Artigo - O Futuro é Bio
Maurício Antônio Lopes
Presidente da Embrapa
"Brasil, Economia Natural do Conhecimento". Este é o título de um
estudo, realizado pela instituição britânica Demos e o Centro de Gestão e
Estudos Estratégicos (CGEE), sobre a forma como a economia brasileira
tende a avançar, aliando a sua base de conhecimentos com os seus
recursos naturais. Lançado em 2008, o estudo afirmou que o Brasil pode
ser um país capaz de desafiar a lógica dominante, segundo a qual as
economias baseadas em recursos naturais e aquelas baseadas em
conhecimento ocupam extremos opostos do eixo de desenvolvimento
econômico.
Extração de petróleo em águas
profundas; matriz energética limpa, baseada em hidroeletricidade e
bioenergia; agricultura que utiliza práticas sustentáveis inéditas, como
tropicalização de cultivos, plantio direto, fixação biológica de
nitrogênio, integração lavoura-pecuária-floresta, etc. Estes são
exemplos do que há de melhor na capacidade inovadora brasileira,
combinando a engenhosidade da nossa ciência com a rica base de recursos
naturais do nosso país-continente.
Interessante revisitar o tema nesse momento em que ganha força a
bioeconomia, ramo da atividade humana que promete reunir todos os
setores da economia que utilizam recursos biológicos (seres vivos) para
oferecer soluções coerentes, eficazes e concretas para grandes desafios
como as mudanças climáticas, substituição de insumos de origem fóssil,
segurança alimentar e saúde da população.
Na
verdade, a bioeconomia ganha força e visibilidade porque a
sustentabilidade entrou de vez na agenda da sociedade. Em breve os
produtos que consumimos serão certificados não apenas por sua qualidade e
segurança. O requisito de mínimo impacto ambiental será norma em todos
os processos de fabricação. Ganhará cada vez mais evidência o conceito
de "ciclo de vida" que exigirá atenção não apenas com as boas práticas
de produção, mas também com o planejamento do descarte, do reúso ou da
reciclagem de todos os componentes do produto, até mesmo embalagens,
rolhas, rótulos, etc. Portanto, o futuro exigirá ênfase na produção de
base biológica, com componentes renováveis e de baixo impacto ambiental.
Na base da bioeconomia está a pesquisa em diferentes ramos da
biociência, com destaque para a biotecnologia, que o fundador da
Microsoft, Bill Gates, descreveu certa feita como o campo do
conhecimento humano que desempenha no presente o mesmo papel exercido
pela programação de computadores no século 20. Ele argumenta que "se
alguém quer mudar o mundo de forma radical, deve começar pelas
biomoléculas. Elas precisam do mesmo tipo de entusiasmo que caracterizou
os jovens gênios que criaram a indústria dos PCs".
Verdadeiras revoluções estão acontecendo na biologia, que nos permitem
ampliar a compreensão de mecanismos complexos em plantas, animais e
microrganismos. E, por causa disso, as indústrias farmacêutica,
química, de alimentos, da saúde, da energia e da informação estão se
integrando de forma nunca antes imaginada. As fronteiras entre negócios
tradicionalmente distintos já desaparecem, criando uma grande
convergência na direção do que promete ser a maior indústria do planeta -
a bioindústria.
A bioindústria já tem
permitido transformar derivados da cana-de-açúcar em garrafas pet,
fabricar estofados de carro biodegradáveis, biossensores para monitorar
poluição, aplicar biomateriais para reparar tecido ósseo, desenvolver
biofármacos para enfrentar doenças, produzir inimigos naturais para
controlar pragas, e usar microrganismos para degradar resíduos.
Aviões já realizam os primeiros voos comerciais utilizando bioquerosene
como combustível. Empresas brasileiras geram novos produtos como
sabonetes e essências, a partir de nossa extraordinária diversidade
biológica. Movimentam assim a economia, criando empregos, recompensando
as comunidades tradicionais e oferecendo alternativas em um mercado
cada vez mais sofisticado.
Na convergência da
biologia com outras ciências, surgem projetos inesperados. Na mecânica,
agora se estuda o movimento de pássaros como o beija-flor, em busca de
ideias para a criação de aeronaves com propriedades e aerodinâmica
inovadoras. A biologia e a nanotecnologia, unidas, buscam construir
fibras ultrarresistentes, mimetizando a teia de aranha.
Um campo fértil para o avanço da bioeconomia, no Brasil, é o das
biorrefinarias, indústrias capazes de obter da biomassa quase tudo que
hoje destilamos do petróleo. Como resultado, em breve veremos grande
convergência e sinergia entre setores como agricultura, química, energia
e materiais.
Como se vê, o Brasil tem
experiência, capacidade e diversidade biológica inigualável para se
destacar na nascente bioeconomia. Requer apenas que a infraestrutura de
pesquisa e inovação, o ambiente regulatório e os investimentos privados
sejam estimulados para que o país alcance o papel de destaque que lhe
cabe. Assim, a bioeconomia consolidará a imagem inata do país, como
economia natural do conhecimento. Não há tempo a perder.
Artigo publicado na edição de 14 de setembro de 2014 do jornal Correio Braziliense.
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