MANDAMENTO CONTRA AS FUJONAS
Ninguém aguentava mais, pois as miunças fugiam, varavam qualquer tipo de cerca e promoviam o rebaixamento das folhas tão bem cuidadas, mesmo antes de chegar a colheita. Tinha que haver um jeito para acabar com o sinistro prejuízo.
Até o padre já havia sido acionado e disparara um feroz discurso, durante a missa, contra os donos de miúnças que não se preocupavam com o assunto. "Afinal, não se importar com o problema é o mesmo que participar do roubo da mercadoria dos vizinhos" - espinafrou o homem da batina. "Que cada um cuide de sua miúnça fujona" - concluiu o padre, lembrando que o fogo do inferno estava sempre aceso esperando os infratores.
- Lembrem-se bem: Deus enxerga cada miunça que foge! E sabe de onde ela veio!
Assim, o problema já era local, regional, quase nacional, pois interessava a todo mundo, uma vez que cabras e ovelhas viviam escapando de qualquer fazenda, como se fosse uma sina. Não adiantava rezar, acender vela, nada, nada, nada! Elas queriam é fugir para o vizinho, sempre. O vereador Zeca ofereceu até um prêmio de cem pratas se alguém tivesse uma solução, mas ninguém nem mexia um dedo pois o problema parecia ser tão velho como o mundo.
Um dia, chegou à feira um poeta, vindo deus-sabe-de-onde, com um violão amarrotado, rabiscado, quase quebrando, cantarolando suas experiências coletadas no mundo. Mal tomou conhecimento do caso e resolveu entrar na dança. Puxou o violão, riscou um acorde, com o mote mais apropriado:
Pode ouvir, bom sertanejo
Este verso alvissareiro
Pois de tudo eu sei e vejo
Eu não sou interesseiro
Diga logo o seu problema
Vou acabar com seu dilema
Vem de Deus minha sabença
Que lhe dou sem mais querença
Gente, bicho, amor, tragédia
Aqui termina igual comédia
Diga, então, o pior tormento
E lhe dou o medicamento.
O falastrão mal trajado apreciava aguardente com fatias de caju e não regateou a talagada enquanto chegava o comitê que queria o fim das fujonas, propondo um bom pagamento se ele apontasse experiências de qualquer outro mundo que pudessem colocar um ponto final no difícil problema.
O menestrel, ainda com areia da estrada no cangote, sentiu o peso da responsabilidade, pois se meter com teimosia de cabra e ovelha é negócio de abestalhado, mas não podia fugir do que havia vendido.
- Pois, tá certo, vou pensar e até o final da feira estou conversando e dando solução, pois tudo tem jeito, a não ser para a morte que é mesmo a danação.
Passaram as horas e já perto do almoço o comitê procurou o cantador para ver se sairia coelho daquele mato, tamanho era o desespero. O viajor não fugiu da raia:
- Minha gente, pensei muito, e lembrei de várias ocasiões em que os animais escapoliam. Em cada momento houve uma solução. Alguma há de aqui ter serventia e, então, prestem muita atenção, pois com valentia vou fazer a descarregação.
E foi despejando sobre a plateia as soluções que poderiam acabar com o velho problema:
- Primeiro. O melhor é corromper o bode. Todo mundo se corrompe, não é mesmo? Então o bode corrompido vai castigar as fujonas e elas vão mesmo é obedecer o chefe, não? Nenhum macho quer ficar sem mulher, não é?
- Segundo. Pode prender cada fujona e levar para a feira. Entregar a dita pra quermesse do vigário, sem direito de reclamação por parte do dono.
- Terceiro. Pode colocar uma canga em cada buraco de cerca. Igual ratoeira para rato. Quando tentar passar, a fujona não consegue, e ainda fica engastalhada na canga. Bem feito!
- Quarto. Contrate um psiquiatra de miunça. O nome é "etólogo", especialista nas manias dos bichos. As miunças vão respeitar o diploma do doutor.
- Quinto. É só furar um riacho de água corrente acompanhando a cerca predileta das fujonas. Elas sempre ficam apavoradas com a água e desistirão.
- Sexto. Elas só fogem quando a comida do vizinho é melhor. Então o jeito é não deixar que elas percebam que a fazenda está seca ou velha. Dê novidades pras fujonas, sempre, e elas ficarão.
- Sétimo. Arranje uma distração para as fujonas, como escalar uma montanha. Coloque um monte de pedras e elas vão se distrair por ali mesmo, esquecendo os vizinhos. Quanto mais alto, melhor. Sempre coloque mais pedras, cada vez mais alto, para ser novidade.
- Oitavo. Esta é muito fácil. Basta desenhar uma onça assustadora e colocar em cada buraco de cerca. As miunças vão se assustar e correrão para trás. Ao invés de onça também pode usar cobras grandes e pavorosas. As miunças não gostam de nada que rasteje. Em última análise, é só colocar um cachorro em cada buraco na cerca. Assim, quando a fujona chegar, levará um bruto susto e pensará duas vezes antes de cometer o desatino.
- Nono. Se nada disso funcionar, então convém arranjar um benzedor de miunça, para mudar essa sina danosa. O benzedor não benze macho, mas benze as fujonas.
- Décimo. Se nada der certo, então o jeito é contratar um caçador de fujonas. As fujonas ouvirão tiros disparados para o ar e perceberão que o tempo de brincadeira acabou.
Para encerrar, lançou o verso:
E Deus fez, muito bem feito
Nosso mundo em sete dias
Pra acabar com as atropelias
Eis o dez que é perfeito
Pra acabar com as regalias
Das miunças que não têm jeito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário