Bebida
genuinamente brasileira e típica da Região Nordeste, a cajuína ganhou
nos últimos anos espaço no mercado nacional e, para atender a demanda do
nicho voltado aos consumidores de produtos orgânicos, a
Embrapa Agroindústria Tropical
(CE), em parceria com as empresas Natvita e a Tijuca Alimentos, também
de Fortaleza, desenvolveram a primeira cajuína orgânica em lata, que
começou a ser comercializada pelas grandes redes de supermercados do
País este ano.
A bebida passa por um processo moderno de
microfiltragem que a higieniza e melhora sua aparência. O produto ainda
apresenta um forte apelo comercial por não conter químicos nem
ingredientes de origem animal, como gelatina, por exemplo. A embalagem
de alumínio preserva o produto da luz e permite que ele seja
comercializado em áreas mais competitivas dos supermercados.
A
embalagem de vidro da cajuína sempre foi uma tradição desde os tempos do
farmacêutico e sanitarista cearense Rodolfo Teófilo, que criou o
produto em meados da década de 1930. Com a modernização do processo
produtivo a partir do uso de membranas de microfiltração, a escala
produtiva foi melhorada e o produto entrou em outro patamar de mercado.
As embalagens individuais, mais práticas de usar e em quantidades
relativas ao consumo total de uma só vez, levaram a indústria a optar
por novos tipos de envasamento, com um apelo visual moderno, tendo em
vista os consumidores urbanos.
Segundo Fernando Abreu, engenheiro
de alimentos da Embrapa Agroindústria Tropical, outro aspecto está
relacionado ao manuseio e à estocagem do produto acabado, com maior
facilidade de empilhamento e ajuste fácil às gondolas e balcões
frigoríficos dos pontos de venda. Assim, a cajuína apresentada ao
consumidor nesse tipo de embalagem foi concebida para estar em
prateleiras onde já se encontra a maioria de outras bebidas de pronto
consumo.
De acordo com o empresário Fernando Furlani, diretor da
Natvita, a ideia de se criar uma cajuína em latinha surgiu em 2013:
“Queríamos aumentar a vantagem competitiva do produto, que sempre foi
comercializado em garrafas de vidro. Por isso, tivemos de procurar uma
embalagem mais versátil, com um peso especifico menor e que ainda fosse
capaz de manter as características sensoriais e físico-químicas da
cajuína tradicional”.
A Natvita foi contratada pela Tijuca
Alimentos por apresentar os requisitos necessários exigidos pelo
mercado, como boa qualidade, padrão de escala com volume e regularidade
no atendimento. Desde então, a empresa dedicou-se ao desenvolvimento do
novo produto. A proposta era envasar a cajuína tradicional orgânica com o
rótulo da Tijuca, tendo como principal destaque a opção em “latinha”,
tornando-se a primeira marca a comercializar a bebida nesse tipo de
embalagem, além de contar com o diferencial de possuir o selo de
orgânico, que abre novos mercados ao produto.
De acordo com o
Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (Orgânico
Brasil), o mercado de orgânicos movimentou R$ 3,5 bilhões em 2017 no
Brasil, um crescimento de 20% na comparação com o ano anterior. Ainda
segundo o conselho, cerca de 15% da população consome produtos
orgânicos.
Fernando Furlani explica que a embalagem mais leve e
menos sujeita a avarias aumenta o interesse tanto do consumidor quanto
da rede de distribuição. "A novidade chama atenção. A Natvita lançou a
cajuína com outro patamar de qualidade adotando técnicas modernas de
produção e certificações de qualidade e orgânica. Mas ainda se trata de
um nicho de mercado, pois foge do grande consumo de néctar e sucos
diluídos", argumenta.
O caju utilizado na fabricação da cajuína
tradicional, tanto nas versões garrafa quanto na “latinha” da bebida, é
produzido em sistema totalmente orgânico na Tijuca Alimentos, em
Beberibe (CE). “Para garantir o padrão de qualidade exigido pelo
mercado, a Natvita acompanha a produção do produto desde o campo,
passando pelo processamento até o envase na lata”, garante Fernando
Furlani.
