domingo, 14 de junho de 2015

MISTURA MÚLTIPLA - UMA ALTERNATIVA DE BAIXO CUSTO PARA
SUPLEMENTAR O GADO NA ÉPOCA DA SECA
Henrique Otávio da Silva Lopes'

4
A produção de gado de corte, especialmente no Brasil Central, depende quase que exclusi-
vamente das pastagens. Na época da seca, período crítico de produção forrageira, as pastagens
não suprem os requerimentos nutricionais mínimos dos animais, tanto em função da baixa quali-
dade, como da quantidade.
Essa insuficiência alimentar diminui a eficiência reprodutiva do rebanho, o ganho de peso e a
resistência dos animais, concorrendo para o aumento da taxa de mortalidade do rebanho. O pro-
blema é agravado pelo fato que a maioria dos criadores não tem dado a devida importância à mi-
neralização dos rebanhos. Outro aspecto importante a ser levado em consideração é a crescente
tendência de intensificação dos sistemas de produção de gado de corte que estão utilizando cru-
zamentos industriais. Nesses casos, a qualidade da alimentação tende a ser um problema muito
mais crítico, porque os animais cruzados, por terem maior potencial de ganho de peso, vão exigir
maior quantidade e melhor qualidade da forragem.
Tanto no Brasil como em outros países de clima tropical que contam com uma pecuária
avançada, tais como a Austrália e a Africa do Sul, jã foi conduzido um grande número de pesqui-
sas isoladas, procurando resolver o problema da perda de peso do gado na época seca. De um
modo geral, a maioria desses estudos, não considerou o fato de ocorrerem várias deficiências si-
multaneamente, interferindo na resposta animal devido a suplementos isolados, bem como, não
deu a devida atenção à relação custo/beneficio. Contudo, os resultados dessas pesquisas, fornece-
ram subsídios valiosos para o conhecimento das razões da perda de peso dos animais na seca e
alicerçaram os fundamentos das pesquisas com a mistura múltipla. Os resultados do Centro de
Pesquisa Agropecuária dos Cerrados (CPAC) confirmaram que níveis baixos de proteína repre-
sentam a deficiência primária das forrageiras na época seca. Isso significa dizer que, a menos que
essa deficiência seja corrigida em primeiro lugar, não adianta suplementar o animal com outros
nutrientes que possam também até estar deficientes na pastagem, nesta época, tais como energia e
alguns minerais essenciais.
'
..
O.. rkAunAoA ('OAfl
Mistura múltipla: uma
1995
FL-04071
30191-1


