Sob sol escaldante e pouca água, agricultores nordestinos produzem frutas de alta qualidade com o gotejamento
A temperatura estava próxima a 37 graus célsius e o solo estalava de
seco na frenética Mossoró, cidade localizada na região oeste do Rio
Grande do Norte, a 285 quilômetros de Natal. Em 2012 e 2013, a chuva
veio em gotas e a seca é das mais abrasivas dos últimos 50 anos. O gado
morria de sede, enquanto carneiros e cabras, mais resistentes, se
alimentavam dos arbustos torrados pelo sol nordestino.
Cortada pela BR-304, que liga Mossoró a Fortaleza, no vizinho Ceará, é
nessa região semiárida, considerada adversa ao desenvolvimento de
lavouras, que tecnologias avançadas permitem que frutas como melão,
melancia, goiaba, maracujá, banana e mamão cresçam viçosas e doces e
ganhem a rubrica “tipo exportação” na embalagem. Além disso, a produção é
em escala e durante os 12 meses do ano. Da estrada, repleta de
caminhões transportando frutas, podem ser avistados os mantos verdes das
plantações circundados pela terra arenosa em Tibau (RN) – o mar está
próximo dali. Parece miragem. A maior parte dos frutos é exportada para
os exigentes mercados da Europa, principalmente, dos EUA e Oriente
Médio. Neste ano, a cobiçada China começou a importar e tornou real um
sonho antigo dos fruticultores.
A tecnologia que permite o “milagre” de se colher frutos nobres é a
irrigação por gotejamento. Sem ela, seria impossível aos agricultores
vencerem as condições climáticas, agravadas agora pela estiagem
prolongada. Também são decisivos o trabalho sol a sol do sertanejo e a
assistência de órgãos como Sebrae-RN, Universidade Federal do Semiárido e
prefeitura municipal. Para se ter ideia, somente com exportações de
melões, carro-chefe dos negócios, o Rio Grande do Norte faturou US$ 54
milhões em 2012, para uma receita nacional de US$ 134,1 milhões.
Já foi melhor: em 2007, o Estado chegou a movimentar US$ 85,2 milhões. A
queda nas vendas deve-se à crise econômica europeia, mas tem uma
novidade animadora: a desaceleração dos embarques não assustou, por
conta do mercado interno, que cresceu. E este ano emitiu sinais tímidos
da recuperação europeia, e a importação de outros mercados conquistados
foi incrementada. O Estado vendeu US$ 16,5 milhões de melões no primeiro
semestre – foram US$ 13,9 milhões em igual período em 2012. Já o Ceará
saltou de US$ 20 milhões para US$ 24,5 milhões.
Segundo Rui Sales Júnior, pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da
Universidade do Semiárido, outras tecnologias modernas, como sementes
híbridas, insumos de alto rendimento, embalagens rigorosas, integração
lavoura-floresta e o chamado “mulching” (cobertura plástica que garante
melhor produtividade às plantas), são usadas tanto nas grandes como nas
médias e pequenas fazendas e colaboram para minimizar os custos.
Entre os pequenos produtores, o professor cita como exemplo os do
assentamento Oziel Alves, a 28 quilômetros de Mossoró, que desafiaram a
seca e transformaram o solo inóspito num “oásis”. Lá reside o casal Jair
Alves de Andrade, de 39 anos, e Adriana Andrade, de 34. Eles são
assentados do Oziel Alves desde 2001, quando 132 famílias ocuparam a
propriedade. Hoje, segundo Adriana, apenas seis delas cultivam uma área
total de 1.600 hectares, incluindo reserva legal, e produzem melão das
variedades amarelo, pele-de-sapo, cantaloupe, além de melancia, banana
orgânica e tomate.
Toda a semana são plantados 3 hectares de melão, sendo 30% negociados no mercado interno (seguem para Natal, Fortaleza e São Paulo) e os 70% restantes exportados para Inglaterra, Holanda, Portugal e Espanha pelos portos de Mucuripe, em Natal, e Pecém, em Fortaleza, que ficam a cerca de 250 quilômetros dali. “Temos o certificado GlobalGap, cujas normas internacionais são rígidas em relação ao meio ambiente, à segurança e ao bem-estar dos trabalhadores. O diploma abre mercado aos nossos produtos, que são ainda rastreados”, diz Adriana.
Toda a semana são plantados 3 hectares de melão, sendo 30% negociados no mercado interno (seguem para Natal, Fortaleza e São Paulo) e os 70% restantes exportados para Inglaterra, Holanda, Portugal e Espanha pelos portos de Mucuripe, em Natal, e Pecém, em Fortaleza, que ficam a cerca de 250 quilômetros dali. “Temos o certificado GlobalGap, cujas normas internacionais são rígidas em relação ao meio ambiente, à segurança e ao bem-estar dos trabalhadores. O diploma abre mercado aos nossos produtos, que são ainda rastreados”, diz Adriana.
Usada em 100% da lavoura no Osiel Alves, a irrigação por gotejamento
permitiu que a agricultura no Semiárido vencesse o estágio primitivo,
quando o caju era a estrela dos pomares, ganhasse perfil moderno e
transformasse o sertanejo num empreendedor. Foi uma “revolução”, lembra
Francisco de Paula Segundo, subsecretário do Trabalho da prefeitura de
Mossoró. Pelo sistema, explica ele, a água é levada sob pressão por
tubos. Depois, é aplicada no solo por meio de emissores na raiz da
planta frequentemente e em baixa intensidade. “Sua eficiência chega a
95%. Não há desperdício de água, que por aqui é o bem mais prezado”,
afirma.