Empresa começou na incubadora
A Natvita foi uma das empresas incubadas pela Embrapa Agroindústria
Tropical por meio do Programa de Incubação de Agronegócios da Embrapa
(Proeta). A parceria permitiu ao empreendimento incorporar a tecnologia
ao seu sistema produtivo, passando a produzir e comercializar
inicialmente a cajuína microfiltrada em garrafas de 500 ml, com selo
orgânico concedido pela associação Instituto Brasileiro de Biodinâmica
(IBD). |
O "pulo do gato" tecnológico na fabricação da cajuína
Fernando
Abreu, da Embrapa, considera que a cajuína disponível em lata
representa uma revolução no modo como a bebida é comercializada e
consumida. Essa mudança é um novo desdobramento das profundas
transformações pelas quais o suco clarificado de caju, nome técnico da
cajuína, vem passando.
A “nova” cajuína é resultado de uma
tecnologia moderna de microfiltragem, na qual o suco integral de caju
passa por um tratamento em membranas. Além de clarificar o suco,
retirando todas as partículas em suspensão, as membranas possuem
capacidade de retenção em nível microbiológico, possibilitando dessa
forma um suco de alta qualidade do ponto de vista de higiene, sem nenhum
tipo de contaminação.
Ao ser embalada com uma carga microbiana
muito baixa, possibilitando um tratamento térmico mais brando, a cajuína
resulta em um produto mais saboroso e com menor perda de vitamina C
pelo calor excessivo do tratamento térmico da cajuína tradicional. Os
processos de clarificação e estabilização (diminuição da oxidação no
líquido por meio da redução de componentes oxidativos) do suco foram
desenvolvidos no Laboratório de Processos Agroindustriais da Embrapa
Agroindústria Tropical.
Fernando Abreu destaca ainda que a alta
condutibilidade térmica do material da lata, o alumínio, permite a
fluidez e transferência do calor no contato com a água de cozimento das
embalagens. Com isso, o calor chega imediatamente ao produto, com
eficiente taxa de destruição de microrganismos ali presentes. “O vidro,
nesse caso, é menos eficiente e pode quebrar durante essa operação”,
explica.
Além disso, a cajuína em lata é envasada sob atmosfera
inerte, ou seja, há uma injeção de nitrogênio líquido, que ao entrar em
contato com o produto transforma-se em um gás inerte e inócuo à saúde
humana, permitindo a eliminação do oxigênio dissolvido no suco, a causa
de processos oxidativos que culminam com a perda gradativa da vitamina C
e vai escurecendo o produto durante a etapa de armazenamento.
Por
ser feita por tecnologia de membranas, a cajuína não usa gelatina ou
qualquer outro material de natureza animal ou aditivos químicos para sua
produção. O suco é simplesmente extraído da fruta, filtrado para a
clarificação e envasado. “A natureza se encarregou de dar ao caju as
principais características desejadas em um suco saboroso: a acidez, a
doçura e o pH necessários a um processamento térmico brando para sua
total estabilização, além de ser uma generosa fonte de vitamina C e um
sabor tipicamente brasileiro-nordestino, de onde é originário o caju”,
pondera o engenheiro.
Vida útil prolongada e características preservadas
Como
a conservação da cajuína se dá à temperatura ambiente, os processos
oxidativos e microbiológicos são pontos críticos a serem considerados.
Tanto a cajuína em lata quanto a cajuína em garrafas de vidro possuem
uma forte barreira à entrada de oxigênio e bactérias do meio ambiente. A
lata apresenta, no entanto, uma barreira a mais contra a luminosidade,
que catalisa essas reações. O alumínio é barreira total ao oxigênio e à
luz. Além disso, a lata de cajuína é pressurizada com nitrogênio líquido
frações de segundos antes do seu fechamento. Daí é criada uma atmosfera
inerte, sem oxigênio, e que permite uma vida útil mais prolongada,
preservando muito mais seu sabor e coloração levemente âmbar.