Visando contribuir para melhor entendimento da evolução do conhecimento, para resolver
o problema da suplementação, no período da seca, alguns aspectos históricos merecem ser co-
mentados.
Inicialmente, com base nos baixos níveis de digestiblidade e energia das forrageiras, na
época da seca, foram conduzidos experimentos em que se estudou a resposta de animais mantidos
a pasto, com a administração de alimentos ricos em energia, tais como, milho, melaço e silagem
de milho. Os resultados dessas pesquisas comprovaram que o fornecimento de suplementos ener-
géticos, isoladamente, não foi capaz de evitar a perda de peso das animais na época seca. A falta
de resposta aos alimentos ricos em energia administrados como único suplemento á pastagem, na
época da seca, foi atribuida ao fato desses alimentos estimularem a proliferação das bactérias do
rumen de crescimento rápido, que digerem o açúcar e o amido, em detrimento daquelas que, de
forma mais lenta, digerem a celulose presente nas forrageiras.
Posteriormente, tendo em vista a importância do fósforo no metabolismo animal e o fato
de que a perda de peso dos animais, durante a seca, pode afetar, significativamente, os indipes
produtivos e reprodutivos, nas várias pesquisas avaliaram-se os efeitos da suplementação de fis-
foro, na performance de animais mantidos a pasto, durante os períodos seco e chuvoso. Nos me-
ses de seca, não houve resposta no ganho de peso dos animais, quando foi administrada apenas a
fonte de fósforo, enquanto nos meses de chuva, a administração do fósforo proporcionou excelen-
tes resultados. A explicação para esse tipo de resposta é bastante lógica. Na realidade, na estação
chuvosa, quando os animais estão ganhando peso, o fósforo é essencial para o processo de con-
versão da energia e da proteína provenientes da forragem, que nessa época do ano está presente
em niveis satisfatórios, para produção de carne. Na época seca, quando as pastagens estão esdãs-
sas e de baixa qualidade, a administração do fósforo é incapaz de deter o processo de perdade
peso do animal. Convém salientar que o fósforo, além do papel desempenhado no ganho de pio,
exerce também outras fUnções de extrema importância no organismo animal, ligadas à reprodu-
ção, formação dos ossos e metabolismo da energia, entre outras.
Mais tarde, os pesquisadores resolveram concentrar seus esforços na questão da assimila-
ção de
proteína,
tendo em vista que ocorre acentuado declínio desta nas forrageiras à medida que
vão amadurecendo, notadamente na seca. Para que haja uma digestão eficaz da celulose, os mi-
croorganismos do mmen exigem um mínimo de 7% de proteína na sua dieta, na base da matéria
seca. Quando os teores de proteina das pastagens não alcançam esse patamar mínimo, o que ocor-
re quase sempre, na época da seca, a digestibilidade do alimento, a velocidade de passagem no
trato digestivo e o consumo do alimento são muito prejudicados, reduzindo o desempenho ani-
mal. Nessas condições, os animais sofrem de uma carência protéica que por sua vez, resulta numa
deficiência indireta ou secundária de energia. Como já foi visto anteriormente, o fornecimento de
alimentos energéticos como único suplemento na época seca, não foi capaz de resolver o proble-
ma, já que, via de regra, esses suplementos não contêm um nível mínimo de proteína, capaz de
corrigir a deficiência primária desse nutriente.





Contudo, a conclusão mais importante dessas pesquisas, foi que, ambas as deficiências, de
energia e proteína, podem ser corrigidas, simultaneamente, pela administração de nitrogênio, quer
seja na forma de proteína natural ou de nitrogênio não-protéico, da uréia. Convém destacar que a
utilização da uréia representou um marco decisivo na viabilização biológica e econômica da su-
plementação de animais criados a campo, na época seca. Boa disponibilidade de capim, mesmo
seco, é uma condição necessária para que o nitrogênio, indiretamente, também corrija a deficiên-
cia de energia.
Os ruminantes, através dos microorganismos do rumen, têm a grande vantagem de transfor-
mar o nitrogênio inorgânico da uréia em proteína. Vários estudos comprovaram que a suplemen-
tação com uréia aumenta, significativamente, o consumo da forragem seca, induzindo os animais a
consumir, mesmo as gramíneas mais fibrosas e menos palatáveis, possibilitando assim satisfazer os
seus requerimentos mínimos de energia. Isso porque essas gramíneas, de um modo geral, ainda
possuem um teor mínimo de energia, suficiente para a manutenção dos animais.
Com base nestes antecedentes e em resultados obtidos também em outros países tropicais,
tem-se procurado desenvolver no CPAC, uma fórmula de mistura múltipla, economicamente
viável, adaptada à região, que possa corrigir, simultaneamente, as deficiências de proteína, energia
e minerais no período da seca. Em 1990, o CPAC conduziu um experimento inicial nessa área, no
qual se comparou o ganho de peso entre um grupo testemunha de novilhas em recria, que rece-
bendo somente sal mineral e outro grupo que recebeu uma mistura múltipla. Os dois grupos de
animais foram mantidos, respectivamente, em dois pastos de brachiarão, por um período de 79
dias, na época seca de 1990, sendo pesados no inicio do trabalho e posteriormente, a cada qua-
torze dias, ocasião em que eram rotacionados. O consumo das misturas foi acompanhado e todos
os custos levantados para análise econômica. Ao final do experimento, os animais que recebe-
ram a mistura múltipla apresentaram um ganho médio de peso duas vezes superior ao ga-
nho dos animais do grupo testemunha. A análise econômica dos resultados finais da pesqui-
sa, permitiu estimar uma vantagem média dc dois dólares por cabeça para os animais do
grupo da mistura múltipla sobre os do grupo testemunha.
Após esse estudo inicial, que demonstrou o grande potencial de utilização dessa mistura,
têm sido efetuadas várias ações de pesquisa e acompanhamento em fazendas particulares. Todos
os resultados têm demonstrado que a utilização da mistura múltipla tem retorno econômico ga-
rantido. A mistura múltipla foi desenvolvida, inicialmente, com o objetivo de suplementar bezerras
e bezerros desmamados, tendo em vista que a desmama e o período posterior são as fases mais
críticas do sistema de criação de gado de corte. No Brasil Central, a desmama é feita no inicio da
estação seca, quando há uma tendência natural dos animais ficarem debilitados, somado ao fato de
as exigências nutricionais serem elevadas. Investimentos em suplementação adequada, nessa fase
tem retorno econômico garantido. Nessa análise não foram computados outros beneficios concre-
tos do uso dessa mistura, tais como a diminuição de idade do inicio da vida reprodutiva das fëme-
as e antecipação do abate dos machos.
Convém salientar que a mistura múltipla pode ser usada para suplementar qualquer categoria
de bovinos na época seca, requerendo somente a existência de bastante volumoso, mesmo que
seja forragem seca.
Na Tabela 1, é apresentada a fórmula básica de mistura múltipla desenvolvida pelo CPAC.

