O Corona Bicho – Uma crônica de Antonio Travassos
Seu Zé Raimundo era um cabra matuto, daqueles que vivem no seu terreno e só saem de lá, uma vez por mês para fazer a feira daquilo que o sítio não produz, em outras palavras, era um “Bicho do mato”. Naquele sábado, Zé Raimundo foi pra rua comprar umas coisinhas, pegou o burro chamado Bastião, colocou-lhe a sela roladeira, e os enfeites prateados no peitoral, um rabicho bem desenhado pelo compadre craúna e partiu. O dia estava amanhecendo, era uma alvorada realmente sertaneja, na beira do açude garças boiadeiras coletavam insetos e algumas interagiam com os bois de carro, carrapateando. Zé foi se distanciando do sítio até chegar na cidadezinha de Santo Antônio do Vira e Volta, entrou na cidade, ninguém pela rua, foi no local da feira e nada, ninguém vendendo nada, nem fruta, verdura, carne verde, nadinha, nadinha. Zé Raimundo começou a ficar desconfiado, pensando:… “Será que está acontecendo uma guerra, mas eu não vi nenhum tiro, nem o exército na rua.” Ele continuava pensativo quando se encontrou com um morador de Santo Antônio que quando o vê, sai de perto correndo e dizendo: – Cadê a máscara seu Zé Raimundo? Zé Raimundo já meio enfezado: – Eu sou home de ter máscara, Maneguedeba. Tá me desconhecendo, fela da puta. Continuou andando com Bastião puxado pelo rédea, pela cidade deserta; ninguém, nem feira, nem comércio, nada. O que será que está acontecendo? Pensava ele. Zé Raimundo monta novamente em Bastião e segue para casa do seu compadre, Tonho Galdino, irmão de um famoso médico de Garanhuns, especialista em diagnóstico por imagem, dr. Jurandi Galdino.
Chegou na casa de Tonho, apeou Bastião, desceu e foi para o portão: – Tonho… Ô compadre Tonho… Ô de casa… Tonho abre meia porta e coloca meio rosto encostado na porta e diz: – Ô compadre, que foi que houve? Zé Raimundo olha de soslaio e rebate: – Que pantim é esse compadre, tem ninguém na rua, na feira todo mundo escondido, até o senhor. – ô compadre, e né o tal do Corona. Tá matando é gente por aí. – Corona? Quem é esse bobônica metido a cavalo do cão? – É o Corona vírus compadre, não ouviu falar nele ainda, não? – Ô compadre eu já tô com raiva desse corno, fela da puta, filho de uma rapariga de um olho só. Se eu me encontrar com ele, ele se estrepa. Num tem home nessa cidade que arranque os olhos desse Corona? – Calma compadre, o Corona nem é animal, nem vegetal, segundo dr. Jurandi e gosta mesmo é de matar gente velha. Vá pra casa e tome cuidado para ele não aparecer por lá, fique vigilante. Zé Raimundo, monta em Bastião que estava apeado na frente da casa de Tonho, e num galope em cima das mãos chega em casa esbaforido e é recebido por dona Sinhá: – Que foi meu velho? Zé Raimundo fita longamente dona Sinhá e diz: – Tá acontecendo alguma coisa muito estranha lá pela rua. Compadre Tonho me falou, que o dr. Jurandi disse a ele que tem um bicho, que nem é vegetal nem animal solto por aí e que gosta mesmo é de matar gente velha. – Vixe Maria, tamo encrencado Zé, disse a dona Sinhá. – Ajeite café com bolo, numa garrafa térmica queeu vou ficar de vigia no terraço, feito compadre Tonho mandou. – E você acha que esse Bicho mata os véio, porquê? – Ora Sinhá, matando os véio diminui a sabedoria do mundo. – Vixe, pois num é mesmo home, isso é arte do cão.
Quem passa pela fazenda Malhada da Onça e olha para o alpendre da casa, vê uma cena inesquecível. Zé Raimundo sentado numa cadeira de balanço com uma combréia véia na cintura, um peitoral coberto de bala cruzado no tórax e um rifle papo amarelo pendurado no encosto da cadeira, e ele amolando uma faca só esperando o tal do Corona.
*Antonio Travassos é cronista, zootecnista e professor.
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