“O
tempo e a tradição nordestina de se fazer cajuína tradicional já
mostraram que o doutor Rodolfo Teófilo estava certo ao inventar a
bebida. Ambos os processos são eficientes, porém, com a adoção de
técnicas modernas e dentro de conceitos básicos da Engenharia de
Alimentos conseguimos, em parceria com o setor privado, evoluir e
otimizar o processo. Disso resulta um produto mais confiável na linha
dos alimentos de conveniência, pronto para o consumo e em uma embalagem
ecologicamente correta e totalmente reciclável. Trata-se de um belo
exemplo de aplicação de conhecimentos científico-tecnológicos em
parceria entre quem pesquisa e quem produz comercialmente”, comenta o
engenheiro de alimentos.
Processo de ultrafiltração por membrana mudou fabricação da cajuína
A
produção da cajuína sem uso de gelatina foi viabilizada por meio da
tecnologia de membranas microporosas de micro e ultrafiltração. O
processo foi primeiramente desenvolvido em escala-piloto de bancada nos
laboratórios da Embrapa em Fortaleza, onde foram testados e avaliados os
principais parâmetros operacionais para a obtenção do suco clarificado,
límpido e livre da adstringência natural do suco de caju.
Em
meados de 2008, a Embrapa lançou edital de incubação de empresas de base
tecnológica por intermédio do programa Proeta, no qual uma das
selecionadas foi a empresa cearense Natvita. O processo de incubação
visava aos trabalhos de desenvolvimentos finais e extrapolação de escala
para uma linha de pesquisa que tinha como base a utilização de
membranas para o tratamento de derivados de caju, mais precisamente um
extrato de fibras de pedúnculos de caju resultantes da extração do suco.
Esse extrato, quando concentrado, apresenta um forte potencial como
fonte de carotenoides (pigmentos naturais) e polifenois para uso na
linha de produtos funcionais obtidos de fontes naturais.
Esse
material também tem potencial para ser usado como corante, e foi
trabalhado em membranas, definindo-se todas as etapas de obtenção e
concentração em escala-piloto e, paralelamente, passando a usá-la para a
clarificação do suco de caju e fabricação de cajuína, inovação que
resultou em uma nova oportunidade para o aproveitamento e a valorização
do pedúnculo de caju com um produto diferenciado. Assim nasceu a cajuína
microfiltrada, que representa um avanço no estado da técnica em relação
à cajuína tradicional. “Os trabalhos de laboratório com tecnologia de
membrana em suco de caju permitiram uma extrapolação de dados teóricos
de engenharia em laboratório para uma escala de produção industrial”,
ressalta Fernando Abreu.
O engenheiro de alimentos ressalta ainda
que essa cajuína, além de conter alto teor de vitamina C (250 mg/100
ml), não contém qualquer aditivo de origem química ou animal, como é o
caso da gelatina geralmente usada nesse tipo de bebida, podendo ser
portanto utilizada sem problemas mesmo por um consumidor vegano.
Cajuína em lata é destaque no 4º Workshop Nichos de Mercado para o Setor Agroindustrial
A
trajetória de sucesso dessa parceria entre mercado e pesquisa, bem como
os desafios e gargalos envolvidos, será relatada na sessão Cases de
sucesso do 4º Workshop Nichos de Mercado para o Setor Agroindustrial,
que acontecerá no Sebrae de Fortaleza, nos dias 7 e 8 de novembro de
2018. A cajuína tradicional orgânica em lata é um dos destaques
tecnológicos do evento.
O workshop reunirá empreendedores,
pesquisadores e empresas do setor agropecuário e agroindustrial, bem
como produtores rurais, distribuidores comerciais, profissionais de
Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), formuladores e gestores de
políticas públicas e estudantes de agronegócio.
Nos dois dias de
evento os participantes poderão debater - por meio de painéis, casos de
sucesso e visita técnica - temas como tendências e potencialidades das
cadeias produtivas do Nordeste e contribuições da bioeconomia para o
mercado de nichos, além de participar das Rodadas de Negócios
Tecnológicos.
As inscrições para o workshop são gratuitas e estão abertas até 30 de outubro no site do evento.
IV Workshop Nichos de Mercado para o Setor Agroindustrial
Data: 7 e 8 de novembro de 2018
Local: Centro de Negócios Sebrae de Fortaleza (CE), avenida Monsenhor Tabosa, 777, Praia de Iracema.
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