Carne bovina mais cara abre espaço para cortes menos conhecidos nos supermercados
Peças normalmente destinadas a processamento, como aranha e bananinha, chegam ao consumidor com preços até 40% mais baixos
A expressiva alta no preço da carne bovina, em meio à perda de renda da população brasileira durante a pandemia, tem levado a uma mudança no açougue de alguns supermercados de São Paulo, principal mercado consumidor do Brasil.
Cortes até então destinados a produtos como carne moída e espetinhos estão sendo oferecidos in natura como alternativa às opções mais tradicionais, como coxão mole e acém – cuja alta em 2020 passou de 35% no varejo paulista, segundo acompanhamento do Instituto de Economia Agrícola do Estado (IEA).
“Nós temos observado um comportamento de maior consumo da aranha, ponta do peito e outros cortes que também têm boa qualidade, mas preço muito baixo”, aponta Rodrigo Mariano, gerente de gestão corporativa da Associação Paulista de Supermercados (Apas).
Segundo o economista, são cortes que não compõem a cesta de produtos analisada pelas instituições que calculam a inflação, como o IBGE e a FGV, mas que também subiram de preço no último ano. A diferença, contudo, está no valor absoluto dessas opções.
“O consumidor não tem a comparação anterior do preço da aranha bovina na cabeça dele. Quando ele chega no mercado e vê R$ 25,90 o quilo, leva porque faz a comparação com a carne que ele consumia. Se ele comparasse com quanto aumentou a aranha, talvez não consumiria”, reconhece Mariano.
Ele cita, ainda, cortes como a bananinha e o vazio, nomes incomuns de serem encontrados no açougue, mas obtidos de pedaços bem famosos, como o contra-filé e a maminha. No caso da aranha, a carne é obtida a partir da alcatra e, muitas vezes, é revendida pelos açougues.
“A peça é muito pequena e, muitas vezes, é usada como subproduto dentro da indústria, para carne moída, ou vendida para as indústrias de mortadelas, hamburgueres. Então, é um recorte industrial”, explica Paulo Belicanta, dono de frigorífico e presidente do Sindicato de Frigoríficos do Mato-Grosso (Sindifrigo-MT).
Segundo ele, a saída encontrada pelo varejo para contornar a retração no consumo de carne bovina após a forte alta dos preços é uma inovação singular. “É um caso tão específico e tão singular que eu mesmo não sei o que estou fazendo, dentro da minha empresa, com esse corte”, revela o empresário.
Alguns frigoríficos maiores, contudo, já ofereciam o corte. Caso da Marfrig, que comercializa o produto com marca própria em redes de atacado. “Esse corte sempre existiu, porém, é pouco encontrado em supermercados comuns, e, sim, em atacado-varejistas”, explica Luciano Borges, diretor comercial de atacado da empresa.
De acordo com ele, a disponibilidade dos produtos depende da região e do ponto de venda que o consumidor estiver. “Existe uma enorme variedade de cortes bovinos, mas nem todos são encontrados facilmente”, complementa o executivo.
Rodrigo Mariano, da Apas, diz que a iniciativa de apresentar esses cortes ao consumidor final é uma estratégia do próprio varejo, que viu o consumo retrair de forma expressiva no final do ano passado. São redes que possuem estrutura própria para desossa e, internamente, fazem essa separação.
Ele destaca, contudo, que essa movimentação deve ser transitória, uma vez que os preços desses cortes também tendem a subir conforme aumente o consumo. “Esse é um comportamento momentâneo porque, para ter mais cortes, precisa de mais bovinos. E o problema atual não é só de demanda da carne, mas da cabeça do boi”, conclui o economista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário