A epopeia das cabras valentes na terra Brasil
Autor: Ariano Suassuna
Houve
quem falou que as cabras deveriam estar na bandeira do Sertão e não há
porque contestar essa afirmação, pois de um jeito ou outro elas estão lá
embandeirando as terras onde rara é a água, mas não a riqueza possível.
Mais
de 91% dos rebanhos caprinos do Brasil (IBGE 2011) encontram-se
concentrados na região Nordeste. Animais “que não secam durante a seca”,
como afirma o poeta Mauro Mota (1981), bodes, cabras e cabritos
integraram-se de tal modo à região que hoje é quase impossível imaginar o
Semiárido brasileiro sem a presença desses ruminantes.
A
par dessa expressiva integração dos caprinos à vida dos nordestinos,
modelou-se uma identidade cultural singular, uma “cultura de bode”,
expressa abundantemente na arte popular (xilogravuras, artesanato,
cordel, etc.), na literatura, na música, na cozinha e no cotidiano do
sertanejo. Na cozinha, em especial, devido aos processos migratórios,
essa cultura se espalhou pelo País, conquistando os mais refinados
gostos e as mais requintadas mesas de diferentes regiões.
A conquista da terra Brasil
Estudiosos acreditam que as raças domésticas de caprinos hoje encontradas em todo o mundo tenham suas origens na Capra aegagrus, da Pérsia e Ásia Menor; da Capra falcoreni,
do Himalaia e da Capraprisca, da bacia do Mediterrâneo. A cabra foi um
dos primeiros animais domesticados pelo homem há 8.000 anos. O homem, a
partir desta domesticação, passou a alimentar-se não apenas da carne do
animal, mas também do seu leite. Começava ali uma relação que
atravessaria milênios e diferentes civilizações, sempre ajudando a
humanidade a vencer os desafios da natureza e as fraquezas do corpo e do
espírito.
Os
caprinos, na Península Ibérica, foram trazidos pelos árabes durante os 7
séculos de dominação moura na região. Os primeiros a introduzirem estes
animais, no Brasil, foram os colonizadores portugueses, franceses e
holandeses. Os tipos étnicos pioneiros em solo brasileiro são os
caprinos das raças Serrana e Charnequeira. Depois vieram as
contribuições das raças Toggenburg, Anglo-Nubiana, Malteza, Angorá,
Saanen, Pardo Alpina, entre outras.
Deste
emaranhado de raças foram surgindo outras, algumas reconhecidas hoje
como raças oficiais, como, por exemplo, a Moxotó e Canindé, além de
tipos menos expressivos e não reconhecidos como raças. São exemplos a
Repartida, a Marota, a Gurgueia, a Biritinga, a Azul, a Graúna, a Nambi e
a Orelha de Onça, todas sem maior diferenciação genética e produtiva.
A
adaptação destes animais, da chegada ao Brasil à conquista dos sertões
nordestinos, não foi tão rápida como se imagina. Ocorreu à custa de
tempo e perda produtiva. O processo de seleção natural foi determinante,
sobrevivendo aqueles animais com maior capacidade reprodutiva, maior
resistência ao clima ensolarado do País e a baixa disponibilidade
alimentar, além de resistentes às enfermidades.
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