Santa cabrita das águas
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As
 terras eram muito baratas, pois todo mundo sabia que não havia água tão
 perto. Muitos poços foram cavados e logo estavam secos. Belarmino 
comprou um pedaço de terra, escolhido a dedo que, segundo ele, foi 
determinado pela santa que sempre vinha em seus sonhos. Ela, a santa, 
havia marcado o terreno e garantiu que tudo iria dar certo. Então, 
Belarmino tomou posse da terra ressequida e começou a criar suas 
miunças, esticando uma coivara, fazendo um roçado, para suportar os dias
 que logo começaram a ficar secos. A água - ah! a água! - essa vinha de 
muito longe, no lombo de jegue.
Precisando
 de água, chamou uma tal patrulha mecanizada que sondou tudo e não viu 
chance de ter água. Depois chamou um “vedor” de água, famoso pela sua 
varinha mágica, mas - nessas terras - o pedaço fino de pau nem se mexeu.
 Chamou outro, com fios de cobre, chamou uma benzedeira. Nada! - não 
havia chance, mesmo de ter água. Era uma terra condenada.
- Eita! Mas a santinha garantiu que tinha água.
Desanimado, Belarmino foi para o botequim do Quincas, onde ouviu palpites de todo jeito, só prestando um:
-
 Pois dê um voto de confiança à santa e peça mais detalhes - sugeriu um 
amigo do bar. Mande a mocinha fazer um mapa do buraco do poço.
Foi assim que Belarmino saiu do boteco, benzeu-se na porta da igreja, e foi para a cama, para esperar uma mensagem da santa.
Na
 madrugada de novembro, veio o sonho: a cabrita magra perambulava pela 
Caatinga, procurando alguma coisa. Andou, andou, andou, andou, andou - 
e, finalmente, parou diante de três fiapos de pau seco. A cabrita 
empurrou um seixo grande para cada planta seca. De repente, os paus 
secos ganharam vida com folhas verdes: era um Mororó, um Icó, um 
Marmeleiro. De repente, o sonho esfarelou; tudo voltou a ficar cinza, 
seco, acabado.
Belarmino acordou, entusiasmado. Agora, ele sabia onde iria brotar água, pois a santa fizera um mapa do local.

Gastou
 o dia inteiro, procurando, pau seco por pau seco, onde estariam as 
marcas do sonho. Nada! No dia seguinte, recomeçou a busca e, então, 
encontrou três paus secos, com três seixos graúdos. Devia ser ali. A 
secura, porém, era tanta, que não havia cheiro de nada e, então, como 
saber se o sonho estava ali mesmo? O jeito era esperar as trovoadas.
Quando vieram as primeiras chuvas, Belarmino correu para o local e deu um grito de satisfação:
- Mororó, Icó, Marmeleiro. É aqui mesmo.
Para
 espanto da cidade, Belarmino fez um empréstimo no banco, só porque o 
gerente era amigo, pois a agência não tinha licença para autorizar 
perfuração de poço nesta região tão seca. O gerente sabia que, não 
havendo água, Belarmino iria vender a criação e pagaria o empréstimo, 
pois era gente de bem e muito religioso.
As máquinas chegaram, logo estavam espalhando poeira no ar, furando rapidamente 12 metros. Nada! Alongou-se o projeto para 24 metros. Nada! Acabou-se o massapê, virou rocha dura, depois só granito. O chefe da máquina foi taxativo:
- Aqui não tem água, não. É prejuízo puro.
Belarmino retrucou:
- A santa disse e está dito. Vamos furar mais alguns metros, pois a água vai estar debaixo do granito.
Não adianta discutir com gente louca e, de novo, a perfuratriz voltou a roncar, passando de 36 metros, 38 metros, 42 metros, e começou a gritaria.
- Água, água.
O jorro de água benzeu a Caatinga. A notícia correu mundo.
Os
 vizinhos passaram a convidar Belarmino para beber, dormir e sonhar, 
numa rede florida, perfumada, para ver se conseguia ter um bom sonho com
 água. Belarmino, religiosamente, a todos atendia, pois achava que a 
santa não deveria ser apenas dele. Foi assim que Belarmino dormiu em 
muitas casas da vizinhança e andou descobrindo água em várias 
propriedades. Como sempre, havia os despeitados:
-
 Por que descobriu água na de Juvêncio, que fez um jantar com frango, e 
não descobriu na minha terra, que lhe serviu um jantar com leitão?
Belarmino sorria e respondia:
- Sei lá, acho que só pode ser capricho da santa!


 
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