TABELA 1 - Fórmula de mistura múltipla do CPAC.
Ingrediente
-
Quantidade
Milho desintegrado
27,0 kg
Fonte de fosforo
16.0 kg
Uréia
10,0 kg
Farelo de algodão
15
kg
Flor de enxofre
1,3 kg
Sulfato de zinco
600 g
Sulfato de cobre
80 g
Sulfato de cobalto
20 g
Sal branco
30,0 kg
Total
100,0 kg
e
,
..
O milho pode ser substituído por outra fonte de energia, como por exemplo raspa de mandi-
oca, sorgo, dentre outras. A fúnção da fonte de energia é potencializar a formação de proteína
pelas bactérias do rumen, estimulando a síntese geral da proteína pelo animal.
Como fonte de fósforo, tem sido utilizado, com excelentes resultados, o superfosfato triplo,
que propicia uma sensível redução dos custos finais da mistura. Poderá ser utilizada, também, a
farinha de
OSSOS
autoclavada ou o fosfato bicálcico.
O farelo de algodão pode ser substituído por outra fonte de proteína natural, como por
exemplo o farelo de soja ou soja-grão, torrada. A inclusão de uma fonte de proteina naturaRna
mistura melhora a qualidade da proteína da ração.
A inclusão de uma porcentagem relativamente alta de sal branco na mistura, tem a finalidade
de manter a ingestão da uréia abaixo dos níveis tóxicos para o animal, limitando o consumo. Con-
vém salientar que até o momento, não foi observado nenhum caso de toxicidade de uréia decor-
rente do uso dessa mistura.
O consumo é bastante variável, numa faixa de 200 a 300 gramas por animal/dia. É importan-
te salientar que para obter melhores resultados é essencial a existência de uma boa disponibilida-
de de pastagem.
A
análise econômica em todos os estudos de mistura múltipla, conduzidos até
o mo-
mento, pelos autores, tem permitido estimar que para cada dólar aplicado
nesse tipo de
suplementação podem ocorrer
retornos de até cinco dólares.

Nenhum comentário: