terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

08 02 2017 Colapso Hídrico
A mais longa e severa estiagem da história do Rio Grande do Norte está fazendo o maior reservatório do estado secar. Diversos municípios estão em situação de emergência e alguns já entraram em colapso, sem nenhuma água. O G1 visitou sete cidades onde os canos estão secos ou há rodízio de água – em uma delas, até uma cidade submersa pela represa reapareceu. A seca afeta moradores, a produção agropecuária e até o PIB do estado.

Seca histórica

A falta de chuva nos últimos anos fez a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves, que abastece 34 cidades do Rio Grande do Norte, ficar com apenas 15% de sua capacidade. Se não chover logo, ela pode entrar no volume morto em 6 meses, e comprometer ainda mais a distribuição de água. O nível atual é o mais baixo desde que a barragem foi inaugurada, em 1983, segundo o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs). A última vez que a barragem sangrou – ou seja, teve mais água que sua capacidade máxima e houve escoamento – foi em 2011.
A barragem tem capacidade para 2,4 bilhões de metros cúbicos de água, e abastece atualmente municípios das regiões Oeste, Central e Seridó do estado. Cinco entraram em colapso recentemente e três permanecem – ou seja, a empresa responsável interrompeu o fornecimento e suspendeu a cobrança da conta. Isso ainda acontece em Tenente Laurentino Cruz, Bodó e Lagoa Nova. Outras 28 cidades estão no regime de rodízio de água.

Dos 167 municípios do estado, 153 estão em situação de emergência, e 20 estão com o abastecimento cortado. Em outras 73, foi preciso adotar sistemas de rodízio para que a oferta não fosse totalmente cancelada. Os cinco anos de chuvas abaixo da média desestruturaram as cadeias produtivas, afetando inclusive as exportações e a arrecadação de impostos.

O G1 visitou sete cidades onde ou os canos já estão vazios ou há rodízio. Nestes locais, conseguir água está cada vez mais caro.

“É uma situação preocupante, com certeza. Os anos de 2012 e 2015 foram muito ruins para a Armando Ribeiro. Praticamente não choveu nada. Este ano ainda caiu uma água. Agora estamos torcendo para que as previsões de boas chuvas se confirmem para o ano que vem. Caso contrário, em junho de 2017 a barragem chegará a menos de 10% de sua capacidade e fatalmente entrará no volume morto”, afirma José Eduardo Alves Wanderley, coordenador do Dnocs no RN.

No volume morto

O chamado volume morto é o resto. No caso da Armando Ribeiro, quando a barragem atinge menos de 10% de sua capacidade de armazenamento. “Nesta condição, a água se torna imprópria para o consumo humano em razão da mistura com a lama e demais dejetos que estão no fundo do leito”, explica José Eduardo.
Barragem Armando Ribeiro Gonçalves, maior reservatório do Rio Grande do Norte, tem nível de água crítico em razão da estiagem prolongada (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
Tratar a água que sobra no fundo dos reservatórios exige grandes quantidades de produtos químicos, pois é no fundo do leito onde se encontram grandes quantidades de metais pesados e outros poluentes.

“Além do mais, essa reserva técnica precisa ser preservada por uma questão ambiental. Existe todo um ecossistema que vive no entorno dos reservatórios. Retirar essa água significa sacrificar esse ecossistema”, ressaltou Josildo Lourenço, gerente de Inovação Tecnológica e Controle de Perdas da Companhia de Águas e Esgotos do RN (Caern).

O volume morto da Armando Ribeiro ainda é menor, em termos de volume, que o de outras represas, como as do Sistema Cantareira, em São Paulo. O volume mais extenso torna a reserva técnica menos poluída, e o tratamento mais fácil.

Água da barragem baixou tanto que é possível caminhar em volta da antiga igreja de São Rafael (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)

'Atlântida do Sertão'

O nível da água está tão baixo que praticamente toda a antiga cidade de São Rafael ressurgiu. O município foi inundado há 33 anos, logo após a construção do reservatório. Na época, 730 famílias foram removidas para um ponto mais alto da região. Agora, as ruínas antes submersas estão acessíveis e viraram atrações turísticas. É a “Atlântida do Sertão”, como foi apelidada a velha cidade.
Túmulos de antigo cemitério também ressurgiram com a baixa do volume do reservatório (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
A antiga igreja e o cemitério são os locais preferidos. "Trabalhei aqui, na antiga cidade. Fui funcionário de uma pedreira. Agora, venho para matar a saudade”, disse Expedito Felipe de Lima, de 56 anos. “Nunca vi a água tão baixa”, acrescentou.

Na prainha, como é chamado o local mais visitado por banhistas, os pescadores não gostam do que veem. “Com a água baixando, os peixes vão desaparecendo. Antes, levava para casa uns 30 quilos de peixe por dia. Agora, depois de um dia inteiro de trabalho, não consegui pegar 3 quilos”, lamenta Val da Silva, que é associado à colônia de pescadores da região.

A seca fez surgir uma prainha, frequentada por banhistas (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)

Canos vazios

Você sabe que a água é o principal, né? A alimentação a gente ainda procura comprar. E se não tiver água pra comprar?”.

O desalento é da professora aposentada Cleonice Dantas, moradora de Florânia, na região Seridó potiguar. Quando o G1 visitou a cidade, os canos estavam secos, e o município estava em situação de colapso. Para amenizar o problema, a empresa responsável pelo abastecimento escavou um canal, drenou água de um ponto da barragem e a lançou na Adutora Serra de Santana, que abastece Florânia.
“Agora, pra gente ter água de beber, cozinhar, lavar roupa ou até mesmo tomar banho, só pagando a particulares. E é caro demais”, reclama Marcilene Brito de Lima, de 46 anos. A dona de casa mora em Tenente Laurentino Cruz desde criança, e diz que nunca passou por um momento tão difícil. “Todo dia eu tenho que comprar um tambor de água pra poder cozinhar. Custa R$ 8. Quando não tenho dinheiro, pego na casa da minha mãe, que tem um tanque. Não faço outra coisa senão correr atrás de água”, acrescenta.

O drama é parecido com o do agricultor aposentado Júlio Cassiano Sobrinho, de 76 anos. Para manter a família, ele disse estimar um gasto de R$ 70 este mês só com água para beber, o dobro do que gastou em novembro, quando ainda tinha abastecimento em casa. “Difícil, muito difícil a nossa situação”, reclama.

“Falta água e falta dinheiro. Para tomar banho, para beber, para cozinhar, para lavar roupa, para tudo isso vai ser preciso desembolsar, gastar o que não tem”, completa Iran Avelino Alves, morador de São Vicente. A cidade também recebeu água esta semana, após a visita do G1, da mesma adutora que abasteceu Florânia.

A seca também afetou a colheita de grãos, como o milho (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
A comerciante Maria Simara teve que diminuir o cardápio do único restaurante local, onde também funciona uma pousada. “Antes da falta d’água, a gente gastava em média R$ 150 por mês com lavagem das roupas de cama, lavagem de pratos e água para cozinhar e preparar os alimentos. Hoje, para comprarmos um carro-pipa de água, gastamos este mesmo valor por semana. Para não repassarmos esse custo para os nossos clientes, tivemos que cortar alguns produtos”, lamenta.

Efeitos da seca

Atualmente, apenas 13 cidades afetadas pela falta total ou parcial de água são atendidas pela Operação Vertente, que leva carros-pipa com água potável para zonas urbanas de cidades sem distribuição. A partir de janeiro, a Controle de Perdas da Companhia de Águas e Esgotos do RN (Caern) vai ampliar este número para 22, atendendo cerca de 180 mil pessoas
A água dos caminhões-pipa sai de poços que ficam nos municípios de Apodi e Vera Cruz. Hoje 52 caminhões fazem o trabalho. Esse número passa a 98 em janeiro.

Caminhões-pipa levam água para algumas das cidades afetadas (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
Segundo o decreto que reconheceu a situação de emergência – o sétimo em 5 anos - as perdas no setor agropecuário são estimadas em mais de R$ 4 bilhões. Isso significa uma redução de 50% na contribuição do setor rural para o Produto Interno Bruto do estado.

Quase toda a safra de grãos, tubérculos e outras culturas de subsistência foi perdida. A seca ainda desestruturou a cadeia produtiva do mel, inviabilizando exportações, e reduziu em mais de 30% a produção de milho, arroz, feijão e sorgo.

Com a situação de emergência, o governo estadual pode contratar sem licitação obras e serviços que aliviem as consequências provocadas pela estiagem.

Prejuízos no setor agropecuário do estado são estimados em algo superior a R$ 4 bilhões, segundo o governo (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)

Possível solução

A barragem de Oiticica, considerada a solução definitiva para a seca na região do Seridó, deve ficar pronta em 2017, segundo a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh). Quando pronto, o reservatório de 566 mil m³ de capacidade será o terceiro maior do estado e abastecerá 17 cidades.

Pouco mais de 50% da construção está concluída – o andamento depende de repasses do governo federal. A obra, que faz parte do PAC, tinha previsão de entrega inicial para junho de 2014. Por enquanto, 97% da área foi desapropriada e os moradores indenizados.
Barragem de Oiticica tem 50% das obras concluídas (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
A barragem foi orçada inicialmente em R$ 311 milhões - mas o orçamento foi revisto pela Semarh em julho deste ano, e reavaliado em R$ 415 milhões.

Um novo plano de trabalho, que prevê repasse de R$ 98 milhões a mais de recursos federais, ainda não foi aprovado pelo Ministério da Integração Nacional.

Quando pronta, a represa de Oiticica será a terceira maior do estado e abastecerá 17 cidades (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
O ministério disse ao G1 que mensalmente são repassados em média R$ 6 milhões por mês ao governo do estado para a construção da Barragem de Oiticica. “Com o empenho efetuado em dezembro, temos recursos garantidos para praticamente mais 10 meses de obras, dependendo obviamente do ritmo da mesma”, disse o ministério em nota, ressaltando que há tempo hábil para finalizar a análise do novo plano de trabalho sem impacto na execução da obra.

Segundo o secretário Mairton França, da Semarh, para manter o cronograma das obras de acordo com o novo orçamento o ideal seria que o governo federal repassasse ao estado R$ 15 milhões mensalmente.

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