João Bosco Carvalho da Silva
Carlos Alberto Lopes
Janaina Silvestre Magalhães
Carlos Alberto Lopes
Janaina Silvestre Magalhães
O cultivo de hortaliças em pequena escala é geralmente uma atividade múltipla de produção agrícola, exercida com pouco uso de tecnologia e sem orientação profissional, obtendo-se baixos índices de produtividade e a baixa qualidade dos produtos.
A cultura da batata-doce é um exemplo dessa situação pois, ao longo do tempo, tem sido cultivada de forma empírica pelas famílias rurais, em conjunto com diversas outras culturas, visando a alimentação da família, principalmente na primeira refeição diária, utilizada na forma de raízes cozidas, assadas ou fritas. Com o crescente êxodo rural, grande parte do consumo de batata-doce foi substituído pelo pão e por hortaliças de mais fácil preparo e de maior atratividade, como batata, cenoura e tomate, que eram anteriormente pouco consumidas pela família rural, por serem de difícil cultivo em hortas domésticas.
A produção brasileira teve um forte declínio nas últimas décadas (Figuras 1 e 2). Por outro lado, percebe-se que o índice de produtividade tem sido crescente nos últimos anos, revelando que o sistema de produção tem sofrido mudanças que indicam uma evolução do nível tecnológico, embora muitas tecnologias disponíveis ainda sejam raramente aplicadas nessa cultura. Apesar da grande decadência, verifica-se pelos dados estatísticos, que a batata-doce ainda detém o 6° lugar entre as hortaliças mais plantadas no Brasil, correspondendo a [1] uma produção anual de 500.000 toneladas, obtidas em uma área estimada de 48.000 hectares (Quadro 1).
A batata-doce é cultivada em 111 países, sendo que aproximadamente 90% da produção é obtida na Ásia, apenas 5% na África e 5% no restante do mundo. Apenas 2% da produção estão em países industrializados como os Estados Unidos e Japão. A China é o país que mais produz, com 100 milhões de toneladas (Woolfe, 1992; FAO, 2001)
A batata-doce é cultivada em regiões, localizadas desde a latitude de 42 ºN até 35 ºS, desde o nível do mar até 3000 m de altitude. É cultivada em locais de climas diversos como o das Cordilheiras dos Andes; em regiões de clima tropical, como o da Amazônia; temperado, como no do Rio Grande do Sul e até desértico, como o da costa do Pacífico.
Figura 1. Área cultivada com batata-doce no Brasil (FAO, 2001)
Figura 2. Produção de batata-doce no Brasil (FAO,2001)
A cultura adapta-se melhor em áreas tropicais onde vive a maior proporção de populações pobres. Nessas regiões, além de constituir alimento humano de bom conteúdo nutricional, principalmente como fonte de energia e de proteínas, a batata-doce tem grande importância na alimentação animal e na produção industrial de farinha, amido e álcool. É considerada uma cultura rústica, pois apresenta grande resistência a pragas, pouca resposta à aplicação de fertilizantes, e cresce em solos pobres e degradados.
Comparada com culturas como arroz, banana, milho e sorgo, a batata-doce é mais eficiente em quantidade de energia líquida produzida por unidade de área e por unidade de tempo. Isso ocorre porque produz grande volume de raízes em um ciclo relativamente curto, a um custo baixo, durante o ano inteiro. Em termos de volume de produção mundial, a cultura ocupa o sétimo lugar, mas é a décima quinta em valor da produção, o que indica ser universalmente uma cultura de baixo custo de produção.
Quadro 1. Principais hortaliças produzidas no Brasil
Cultura | Volume de produção (tonelada) | Área plantada (hectare) | Valor da produção (R$1000) | |||
Tomate | 3.042.603 | 57.636 | 1.030.812 | | ||
Batata | 2.582.000 | 152.348 | 780.632 | | ||
Cebola | 1.078.300 | 65.366 | 297.790 | | ||
Cenoura | 680.523 | 25.850 | 204.157 | | ||
Melancia | 600.000 | 79.000 | 171.309 | | ||
Batata-doce | 500.000 | 48.000 | 123.474 | | ||
Inhame | 230.000 | 25.000 | 75.000 | | ||
Melão | 145.000 | 15.000 | 65.347 | | ||
Alho | 71.747 | 11.511 | 144.468 | | ||
Fonte: FAO, 2000; IBGE, 1999
No Brasil, o investimento na cultura de batata-doce é muito baixo, e o principal argumento contrário ao investimento em tecnologia é que a lucratividade da cultura é baixa. Isso decorre do pequeno volume individual de produção, ou seja, os produtores ainda tendem a cultivar a batata-doce como cultura marginal, com o raciocínio de que, gastando-se o mínimo, qualquer que seja a produção da cultura constitui um ganho extra. Dessa forma, é obtido um produto de baixa qualidade e sofre restrições na comercialização, tanto por parte dos atacadistas, que tendem a reduzir o preço, quanto por parte do consumidor, que refuga parte do produto exposto à venda.
