitárias, para entregarmos cada vez mais produtos de qualidade para o
consumidor”.
O consórcio conta com cinco
veterinários contratados para executar o serviço de fiscalização nos
oito municípios – alguns já contam com o selo de qualidade: Água Clara,
Aparecida do Taboado, Cassilândia, Chapadão do Sul, Inocência,
Paranaíba, Ribas do Rio Pardo e Selvíria.
Ultrapassar fronteiras
Localizado no mesmo estado, o Consórcio Intermunicipal para
o Desenvolvimento Sustentável da Bacia Hidrográfica do Taquari (Cointa)
tem grande expectativa em relação aos desdobramentos da permissão do
livre comércio entre os associados. “Acreditamos que nossa região dará
um salto em termos de geração de renda, de emprego. E apostamos numa
nova dinâmica para a economia em toda essa área”, afirma o
coordenador–geral Pedro Freitas de Oliveira.
Criado em 1997, o Cointa tem a participação de 12 municípios, abrangendo uma população de aproximadamente 164 mil pessoas.
Municípios participantes estão
localizados numa região abundante em recursos hídricos, ideal para a
piscicultura, mas pouco explorada, avalia Pedro Freitas. Segundo dados
do Cointa, o município de Coxim é o que tem a maior produção de pescado
do consórcio, sendo aproximadamente 50 toneladas por ano, seguido por
Sonora e Rio Verde de Mato Grosso que juntos produzem anualmente cerca
de 10 toneladas. “Nossa expectativa é aumentar nossas vendas,
estimulando e capacitando mais produtores, e expandindo assim nossa
cadeia produtiva”, observa o coordenador, ao acrescentar que a meta é
ultrapassar as fronteiras, colocando o pescado da região pelo Brasil
afora.
Normas
Instituído pela Lei nº 9.712/1998, o
Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa) foi
regulamentado pelo Decreto nº 5.741/2006. O documento estabelece as
normas a serem aplicadas em todas as fases de produção, transformação,
distribuição e dos serviços agropecuários pelos participantes desse
sistema. O objetivo é assegurar a sanidade agropecuária, a qualidade, a
origem e a inocuidade dos produtos destinados ao consumo.
Estados, o Distrito Federal, municípios
e consórcios podem solicitar a equivalência dos seus serviços de
inspeção com o serviço coordenador do Sisbi. Para obter a equivalência,
os serviços dessas esferas precisam comprovar que têm condições de
avaliar a qualidade dos produtos de origem animal com a mesma eficiência
do ministério. Os serviços de inspeção estaduais devem apresentar o
requerimento para reconhecimento da equivalência na Superintendência
Federal de Agricultura localizada naquela unidade da Federação.
Já os serviços de inspeção dos
municípios devem encaminhar a solicitação à estrutura similar, na esfera
estadual. Se o serviço estadual ainda não é aderido ao Sisbi, a
solicitação deverá ser entregue na SFA do respectivo estado.
Em janeiro, o Mapa reconheceu o pedido
de equivalência dos serviços de inspeção do Consórcio Municipal da Serra
Catarinense (Cisama) e do município de Itapetininga (SP). Isso
significa que os estabelecimentos e produtos de origem animal neles
registrados passarão a integrar o sistema e serão inseridos no Cadastro
Geral do Sisbi-POA, viabilizando a venda dos produtos dessas regiões em
todo o país. O Cisama é o quarto consórcio a aderir ao sistema do Mapa.
Parceria
A gestão do Serviço de Inspeção
Municipal (SIM) pode ser feita somente pelo município ou consorciada.
Além de poder realizar o comércio em todo o território geográfico do
consórcio, há outras vantagens em se executar o serviço de forma
consorciada:
- Redução de custos operacionais (funcionários, estrutura, treinamentos, etc);
- Legislação única em uma região - o que facilita o trabalho dos fiscais e também facilita o entendimento do produtor (visto que as exigências sanitárias são únicas em uma determinada região);
- Maior segurança alimentar para a população, principalmente da região específica;
- Estímulo ao produtor para sair da informalidade - uma vez que ele poderá vender seus produtos não somente no município e sim em uma determinada região;
- Geração de emprego e renda;
- Aumento na arrecadação dos municípios (uma vez que muitos vão sair da informalidade).
Vale destacar que os integrantes de um
consórcio público são municípios, estados e Distrito Federal. Autarquias
e produtores não podem se associar a estas estruturas. Para ter
registro no SIM, a agroindústria deverá fazer a solicitação à área
competente de cada município/consórcio. Após a entrega da documentação e
avaliação da equipe técnica, será concedido o registro, ou seja, o
“selo” do SIM. Todo estabelecimento registrado passa por fiscalizações
dos técnicos do serviço de inspeção para verificar as condições
sanitárias da estrutura física bem como dos produtos. Numa etapa
posterior, depois de aderido ao Sisbi, os produtos indicados pelo
serviço e já no cadastro geral do e-Sisbi, recebem também o selo.
Consórcios no Brasil
De acordo com mapeamento da
Confederação Nacional dos Municípios (CNM), dos 5.568 municípios, 4.081
participam de pelo menos um consórcio público. O levantamento, publicado
em 2018, indica que existiam 491 consórcios públicos no Brasil, entre
2015 e 2017, com grande concentração de consorciados nas regiões Sul e
Sudeste. São parcerias formadas por dois ou mais entes da federação –
municípios, estados e União –, para a realização de objetivos de
interesse comum, em qualquer área. No setor de agricultura, são 93
consórcios, sendo 36 localizados na região Sul.
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