E o Nordeste avançou ainda mais quando passou a utilizar irrigação com
fertilização e quimigação. A lavoura não recebe apenas água. É irrigada
com água e nutrientes ao mesmo tempo e na dose certa para o seu
desenvolvimento, e, no caso da quimigação, os defensivos são colocados
juntos. Francisco diz que a tecnologia do gotejamento veio de Israel,
onde a população foi obrigada a domar áreas desérticas a fim de produzir
comida para seu sustento.
Os assentados do Oziel Alves estão colhendo 2.100 caixas de 13 quilos de
melão por hectare, uma boa produtividade, diz Adriana, que é agrônoma. O
mercado cotava a R$ 19 a caixa, valor que cobre os custos e deixa um
lucro líquido razoável. O melão é plantado junto a culturas perenes,
como mamão e banana, o que garante renda aos assentados o ano inteiro.
Até a moderna e eficiente técnica da integração lavoura-pecuária já
chegou ao Nordeste. No assentamento de Adriana, os resíduos das frutas
engordam carneiros e ovelhas de corte. A pecuária reforça a receita. Não
há custos com alimentação. Os animais são comprados magros e vendidos
gordos.
O abastecimento de água é feito por meio de poços artesianos. No Osiel
Alves, alguns deles têm profundidade de 100 metros, o que mostra a
dificuldade dos fruticultores para chegar aos lençóis freáticos.
Este ano choveu apenas 200 milímetros no oeste potiguar, onde Mossoró
está plantada. O ideal seria 600 milímetros ou mais. Pior: em 2013, a
região foi vítima da chamada seca verde. A chuva cai em abundância num
período curto de tempo, é mal distribuída e depois cessa drasticamente.
Quem não possui tecnologia não consegue plantar, o que vale também para o
pecuarista, cuja boiada morre.
Famosa
Maior produtora de melão de todo o mundo, até a Agrícola Famosa foi
obrigada a mudar sua estratégia neste ano. Sediada parte em Icapuí (CE),
parte em Tibau (RN), na divisa dos dois Estados, a empresa possui nove
unidades de produção espalhadas pela região e em Pernambuco. “A estiagem
castiga. A água baixou em alguns poços artesianos e secou em outros.
Houve concentração de sal na água, prejudicando a produtividade das
frutas”, afirma Luiz Barcelos, proprietário. “Transferimos então uma
parte do plantio para Pernambuco.”
Tudo na Famosa é superlativo. A cada semana, 280 contêineres
refrigerados e carregados de frutas rumam para o porto. Nos últimos
anos, com a explosão da demanda interna por frutas, o número de
contêineres que transporta a produção, que era de dez em 2008, saltou
para 100 hoje. “No início, eram plantados 3 hectares de melão a cada dez
dias. Hoje, são 250 hectares por semana e a colheita se dá 60 dias
depois, ou seja, o giro é curto e imprime velocidade às atividades,
conduzidas por 3 mil trabalhadores registrados.”
Somente na sede, que tem 8.000 hectares, além do melão e da melancia,
semeados em 3.000 hectares, são plantados mamão (500 hectares), banana
(500), maracujá (500), aspargos (100) e tomate-cereja (100). O grupo
engorda 3.500 cabeças de boi e tira 2.000 litros de leite ao dia. Os
animais são alimentados com as sobras do melão, sem custos.
As exportações de frutas brasileiras crescem. De 2000 a 2012, o resultado saltou de US$ 50 milhões para US$ 619 milhões, e os Estados do Nordeste lideram. Melão, manga e uva são as que mais faturaram.
As exportações de frutas brasileiras crescem. De 2000 a 2012, o resultado saltou de US$ 50 milhões para US$ 619 milhões, e os Estados do Nordeste lideram. Melão, manga e uva são as que mais faturaram.
Dois outros plantadores de frutas de Mossoró são otimistas em relação ao
futuro e investem no crescimento de suas lavouras. João Manoel Lopez
Lima, de 49 anos, colheu 3.600 toneladas de melão em 2012, além de
melancia, em sua propriedade de 350 hectares na zona rural do município.
Em 2013, ele dobrou a produção.
Já Francisco Vieira da Costa, de 50 anos e também de Mossoró, é um dos poucos a operar com contratos pré-fixados com os países europeus, caso da França, que ele considera o mais exigente do mundo. Essa condição permite exportar um volume de frutas padronizado nas caixas. “É do tamanho que a Europa pede”, diz ele, que embarcava 6.000 toneladas de melão em 2008, volume que saltou para 12.000 toneladas neste ano.
Já Francisco Vieira da Costa, de 50 anos e também de Mossoró, é um dos poucos a operar com contratos pré-fixados com os países europeus, caso da França, que ele considera o mais exigente do mundo. Essa condição permite exportar um volume de frutas padronizado nas caixas. “É do tamanho que a Europa pede”, diz ele, que embarcava 6.000 toneladas de melão em 2008, volume que saltou para 12.000 toneladas neste ano.
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