sábado, 27 de junho de 2015

Convivência com a seca

A seca é um fenômeno natural que não possui uma definição rigorosa e universal. Pode ser entendida como deficiência em precipitação (chuva) por um extenso período de tempo, resultando em escassez hídrica com repercussões negativas significativas nos ecossistemas e nas atividades socioeconômicas. O conceito depende das características climáticas e hidrológicas da região abrangida e do tipo de impactos produzidos. Em termos de Brasil, seis meses sem qualquer precipitação no Semiárido, por exemplo, é considerado normal. Se isto ocorre no Sul ou na Amazônia, seria catastrófico.
A seca é considerada um dos principais limitantes que afetam a segurança alimentar e a sobrevivência de mais de dois bilhões de pessoas em todo o planeta. A eficiência produtiva nas regiões mais suscetíveis às estiagens depende de uma série de medidas de monitoramento e mitigação dos efeitos negativos desse fenômeno, através do uso racional e sustentável dos recursos hídricos (água), edáficos (solo) e da biodiversidade.

Os primeiros relatos de ocorrência de seca no Nordeste brasileiro datam do final do século XVI (1583/1585), quando cerca de cinco mil índios foram obrigados a fugir do sertão em função da fome, sendo socorridos pelos brancos. Desde então, inúmeros registros já foram feitos, considerando-se os períodos mais drásticos de seca os anos de 1615, 1692/93, 1709/11, 1723/27, 1744/45, 1776/78, 1790/93, 1831, 1844/46, 1877/79.
Calcula-se que a cada 100 anos há entre 18 e 20 anos com secas intensas. O século XX foi um dos mais drásticos, registrando 27 anos de estiagem, em que se destaca o período de 1903/1904, quando passou a constar na Lei de Orçamento da República uma parcela destinada às obras contra as secas. Já nos anos de 1979/1984 ocorreu a mais prolongada e abrangente seca da história do Nordeste, observando-se ainda estiagens intensas em 1993, 1998, 2001 e esta atual, que vem desde 2012.

No ano de 1891 foi incluído na Constituição Brasileira um artigo que obrigava o Estado a socorrer áreas atingidas por desastres naturais, entre eles a seca. Atividades de combate aos efeitos desse fenômeno – como construção de açudes e barragens, perfuração de poços, assistência à população com distribuição de alimentos, formação de "frentes de trabalho" etc. – iniciaram-se em 1909, com a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas (Iocs), posteriormente denominada Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Desde então, diversas medidas têm sido tomadas, de forma que mesmo tendo ocorrido recentemente no Nordeste a maior seca dos últimos 50 anos, os efeitos para as populações foram bastante minimizados em função das políticas públicas existentes.

São Paulo vive atualmente a maior seca dos últimos 80 anos. Em 2012, cerca de 650 municípios da Região Sul estavam em situação de emergência por causa da seca, sendo 142 municípios no Paraná, 375 no Rio Grande do Sul e 133 em Santa Catarina. Apesar de ela nunca ter sido um fenômeno exclusivamente nordestino, aparentemente essas áreas têm se ampliado. Segundo alguns estudiosos, desde 1950 terras secas vêm aumentando quase 2% por década em todo o mundo, e o Brasil não é uma exceção. Entretanto, problemas como os que São Paulo enfrenta atualmente, especialmente de abastecimento de água, podem ser atribuídos não somente às mudanças climáticas como ao inchaço urbano e à infraestrutura insuficiente de abastecimento.

Diz-se que o grande problema do Semiárido é a seca. Entretanto, em muitos locais da região chega a chover até 800 mm anuais – quantidade que, em outros semiáridos do mundo, permite uma produção agrícola maior e, consequentemente, menos pobreza.
Entende-se, então, que o problema maior do Semiárido brasileiro não é a quantidade de água caída, mas forma como as chuvas se distribuem no tempo e no espaço.
É comum, por exemplo, um só trimestre registrar até 90% da precipitação anual. Da mesma forma, dentro de um ciclo de cultivo, muitas vezes a quantidade de chuva precipitada seria suficiente para uma colheita satisfatória se bem distribuída ao longo do ciclo. Entretanto, ela se concentra em uma ou duas chuvas e acaba não permitindo a produção e a colheita adequadas.

O fenômeno frequente da seca está restrito à região semiárida do Nordeste, que compreende uma área de 969.598,4 km2, abrangendo 1.133 municípios dos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, além do norte de Minas Gerais. Nas áreas litorâneas, o índice de chuvas é bem maior em função da umidade que vem do oceano. O mesmo vento poderia levar água para o sertão, já que o Semiárido nordestino não é cercado por cadeias de montanhas que barrem os ventos úmidos. Entretanto, a brisa marítima não é forte o suficiente para provocar chuvas em uma região maior que os 100 quilômetros da faixa costeira.