Ao se comparar os custos de produção e os índices de produtividade, percebe-se que uma questão básica é a falta de determinação, por parte do produtor, em pesquisar mercados e descobrir oportunidades de estabelecer compromissos de produção com alta qualidade, para ter um canal seguro de comercialização, com possível regularidade de uma produção programada.
A produtividade média brasileira é menor que 10 t/ha (500 caixas/ha), enquanto que, utilizando-se apenas cerca de R$3400/ha ou US$1300, que é o custo médio para adotar um sistema tecnológico acessível a qualquer nível de produtor, obtém-se a produtividade de 22 t/ha (1.100 caixas/ha). Considerando o preço médio de R$9,50 por caixa, estima-se o retorno do triplo do capital investido em quatro ou cinco meses, o que raramente se obtém em outra atividade produtiva. Além do bom nível de retorno econômico, o uso da tecnologia resulta na melhoria substancial da qualidade do produto, melhorando a sua aceitação e aumentando o poder de barganha no momento da comercialização.
No Brasil, a batata-doce é cultiva em todas as regiões. Embora bem disseminada no país, está mais presente nas regiões Sul e Nordeste, notadamente nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Pernambuco e Paraíba (Quadro 2).
No Nordeste, a cultura assume maior importância social, por se constituir em uma fonte de alimento energético, contendo também importante teor de vitaminas e de proteína, levando-se em conta a grande limitação na disponibilidade de outros alimentos em períodos críticos de estiagem prolongada. Paradoxalmente, é nesta região e no Norte do país, com população mais carente e com melhor clima, que a produtividade é mais baixa (Quadro 2).
Quadro 2. Área, produção e produtividade da batata-doce em alguns estados e nas regiões brasileiras.
Estados | Área (ha) | Produção (t) | Produtividade (t/ha) | ||||
Rio Grande do Sul | 14.894 | 159.099 | 10.6 | | |||
Paraná | 4.042 | 68.810 | 17.0 | | |||
Santa Catarina | 2.110 | 30.649 | 14.5 | | |||
Paraíba | 4.410 | 30.332 | 6.8 | | |||
Pernambuco | 2.600 | 22.484 | 8.6 | | |||
Regiões | | | | | |||
Sul | 21.046 | 258.558 | 12.2 | | |||
Nordeste | 15.559 | 126.228 | 8.1 | | |||
Sudeste | 5.853 | 82.004 | 14.0 | | |||
Norte | 398 | 1.370 | 3.4 | | |||
Centro-Oeste | 302 | 4.262 | 14.1 | | |||
Fonte: IBGE, 1999.
A cultura de batata-doce necessita de cerca de 500 mm de lâmina de água durante o ciclo produtivo para que apresente um índice elevado de produtividade. As raízes de reserva se formam já no início do desenvolvimento da planta, e estas estruturas, além de se constituírem reserva para a própria planta, são unidades de reprodução que emitem novas brotações se a parte aérea da planta for eliminada ou se ressecar pela deficiência hídrica prolongada. Nesse caso, o ciclo cultural se prolonga, mas raramente ocorre perda total da lavoura, como é comum ocorrer com outras espécies, nessas condições.
Além da resistência à seca, a cultura apresenta as seguintes características:
- É de fácil cultivo – Embora existam diversas técnicas aplicadas desde o preparo do solo até o processamento pós-colheita, a cultura pode ser conduzida de forma rudimentar, sem utilização de fertilizantes, agrotóxicos ou irrigação.
- Tem baixo custo de produção – Ao se comparar com diversas outras hortaliças, a batata-doce demanda menos fertilizantes, irrigação e mão-de-obra, o que resulta em baixo custo relativo de produção.
- Permite colheita prolongada – A parte comercial se constitui de raízes de reserva que se formam ao longo do ciclo da planta, sem apresentar um momento específico de colheita, tratando-se portanto de uma planta de ciclo perene. Assim sendo, a colheita pode ser parcelada, antecipada, ou retardada, de acordo com a conveniência do produtor, levando-se em conta porém, que a antecipação corresponde à produção de raízes de menor tamanho e que o retardamento implica em maior incidência de pragas, além da formação de raízes acima dos padrões comerciais.
