Com o uso da técnica de fertilização in vitro (FIV) na reprodução de
bovinos leiteiros, o caminho da seleção e do melhoramento genético pode
ser encurtado em pelo menos três gerações ou cerca de 10 anos de
seleção, permitindo rápidos saltos na produção e na qualidade do leite.
Pesquisadores da Embrapa Cerrados (DF) trabalham no aperfeiçoamento da
técnica para mostrar que o procedimento é o investimento mais assertivo
para que os produtores melhorem o padrão genético dos rebanhos.
Apesar de um pouco mais cara que a inseminação artificial por tempo
fixo (IATF), a FIV pode contribuir para o aumento da produtividade em
bacias leiteiras como a do Distrito Federal e dos municípios vizinhos.
Considerando hipoteticamente um rebanho de produção média de 4.000 kg de
leite/lactação, se fosse utilizada a inseminação artificial com sêmen
de um touro que adicione 500kg de leite/lactação em sua filhas, seria
necessário aproximadamente 30 anos para se obter um fêmea com produção
de 9.000 kg de leite/lactação. Com a FIV, utilizando uma fêmea superior
(9.000kg/lactação) de outro rebanho e o sêmen sexado do touro do exemplo
acima, já na primeira geração (três anos) seria possível obter uma
fêmea com produção média de 9.500kg/lactação. A produção de leite da
primeira lactação desta fêmea já pagaria com tranquilidade o
investimento com a compra de genética, por meio de prenhezes de FIV.
Martins explica que muitos criadores não incorporam genética de
qualidade aos rebanhos por falta de conhecimento. Mas, segundo o
pesquisador da Embrapa Cerrados, a FIV está cada dia mais acessível,
sendo realizada por um crescente número de laboratórios. Dados da
International Embryo Transfer Society (IETS) apontam que o Brasil é
líder mundial na produção de embriões bovinos por FIV. Em 2013, ano do
último relatório publicado pelo IETS, o País produziu mais de 366 mil
embriões bovinos pela técnica, ou 70,8% do total mundial.
"Talvez os criadores não saibam que podem comprar um processo de
tecnologia ou genética por um preço mais baixo que há alguns anos. É
possível financiar a aquisição de prenhezes de animais extremamente
produtivos e premiados e obter retorno imediato, já que as mães e os
pais são provados (avaliados em provas de genética) e a chance de as
filhas serem grandes produtoras de leite é bastante elevada", explica o
pesquisador Carlos Frederico Martins, da Embrapa Cerrados.
No
DF, a maioria dos produtores de leite é de pequeno e médio porte, sendo
que 80% das propriedades têm área de até 20 hectares. Segundo
especialistas, o fraco desempenho produtivo na região tem estreita
ligação com a qualidade genética dos rebanhos, predominantemente
mestiços das raças Gir e Holandês e sem registro de genealogia. "A monta
natural ainda é muito utilizada, principalmente por pequenos
produtores. Isso atrasa a seleção genética, pois os cruzamentos são
feitos sempre com os mesmos touros, e esses animais normalmente não são
provados", aponta.
Resultados no campo
Produtor e selecionador de Gir Leiteiro em Planaltina (DF) há mais de
30 anos, Paulo Horta começou a contar com a tecnologia ainda no início
da década de 1990. Ele destaca que a FIV permite ganho de tempo e de
velocidade na seleção genética. "Tenho uma vaca top, de alta lactação,
que rendeu 12 prenhezes em uma aspiração folicular. Podemos multiplicar
rapidamente uma cabeceira de rebanho", diz Horta, que também utiliza
sêmen de touros provados em programas de avaliação como os da Embrapa.