Grande parte do Semiárido está sobre o embasamento cristalino. Os aquíferos dessas áreas caracterizam-se pela forma descontínua de armazenamento. A água se localiza em fendas na rocha, onde se formam pequenos reservatórios e, tendo contato com o substrato, se mineralizam facilmente. Ou seja, as águas se tornam salinas ou salobras, servindo quase sempre somente para dessedentação animal. Em outras palavras, de uma maneira geral, os poços têm pouca água e a água, pouca qualidade.

Em algumas áreas do Semiárido, mesmo com baixa precipitação, tem-se praticado uma agricultura irrigada de grande pujança, com produção de frutas inclusive para exportação. O submédio São Francisco, na divisa dos estados da Bahia e Pernambuco, e o vale do Açu, no Rio Grande do Norte, são bons exemplos dessa agricultura de sucesso. Ocorre que isso não pode ser estendido para todo o Semiárido. Ainda que se possa pensar em ampliar bastante as áreas irrigadas, existem limitações de solo e de disponibilidade de água que não permitem que se faça irrigação em toda a região. Há estudos, inclusive, que apontam que apenas 5% do Semiárido atende os requisitos mínimos para o uso de irrigação.

Desde a década de 1980, entendeu-se que não era possível "combater" ou "enfrentar" a seca. Mudou-se, então, o olhar, aparecendo a palavra "convivência" como mais apropriada. O entendimento é de que, se por um lado o fenômeno natural sempre ocorreu e deverá inclusive se agravar e, por consequência, não dá pra ser combatido, por outro, pode-se desenvolver propostas e experimentar alternativas baseadas na ideia de que é possível e necessário conviver com ele.

Especialistas afirmam que, mesmo com todo o aparato moderno de equipamento e tecnologia, não há nada seguro que se possa prever além de 90 dias. No entanto, registros históricos apontam que as secas são cíclicas, repetindo-se fenômenos mais extremos a cada 13 anos, aproximadamente. Desta forma, elas não podem ser previstas com precisão, mas é possível que os governos e populações estejam preparados para minimizar seus efeitos.

Como consequência dessa seca, considerada a maior dos últimos 50 anos, houve grande frustração de safra em todas as áreas do Semiárido, perdeu-se grande parte do rebanho, especialmente de bovinos – não só por morte como também animais que foram vendidos por preços muito baixos para outras regiões –, houve grande perda das pastagens, uso predatório de plantas da Caatinga para alimentação animal, morte inclusive de muitas espécies nativas (em determinadas áreas essas mortes chegaram a 30 a 40% das plantas). O que houve de diferente dessa seca para outras de proporções semelhantes foi que na última não se observou o êxodo em massa da população de determinadas áreas, ou mesmo os saques em feiras e mercados. Também não houve morte de pessoas por fome e sede. Ainda que não seja uma solução definitiva para o problema, isto se deve em grande parte às politicas de complementação de renda ora em curso no país.

Quem vive no Semiárido já convive com a seca, e de uma forma ou de outra busca mecanismos para conviver com os seus efeitos. Passar oito a dez meses por ano sem chuva é comum. Ocorre que em uma seca dessas proporções é sempre difícil estar preparado. A preocupação em armazenar água para consumo humano e animal, o cultivo de plantas mais tolerantes, a implantação de reservas estratégicas para alimentar os animais e a conservação de forragem na forma de feno e silagem são práticas ainda incipientes, mas que já se observam em muitas áreas e que minimizam os prejuízos provocados pela seca.

Não existe uma receita pronta e que sirva para todos. Entretanto, é essencial que as famílias tenham acesso à água para consumo humano, para consumo animal e, em alguns casos, para alguma produção. Além disso, é necessário que se tenha uma gleba de terra com tamanho e qualidade suficientes para o sustento dos agricultores e de suas famílias. Havendo políticas que garantam isto, e entendendo que para se conviver nesse ambiente torna-se necessário ter sistemas de produção diversificados com cultivos alimentares, culturas de renda e, principalmente, pequenas criações, é preciso, cada vez mais, trabalhar com plantas mais resistentes (buscar inclusive opções entre espécies nativas), animais mais rústicos ainda que menos produtivos, além de se buscar uma harmonia com o ambiente em que se vive. Outra questão crucial para a convivência é a efetiva assistência técnica e extensão rural.

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