- Apresenta resistência a pragas e doenças – O fato da batata-doce ter sido uma das hortaliças mais cultivadas em períodos quando não se utilizavam agrotóxicos, é um comprovante de sua resistência natural a pragas e doenças. Esta característica foi comprovada por Müller e Börger – 1940, citado por Woolfe (1992), que descobriu que a presença de fitoalexinas, extraída pela primeira vez nesta planta, funcionavam como antibióticos naturais. Quando as raízes são danificadas por fungos patogênicos, tais como Ceratocystis fimbriata (Clark & Moyer, 1988) ou Fusarium solani (Wilson, 1973) ou então invadidas por brocas como Euscepes postfasciatus (Uritani et al. 1975), a planta reage ao ataque, produzindo uma variedade de sesquiterpenos que tornam o tecido vegetal amargo e com odor forte (Schneider et al., 1984).
- É mecanizável – A horticultura é uma atividade que geralmente consome grande quantidade de mão-de-obra, o que favorece a fixação do homem no campo. Entretanto, o uso de serviços mecanizados reduz o custo de produção e aumenta a possibilidade de lucro para o produtor. Nesse sentido a cultura da batata-doce tem a vantagem de ser adaptada a ambos sistemas de produção, podendo ter diversas etapas mecanizadas, especialmente o plantio e a colheita.
- É protetora do solo – A cultura é instalada em camalhões ou leiras que devem ser construídas em nível, formando um eficiente sistema de controle da erosão, podendo portanto ocupar áreas marginais e de topografia acidentada. A planta apresenta ainda um crescimento rápido, cobrindo completamente o solo a partir de aproximadamente 45 dias do plantio.
A despeito dessas características, a cultura apresenta uma série de desvantagens ou barreiras:
- É de difícil preparo para a culinária – As hortaliças são geralmente preparadas em curto tempo, sendo diversas delas simplesmente picadas ou raladas. A batata-doce entretanto, necessita ser descascada, picada e cozida, exigindo esforço e tempo que nem todo consumidor moderno está disposto a despender..
- Tem aparência ruim – Por se tratar de uma raiz tuberosa, o crescimento das mesmas é afetado pela presença de torrões, pedras e fendas do solo, formando um produto tortuoso. O ataque de larvas de insetos, mesmo que não danifiquem severamente as batatas, formam orifícios e galerias superficiais que depreciam a sua aparência. Além disso, as variedades cultivadas apresentam altos teores de produtos fenólicos que, embora úteis por aumentar a resistência a pragas, causam o escurecimento da polpa quando exposta ao ar, constituindo alimentos menos atrativos.
- Forma manchas – A planta da batata-doce produz látex que se fixa facilmente na pele e em tecidos, formando manchas de difícil remoção.
- Causa “pesadez” e forma gases – A batata-doce possui um inibidor da digestão que reduz a ação de enzimas digestivas como a tripsina e quimotripsina (Ryan, 1981). O prolongamento do tempo de digestão favorece a fermentação dos alimentos no trato intestinal, causando flatulência e formação de gases.
- É pouco valorizada – A batata-doce tem sido tradicionalmente consumida por famílias de baixa renda, especialmente as do meio rural. Uma constatação disso é que raramente faz parte da pauta de produtos de exportação. Outra constatação é que, embora possa ser utilizada em inúmeras receitas, tanto de doces como de salgados, raramente é citada como ingrediente em livros de receitas.
Uma das conseqüências destes entraves é a restrição na comercialização. O volume de venda nos supermercados e nos atacadistas é relativamente pequeno. Com isso, não se formou, ao longo do tempo, um canal de comercialização e não se conhecem casos de produção programada ou organizada em forma de cooperativas ou associações. O maior volume de vendas ocorre em mercados de periferia, como as feiras e quitandas, que é individualmente pequeno, formando-se então um ciclo vicioso de baixa qualidade do produto, baixo valor pago ao produtor, pouco investimento, baixo nível tecnológico.
1 Engenheiro Agrônomo, PhD em fitotecnia, pesquisador da Embrapa Hortaliças
2 Engenheiro Agrônomo, PhD em fitopatologia, pesquisador da Embrapa Hortaliças
3 Bióloga, bolsista da Embrapa Hortaliças
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