Para o produtor, o avanço genético permitido pela técnica é
significativo, uma vez que o potencial do animal já se traduz em aumento
de produção logo na primeira geração, e o investimento já é pago. "A
FIV e a transferência de embriões mudaram tremendamente o Gir Leiteiro
nos aspectos de venda e genética". Horta é usuário de tecnologias
reprodutivas desde que iniciou na atividade – o primeiro animal Gir
Leiteiro da propriedade nasceu de inseminação artificial em outubro de
1983. "Sou pequeno produtor, comecei do zero. Então, tenho que ganhar em
tecnologia e me cercar de bons profissionais", afirma, destacando o
apoio técnico da Emater-DF e da Embrapa.
Marcelo Toledo,
superintendente técnico da Associação de Criadores de Zebu do Planalto
(ACZP), filiada à Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), diz
que ainda faltam políticas públicas para facilitar o acesso dos
pequenos produtores à técnica. "Com o aumento da concorrência entre
laboratórios, o custo da FIV tem diminuído, ficando cada vez mais
acessível. Antes, você não conseguia uma prenhez por menos de R$ 800, e
hoje há empresas oferecendo por R$ 400. A logística no DF é favorável e
existem linhas de crédito, mas é preciso haver um trabalho direcionado
para essa tecnologia", afirma.
A técnica e suas vantagens
Na FIV, oócitos (células sexuais femininas) aspirados dos folículos
ovarianos de uma vaca são fecundados, em laboratório, por
espermatozoides contidos no sêmen de um touro. Os embriões originados
desse processo são transferidos a uma fêmea receptora, que deve ser
preferencialmente novilha ou vaca de primeira cria. Por essa técnica,
uma fêmea pode produzir, em média, 10 embriões, considerando-se a taxa
de 50% de sucesso na fecundação. Isso permite a triagem dos animais de
forma mais rápida que na IATF, técnica que gera apenas um embrião por
inseminação.
A cada 15 dias, uma nova aspiração folicular pode
ser feita, obtendo-se assim mais prenhezes. Como o sêmen de vários
touros pode ser usado, a técnica permite variabilidade genética. "Mesmo
se a vaca doadora ficar prenha, é possível fazer aspirações durante os
cinco primeiros meses de gestação. Com oito aspirações em apenas quatro
meses, por exemplo, obtém-se cerca de 80 embriões e 32 a 40 prenhezes,
contra apenas uma prenhez para cada IATF, que vai imobilizar a fêmea por
quase um ano", explica Martins.
Segundo o pesquisador, para
quem seleciona genética, o uso da FIV permite um salto de três gerações
em comparação à monta natural e à IATF: "É o tempo de o animal crescer e
ter a primeira lactação. Para quem está formando o rebanho, a técnica é
ainda mais indicada, porque você vai direto ao que há de melhor em
genética, juntando a melhor fêmea provada com o melhor touro e
produzindo embriões em escala".
Outra vantagem é a maior
eficiência na utilização do sêmen sexado para fêmea, ferramenta muito
importante para a pecuária de leite, pois proporciona cerca de 90% de
chances de nascimento de animais do sexo feminino. "Você dirige o
melhoramento. Com o sêmen não sexado, a chance de nascer fêmeas é de
apenas 50%. Já com o sêmen sexado, aumenta a chance de o produtor obter
mais fêmeas extremamente melhoradas na propriedade sem a necessidade de
descartar ou vender os machos", ressalta.
Custo que compensa
Apesar de mais elevado que o da IATF, o custo da FIV com sêmen sexado
de um touro de elevado valor genético é inferior ao de um animal
arrematado em leilão – e que pode não ter sido avaliado em provas de
genética, o que não garante a certeza de filhas produtivas. Martins
explica que por R$ 2 mil, o criador pode adquirir uma prenhez de elevado
valor genético, produzido com espermatozoide de um touro bem ranqueado
em teste de progênie e com oócito de vaca provada. Mas ele não consegue
comprar bons animais num leilão por esse preço. "É, portanto, um
investimento com retorno rápido e assertivo, com quase 100% de chance de
inserção de uma boa genética no rebanho", garante. "A partir do momento
em que essa genética de qualidade é instituída na propriedade, o ganho é
imediato. A produção pode duplicar ou triplicar com essa ação",
completa Marcelo Toledo, da ACZP.
