Soro contra picada de abelha deve chegar aos postos de saúde em 2020
O soro, que já se mostrou eficaz salvando vida em hospitais, ainda está na fase de testes
Anualmente, cerca de 15 mil pessoas sofrem acidentes com abelhas no Brasil. As mortes são em torno de 50.
Camila Presotto, técnica agrícola de Avaré (SP),
entrou para a história da medicina por ser a primeira pessoa a receber
esse tratamento, em agosto de 2016, na Faculdade de Medicina de Botucatu
(SP).
“Sobrevivi graças ao soro, não tenho dúvida. Quando fui buscar uma vaca retardatária no pasto, levei entre 400 e 600 picadas de abelha, a maioria na cabeça”, conta, a voz ainda trêmula pelo susto.
O veneno da abelha libera muitas substâncias tóxicas, que provocam hemorragias, queda de pressão, tontura, visão turva, destroem as células vermelhas e os músculos, castigam os rins.
“Estava quase em falência renal quando fiquei sabendo que a Unesp tinha desenvolvido o antiapílico. Aceitei sem pestanejar a ser cobaia do experimento. Era questão de vida ou morte.”
No Apiário da Unesp, entendo a mecânica do envenenamento ao presenciar uma sessão de coleta ao lado do biólogo Ricardo Orsi: a abelha dá a vida para salvar o enxame. Defende-se cravando o ferrão numa pessoa ou animal e, quando alça voo de novo, a parte final de seu corpo fica enterrada na pele (e morre pouco depois). Abaixo do ferrão, está a bolsa de veneno.
Essa bolsa é programada geneticamente para ficar ali pulsando por longo tempo, liberando microgotas do veneno (imagine a Camila, com mais de 400 bolsinhas…).
“A
questão do bem-estar animal é importante e, no nosso processo, a abelha
não morre,” diz o professor Orsi, apresentando o aparelho extrator: uma
placa de acrílico coberta com fios de arame eletrificados que é
instalada na boca da colmeia. Ao passar pela placa intrusa, a abelha
leva um pequeno choque de 12 volts e ataca. Como não crava o ferrão, só
solta o veneno.
“A extração em 10 mil abelhas proporciona apenas 1 grama de veneno em pó”, diz Ricardo enquanto raspa cuidadosamente com gilete o veneno solidificado para um minúsculo tubinho que é, imediatamente, conduzido ao Centro de Estudos de Venenos de Animais Peçonhentos (Cevap), da Unesp.
“Muitas tentativas foram feitas para desenvolver o soro, dentro e fora do Brasil, mas nenhuma tinha ido para frente”, relata o doutor Rui Seabra, que dedicou mestrado, doutorado e pós-doutorado ao assunto.
Havia três grandes obstáculos para a evolução das pesquisas. Primeiro, reduzir o impacto do envenenamento nos animais soroprodutores. Não se inventou ainda maneira de se fazer soros e vacinas sem eles. Sensíveis como são, os cavalos (animais padrão no Brasil para esse tipo de trabalho) com o veneno bruto ficavam prostrados no chão.
Não
é o que vejo na fazenda de soroprodução que visito, em Cachoeiras de
Macacu, norte fluminense. Reconheço no som ambiente um prelúdio de
Chopin ao entrar no estábulo onde a tropa come tranquila. Seguindo os
princípios da lida gentil, na hora do trato e durante as sangrias, os
cavalos doadores ouvem música clássica. Pela boa aparência, nada indica
que, em cada período de produção, recebam 500 mililitros de veneno. No
caso do apílico, é o equivalente à picada de 5 mil abelhas.
“Conseguimos extrair em laboratório as frações tóxicas que causam dor e alergia. Assim, a inoculação do veneno, com todas as outras substâncias necessárias à formação de anticorpos, pôde se dar sem problemas”, acrescenta Rui Seabra.
O segundo desafio era encontrar parceiro para a produção do soro: o Instituto Vital Brazil - IVB, do Rio de Janeiro, topou separar 30 de sua tropa de 215 cavalos soroprodutores para o experimento e fabricar as ampolas, cumprindo as regras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Esse soro vai salvar muitas vidas”, prevê o médico Edmilson Ligowski, presidente do IVB, rodando orgulhoso na mão a caixinha com o medicamento. “É um produto inédito no mundo, desenhado para atender à rede do SUS (Sistema Único de Saúde) e, possivelmente, exportar para países que têm problemas de acidentes com abelha também.”
A parceria abriu as portas para o terceiro desafio: testar o soro em humanos. Em 2013, o Ministério da Saúde fez uma chamada para ensaios clínicos com novos medicamentos de interesse público. O projeto do antiapílico foi aprovado e, em meados do ano passado, somente dois lugares do Brasil receberam autorização para usar o soro: a Faculdade de Medicina (Upeclin) de Botucatu e o Hospital Nossa Senhora da Conceição/ Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), em Tubarão (SC).
O
soro é seguro? Não tem efeitos colaterais indesejáveis? A Anvisa
determinou que o medicamento seja testado inicialmente em 20 pacientes
para só, então, começar um segundo ensaio clínico mais amplo, nacional,
com 400 pessoas, quando, aí sim, será avaliada a eficácia do produto.
“Podemos afirmar que é totalmente seguro,” garante Rui Seabra, revelando que 17 pessoas envenenadas por abelhas já foram tratadas com resultados excelentes. Um caso bem significativo aconteceu em Tubarão: seu Pedro Bressan, de 78 anos, chegou ao hospital com 151 picadas de abelhas (ele ajudava a desatolar um carro de boi).
