O que é a seca?
A seca é um fenômeno natural que não possui uma definição rigorosa e
universal. Pode ser entendida como deficiência em precipitação (chuva)
por um extenso período de tempo, resultando em escassez hídrica com
repercussões negativas significativas nos ecossistemas e nas atividades
socioeconômicas. O conceito depende das características climáticas e
hidrológicas da região abrangida e do tipo de impactos produzidos. Em
termos de Brasil, seis meses sem qualquer precipitação no Semiárido, por
exemplo, é considerado normal. Se isto ocorre no Sul ou na Amazônia,
seria catastrófico.
Quais as principais consequências desse fenômeno?
A seca é considerada um dos principais limitantes que afetam a
segurança alimentar e a sobrevivência de mais de dois bilhões de pessoas
em todo o planeta. A eficiência produtiva nas regiões mais suscetíveis
às estiagens depende de uma série de medidas de monitoramento e
mitigação dos efeitos negativos desse fenômeno, através do uso racional e
sustentável dos recursos hídricos (água), edáficos (solo) e da
biodiversidade.
Desde quando se tem registro de seca no Brasil?
Os primeiros relatos de ocorrência de seca no Nordeste brasileiro datam
do final do século XVI (1583/1585), quando cerca de cinco mil índios
foram obrigados a fugir do sertão em função da fome, sendo socorridos
pelos brancos. Desde então, inúmeros registros já foram feitos,
considerando-se os períodos mais drásticos de seca os anos de 1615,
1692/93, 1709/11, 1723/27, 1744/45, 1776/78, 1790/93, 1831, 1844/46,
1877/79.
Calcula-se que a cada
100 anos há entre 18 e 20 anos com secas intensas. O século XX foi um
dos mais drásticos, registrando 27 anos de estiagem, em que se destaca o
período de 1903/1904, quando passou a constar na Lei de Orçamento da
República uma parcela destinada às obras contra as secas. Já nos anos de
1979/1984 ocorreu a mais prolongada e abrangente seca da história do
Nordeste, observando-se ainda estiagens intensas em 1993, 1998, 2001 e
esta atual, que vem desde 2012.
Que medidas vêm sendo tomadas para mitigar os efeitos da seca?
No ano de 1891 foi incluído na Constituição Brasileira um artigo que
obrigava o Estado a socorrer áreas atingidas por desastres naturais,
entre eles a seca. Atividades de combate aos efeitos desse fenômeno –
como construção de açudes e barragens, perfuração de poços, assistência à
população com distribuição de alimentos, formação de "frentes de
trabalho" etc. – iniciaram-se em 1909, com a criação da Inspetoria de
Obras Contra as Secas (Iocs), posteriormente denominada Departamento
Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Desde então, diversas medidas
têm sido tomadas, de forma que mesmo tendo ocorrido recentemente no
Nordeste a maior seca dos últimos 50 anos, os efeitos para as populações
foram bastante minimizados em função das políticas públicas existentes.
No Brasil, a seca tem deixado de ser um problema somente do Nordeste?
São Paulo vive atualmente a maior seca dos últimos 80 anos. Em 2012,
cerca de 650 municípios da Região Sul estavam em situação de emergência
por causa da seca, sendo 142 municípios no Paraná, 375 no Rio Grande do
Sul e 133 em Santa Catarina. Apesar de ela nunca ter sido um fenômeno
exclusivamente nordestino, aparentemente essas áreas têm se ampliado.
Segundo alguns estudiosos, desde 1950 terras secas vêm aumentando quase
2% por década em todo o mundo, e o Brasil não é uma exceção. Entretanto,
problemas como os que São Paulo enfrenta atualmente, especialmente de
abastecimento de água, podem ser atribuídos não somente às mudanças
climáticas como ao inchaço urbano e à infraestrutura insuficiente de
abastecimento.
Qual o diferencial do fenômeno no Nordeste?
Diz-se que o grande problema do Semiárido é a seca. Entretanto, em
muitos locais da região chega a chover até 800 mm anuais – quantidade
que, em outros semiáridos do mundo, permite uma produção agrícola maior
e, consequentemente, menos pobreza.
Entende-se,
então, que o problema maior do Semiárido brasileiro não é a quantidade
de água caída, mas forma como as chuvas se distribuem no tempo e no
espaço.
É comum, por exemplo, um só trimestre registrar
até 90% da precipitação anual. Da mesma forma, dentro de um ciclo de
cultivo, muitas vezes a quantidade de chuva precipitada seria suficiente
para uma colheita satisfatória se bem distribuída ao longo do ciclo.
Entretanto, ela se concentra em uma ou duas chuvas e acaba não
permitindo a produção e a colheita adequadas.
A seca ocorre em todo o Nordeste brasileiro?
O fenômeno frequente da seca está restrito à região semiárida do
Nordeste, que compreende uma área de 969.598,4 km2, abrangendo 1.133
municípios dos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco,
Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, além do norte de Minas Gerais. Nas
áreas litorâneas, o índice de chuvas é bem maior em função da umidade
que vem do oceano. O mesmo vento poderia levar água para o sertão, já
que o Semiárido nordestino não é cercado por cadeias de montanhas que
barrem os ventos úmidos. Entretanto, a brisa marítima não é forte o
suficiente para provocar chuvas em uma região maior que os 100
quilômetros da faixa costeira.