A IATF é um procedimento mais
simples que a FIV e até mais barato que a própria monta natural, por
eliminar a necessidade de manter touros na propriedade. O produtor pode
comprar doses de sêmen de diferentes touros provados, ganhando em
variabilidade genética. A desvantagem é que não há garantia de alta
eficiência de prenhez quando se utiliza sêmen sexado na técnica.
Caso o criador utilize na IATF sêmen sexado de um touro provado de boa
qualidade, deve desembolsar cerca de R$ 120 por dose, sendo que cada
dose é inseminada em apenas uma fêmea. Martins ressalta: "A IATF não
garante um rebanho com genética melhorada em curto tempo. Haverá prenhez
de animais certamente superiores, mas será no máximo uma para cada
inseminação. E o produtor ainda corre o risco de perder uma dose de
sêmen num valor mais elevado na inseminação (que não resultar em
prenhez)".
Já na FIV, a dose de sêmen sexado é maximizada,
garantindo economia com o material genético do macho. Produtor e
selecionador das raças Gir Leiteiro e Girolando em Paracatu (MG), a 230
km de Brasília, Rodrigo Borges passou a utilizar a técnica em 2009. Ele
estima que pelo menos 60% dos animais criados e comercializados pela
propriedade desde então sejam oriundos da FIV. "Além de multiplicar
animais identificados como superiores, o custo do sêmen sexado é diluído
no maior número de prenhezes, já que uma dose pode ser usada em até 200
oócitos e gerar vários embriões ao mesmo tempo", diz. Outra vantagem,
segundo Borges, é que a técnica dispensa o uso de hormônios nas vacas
doadoras. "Nunca tive problemas de perda de vacas ou de fertilidade dos
animais por causa da FIV", completa.
Além de comercializar
prenhezes de Gir Leiteiro e de Girolando para diversas regiões do País,
ele tem feito parcerias com pequenos produtores de Paracatu, Luziânia
(GO) e Cristalina (GO) para compartilhar genética Girolando meio sangue.
As fêmeas selecionadas do produtor são aspiradas e os oócitos
fertilizados em laboratório. Os embriões resultantes são inseridos em
vacas dos produtores parceiros. "A produção é dividida de acordo com o
que cada um paga ao laboratório. É uma relação ganha-ganha, já que
aumentamos o número de receptoras e os parceiros têm acesso mais
facilitado à FIV", garante.
Carlos Frederico Martins salienta
que o produtor que ainda não conta com animais de valor genético na
fazenda não deve utilizar a FIV com o material genético do próprio
rebanho, pois nesse caso a técnica não trará benefícios. Ele recomenda
que o produtor primeiro identifique o material genético de um animal
diferenciado no mercado, com características desejáveis, para depois
iniciar o processo na propriedade.
Benefícios para a cadeia produtiva
No Centro de Tecnologias em Raças Zebuínas Leiteiras (CTZL) da Embrapa
Cerrados, os trabalhos de pesquisa buscam a validação de animais de
genética superior nas raças Gir, Sindi e Girolando, além de acelerar a
multiplicação de animais de alta produção de leite por meio das técnicas
de reprodução, entre elas a FIV.
A estratégia do CTZL é formar
um rebanho forte de Zebu, com Gir, Sindi e Guzerá, que servirá de base
para a formação de rebanhos mestiços, utilizando o melhor touro de uma
raça com a melhor vaca de outra e vice-versa. "A ideia é testar
diferentes formas de se fazer mestiços. Queremos fazer o Sindolando,
animal um pouco maior, rústico e voltado à maior produção de leite, o
Sinjersey, que é um animal menor, com leite rico em sólidos e com maior
produção, além de um rebanho Girolando de alta produção em escala",
projeta Martins.
Fonte: EMBRAPA