“Duas horas depois da aplicação, ele já estava falante e, no dia seguinte, saiu andando do hospital. Reação incrível para a idade dele”, descreve Daisson Trevisol, médico responsável pela pesquisa em Santa Catarina.
Mais incrível ainda é que, duas semanas depois, seu Pedro voltou com 244 picadas (desta vez, foi num canavial). Não podia repetir a dose. Mas os médicos acreditam que os anticorpos aplicados antes anularam o veneno, pois ele resistiu muito bem, outra vez. Segue a vida, sem sequelas.
Com o sotaque fortemente italianado, almeja: “Podia ter morrido sem esse soro. Mas hei de ver fora da política essa cambada de corruptos que anda assaltando nosso país”.
A previsão é que o soro chegue aos postos do SUS em 2020.
“Sobrevivi graças ao soro, não tenho dúvida. Quando fui buscar uma vaca retardatária no pasto, levei entre 400 e 600 picadas de abelha, a maioria na cabeça”, conta, a voz ainda trêmula pelo susto.
O veneno da abelha libera muitas substâncias tóxicas, que provocam hemorragias, queda de pressão, tontura, visão turva, destroem as células vermelhas e os músculos, castigam os rins.
“Estava quase em falência renal quando fiquei sabendo que a Unesp tinha desenvolvido o antiapílico. Aceitei sem pestanejar a ser cobaia do experimento. Era questão de vida ou morte.”
No Apiário da Unesp, entendo a mecânica do envenenamento ao presenciar uma sessão de coleta ao lado do biólogo Ricardo Orsi: a abelha dá a vida para salvar o enxame. Defende-se cravando o ferrão numa pessoa ou animal e, quando alça voo de novo, a parte final de seu corpo fica enterrada na pele (e morre pouco depois). Abaixo do ferrão, está a bolsa de veneno.
Essa bolsa é programada geneticamente para ficar ali pulsando por longo tempo, liberando microgotas do veneno (imagine a Camila, com mais de 400 bolsinhas…).
“A extração em 10 mil abelhas proporciona apenas 1 grama de veneno em pó”, diz Ricardo enquanto raspa cuidadosamente com gilete o veneno solidificado para um minúsculo tubinho que é, imediatamente, conduzido ao Centro de Estudos de Venenos de Animais Peçonhentos (Cevap), da Unesp.
“Muitas tentativas foram feitas para desenvolver o soro, dentro e fora do Brasil, mas nenhuma tinha ido para frente”, relata o doutor Rui Seabra, que dedicou mestrado, doutorado e pós-doutorado ao assunto.
Havia três grandes obstáculos para a evolução das pesquisas. Primeiro, reduzir o impacto do envenenamento nos animais soroprodutores. Não se inventou ainda maneira de se fazer soros e vacinas sem eles. Sensíveis como são, os cavalos (animais padrão no Brasil para esse tipo de trabalho) com o veneno bruto ficavam prostrados no chão.
“Conseguimos extrair em laboratório as frações tóxicas que causam dor e alergia. Assim, a inoculação do veneno, com todas as outras substâncias necessárias à formação de anticorpos, pôde se dar sem problemas”, acrescenta Rui Seabra.
O segundo desafio era encontrar parceiro para a produção do soro: o Instituto Vital Brazil - IVB, do Rio de Janeiro, topou separar 30 de sua tropa de 215 cavalos soroprodutores para o experimento e fabricar as ampolas, cumprindo as regras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Esse soro vai salvar muitas vidas”, prevê o médico Edmilson Ligowski, presidente do IVB, rodando orgulhoso na mão a caixinha com o medicamento. “É um produto inédito no mundo, desenhado para atender à rede do SUS (Sistema Único de Saúde) e, possivelmente, exportar para países que têm problemas de acidentes com abelha também.”
A parceria abriu as portas para o terceiro desafio: testar o soro em humanos. Em 2013, o Ministério da Saúde fez uma chamada para ensaios clínicos com novos medicamentos de interesse público. O projeto do antiapílico foi aprovado e, em meados do ano passado, somente dois lugares do Brasil receberam autorização para usar o soro: a Faculdade de Medicina (Upeclin) de Botucatu e o Hospital Nossa Senhora da Conceição/ Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), em Tubarão (SC).
“Podemos afirmar que é totalmente seguro,” garante Rui Seabra, revelando que 17 pessoas envenenadas por abelhas já foram tratadas com resultados excelentes. Um caso bem significativo aconteceu em Tubarão: seu Pedro Bressan, de 78 anos, chegou ao hospital com 151 picadas de abelhas (ele ajudava a desatolar um carro de boi).
“Duas horas depois da aplicação, ele já estava falante e, no dia seguinte, saiu andando do hospital. Reação incrível para a idade dele”, descreve Daisson Trevisol, médico responsável pela pesquisa em Santa Catarina.
Mais incrível ainda é que, duas semanas depois, seu Pedro voltou com 244 picadas (desta vez, foi num canavial). Não podia repetir a dose. Mas os médicos acreditam que os anticorpos aplicados antes anularam o veneno, pois ele resistiu muito bem, outra vez. Segue a vida, sem sequelas.
Com o sotaque fortemente italianado, almeja: “Podia ter morrido sem esse soro. Mas hei de ver fora da política essa cambada de corruptos que anda assaltando nosso país”.
A previsão é que o soro chegue aos postos do SUS em 2020.
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