É possível aproveitar as águas subterrâneas da região?
Grande parte do Semiárido está sobre o embasamento cristalino. Os
aquíferos dessas áreas caracterizam-se pela forma descontínua de
armazenamento. A água se localiza em fendas na rocha, onde se formam
pequenos reservatórios e, tendo contato com o substrato, se mineralizam
facilmente. Ou seja, as águas se tornam salinas ou salobras, servindo
quase sempre somente para dessedentação animal. Em outras palavras, de
uma maneira geral, os poços têm pouca água e a água, pouca qualidade.
A irrigação não seria a solução para o Nordeste?
Em algumas áreas do Semiárido, mesmo com baixa precipitação, tem-se
praticado uma agricultura irrigada de grande pujança, com produção de
frutas inclusive para exportação. O submédio São Francisco, na divisa
dos estados da Bahia e Pernambuco, e o vale do Açu, no Rio Grande do
Norte, são bons exemplos dessa agricultura de sucesso. Ocorre que isso
não pode ser estendido para todo o Semiárido. Ainda que se possa pensar
em ampliar bastante as áreas irrigadas, existem limitações de solo e de
disponibilidade de água que não permitem que se faça irrigação em toda a
região. Há estudos, inclusive, que apontam que apenas 5% do Semiárido
atende os requisitos mínimos para o uso de irrigação.
Qual a diferença entre combate e convivência com a seca?
Desde a década de 1980, entendeu-se que não era possível "combater" ou
"enfrentar" a seca. Mudou-se, então, o olhar, aparecendo a palavra
"convivência" como mais apropriada. O entendimento é de que, se por um
lado o fenômeno natural sempre ocorreu e deverá inclusive se agravar e,
por consequência, não dá pra ser combatido, por outro, pode-se
desenvolver propostas e experimentar alternativas baseadas na ideia de
que é possível e necessário conviver com ele.
As secas não poderiam ser previstas?
Especialistas afirmam que, mesmo com todo o aparato moderno de
equipamento e tecnologia, não há nada seguro que se possa prever além de
90 dias. No entanto, registros históricos apontam que as secas são
cíclicas, repetindo-se fenômenos mais extremos a cada 13 anos,
aproximadamente. Desta forma, elas não podem ser previstas com precisão,
mas é possível que os governos e populações estejam preparados para
minimizar seus efeitos.
Quais foram os efeitos da seca de 2011/2013?
Como consequência dessa seca, considerada a maior dos últimos 50 anos,
houve grande frustração de safra em todas as áreas do Semiárido,
perdeu-se grande parte do rebanho, especialmente de bovinos – não só por
morte como também animais que foram vendidos por preços muito baixos
para outras regiões –, houve grande perda das pastagens, uso predatório
de plantas da Caatinga para alimentação animal, morte inclusive de
muitas espécies nativas (em determinadas áreas essas mortes chegaram a
30 a 40% das plantas). O que houve de diferente dessa seca para outras
de proporções semelhantes foi que na última não se observou o êxodo em
massa da população de determinadas áreas, ou mesmo os saques em feiras e
mercados. Também não houve morte de pessoas por fome e sede. Ainda que
não seja uma solução definitiva para o problema, isto se deve em grande
parte às politicas de complementação de renda ora em curso no país.
Pode se dizer que as populações estão mais preparadas?
Quem vive no Semiárido já convive com a seca, e de uma forma ou de
outra busca mecanismos para conviver com os seus efeitos. Passar oito a
dez meses por ano sem chuva é comum. Ocorre que em uma seca dessas
proporções é sempre difícil estar preparado. A preocupação em armazenar
água para consumo humano e animal, o cultivo de plantas mais tolerantes,
a implantação de reservas estratégicas para alimentar os animais e a
conservação de forragem na forma de feno e silagem são práticas ainda
incipientes, mas que já se observam em muitas áreas e que minimizam os
prejuízos provocados pela seca.
Que soluções podem ser apontadas para a convivência com a seca?
Não existe uma receita pronta e que sirva para todos. Entretanto, é
essencial que as famílias tenham acesso à água para consumo humano, para
consumo animal e, em alguns casos, para alguma produção. Além disso, é
necessário que se tenha uma gleba de terra com tamanho e qualidade
suficientes para o sustento dos agricultores e de suas famílias. Havendo
políticas que garantam isto, e entendendo que para se conviver nesse
ambiente torna-se necessário ter sistemas de produção diversificados com
cultivos alimentares, culturas de renda e, principalmente, pequenas
criações, é preciso, cada vez mais, trabalhar com plantas mais
resistentes (buscar inclusive opções entre espécies nativas), animais
mais rústicos ainda que menos produtivos, além de se buscar uma harmonia
com o ambiente em que se vive. Outra questão crucial para a convivência
é a efetiva assistência técnica e extensão rural.
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