“Comigo Ninguém Pode” – Uma crônica de Antonio Travassos*
Estávamos já de saída do Hospital de Cavalos para apanhar as crianças na escola quando toca a companhia, lá no portão de entrada. Era um senhorzinho acompanhado de uma senhorinha, mostrando algo enrolado em uma toalha. Olho para o residente e falo: – Deixe entrar, que eu vejo o que é. Chegam e são encaminhados para a sala de atendimento clinico e bem devagarinho, param na minha frente e muito sérios, vão dizendo: – Esse bichinho, comeu “comigo ninguém pode”… Eu, meio desconfiado, com aquela situação e vendo perplexo aquele bichinho se bulindo na toalha, fui logo dizendo: – Olhe gente, dessa planta gênero Dieffenbachia sp, é da família Araceae é de toxidade muito alta, e quase sempre causa morte.
Percebi que eles ficaram muito tristes e fui pedir socorro para Dra. Fernanda porque eu sou muito direto nessas coisas. Entrei no escritório e já fui disparando para Fernanda tentando explicar para ela a situação: – Tem um casal ai fora com um bicho enrolado na toalha que comeu “comigo ninguém pode”, já pensasse? Dra. Fernanda me olhou daquele jeito como quem diz: – “Isso é uma bronca danada” porém, já me conhecendo bem foi logo dizendo: – Volte lá, converse um pouco com eles que eu já chego. Volto para a sala de atendimento e vejo o residente falando… ele é o Dr. Travassos, o homem é entendido de cavalo, de registro e de bem-estar animal, tem um conhecimento danado. Chego junto todo ancho de orgulho de tanto elogio e digo: – Se engoliu a folha da planta “Comigo Ninguém Pode” provavelmente vai morrer. A senhorinha me fuzila com os olhos e começa a desembaraçar da toalha e vai saindo de lá um bichinho verde, que quando totalmente livre daquela coberta, percebo que era um danado de um Papagaio e a senhorinha foi logo dizendo: – O Joca ( era o nome do Papagaio), comeu o “comigo ninguém pode” e vai morrer? Fico cheio de dó olho para ela cheio de pena e digo: – Seja a vontade de Deus. Digo isso como uma forma de sair pela tangente e colocar a culpa no Poderoso, que eu não sou burro. Olho de soslaio para o Joca que estava lá em cima da mesa exaurido com, aquele olhar de dorminhoco querendo acordar quando entra em cena a Dra. Fernanda que chega e vê aquela situação.
A senhorinha de primeira e fazendo confusão diz: – Esse senhor está dizendo que o Joca vai morrer, vai dra? Fernanda olhou para mim me fuzilando, só faltando dizer: – Tu és lasca, com essa língua comprida. Eu apreensivo e meio sem jeito, digo: – Mas, comeu o “Comigo Ninguém Pode”, morre reafirmo. Dra. Fernanda braba feito um guará entra no escritório me levando junto pelo braço e dizendo: – Eu já te falei para não ser assim direto, vai devagar. Sento numa cadeira enquanto ela falava ao telefone com um colega de turma especialista em silvestres (dr. Denisson Souza) enquanto o residente fica lá alisando o Joca. E logo depois a Dra. Fernanda volta com uma seringa de insulina com um medicamento dentro, levanta as penas do peito do Joca e aplica-lhe a injeção. Eu que fui acompanhando atônito, fico só olhando desconfiado, mas calado. Continuei sentado na sala de espera e o residente ficou lá tentando amenizar a situação. O senhorzinho me olhava com desdém quando de repente, o danado do Joca dá aquele balançado, bate as asas e começa a andar pela mesa. Dra. Fernanda sorrindo, disse:- Pronto, depois que ele se espalhou, espantou a morte, ele pode ir para casa, que já está bem. Vão fazer protetor hepático gotejando no bico com água açucarada que ele vai se recuperar. Tô lá sentadinho, observando tudo bem quietinho. Eles de saída vão passando por mim e param na minha frente e a velhinha venenosa como uma cascavel me diz diretamente nos olhos: – O senhor não entende de papagaio um bichinho deste tamanho quer entender de cavalos um bicho grande desse, como é que pode? E saem com o Joca no dedo. Eu calado tava calado fiquei. Quando Deus diz esse não vai morrer, se prepare, vai lascar um linguarudo.
*Antonio Travassos é cronista, zootecnista e professor universitário
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