7 pontos fundamentais do relatório especial do IPCC sobre uso da terra
Cerca de 23% das emissões antrópicas provêm da silvicultura, da agropecuária e de outros usos da terra (foto: Cunningchrisw/Wikimedia Commons)
Este artigo foi escrito por Kelly Levin e Sarah Parsons e publicado originalmente no Insights.
A maioria das discussões sobre ação climática se concentra em energia, indústria e transporte. Um novo relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é direto ao afirmar que o uso da terra também é criticamente importante – tanto como fonte de emissões de gases de efeito estufa (GEE) quanto como parte da solução para as mudanças climáticas.
De fato, o relatório constatou que, uma vez que o solo sequestra quase um terço de todas as emissões de dióxido de carbono causadas pelo homem, será impossível limitar a elevação da temperatura a níveis seguros sem alterar fundamentalmente a forma como o mundo produz alimentos e administra o uso da terra.
Confira alguns dos principais tópicos do relatório:
1. A maneira como estamos usando o solo está piorando as mudanças climáticas
Cerca de 23% das emissões globais de gases de efeito estufa causadas pelo homem provêm da agropecuária, da silvicultura e de outros usos da terra. A mudança no uso da terra, como pela derrubada de florestas para dar lugar à pecuária, impulsiona essas emissões. Além disso, 44% das recentes emissões antrópicas de metano, um potente gás de efeito estufa, vieram da agropecuária, da destruição de turfeiras e de outras fontes ligadas à terra.
2. Mas, ao mesmo tempo, o solo funciona como um enorme sumidouro de carbono
Apesar do aumento do desmatamento e outras mudanças no uso da terra, as terras ao redor do mundo estão capturando mais emissões do que emitem. De 2007 a 2016, o solo sequestrou 6 gigatoneladas (Gt) líquidas de CO2 por ano, equivalente a cerca de três vezes as emissões anuais totais de gases do efeito estufa do Brasil. Mais desmatamento e degradação da terra, no entanto, irão destruir esse sumidouro de carbono.
3. O mesmo solo do qual dependemos para estabilizar o clima está sendo atingido pela mudança climática
Os cientistas descobriram que a temperatura do solo aumentou 1,5°C entre os períodos de 1850 a 1900 e de 2006 a 2015, 75% a mais do que a média global (que combina mudanças de temperatura tanto em terra quanto nos oceanos).
Esse aquecimento já teve impactos devastadores sobre a terra, incluindo incêndios florestais, mudanças na precipitação e ondas de calor. Impactos adicionais irão prejudicar a capacidade da terra de agir como um sumidouro de carbono. Por exemplo, o estresse hídrico poderia transformar as florestas em ambientes semelhantes ao cerrado, comprometendo sua capacidade de sequestrar carbono, sem mencionar os danos aos serviços ecossistêmicos e à vida selvagem. O relatório descobriu que "a janela de oportunidade, o período em que mudanças significativas podem ser feitas para conter as mudanças climáticas dentro de limites toleráveis, está se estreitando rapidamente".
4. Várias soluções climáticas baseadas na terra podem reduzir as emissões e/ou sequestrar carbono
O maior potencial para reduzir as emissões do uso da terra é conter o desmatamento e a degradação florestal, que podem evitar a emissão de 0,4 a 5,8 GtCO2 eq (gigatoneladas de carbono equivalente) por ano. Também precisaremos de mudanças em larga escala na forma como os alimentos são produzidos e consumidos a nível mundial, incluindo mudanças na agropecuária, maior inclusão de vegetais na dieta e redução do desperdício de alimentos e dos resíduos agropecuários.
Além de reduzir as emissões, o setor também pode remover dióxido de carbono da atmosfera. O relatório concluiu que a restauração florestal e o reflorestamento têm o maior potencial de captura de carbono, seguidos por melhorar o armazenamento de carbono no solo e pelo uso de bioenergia combinada com captura e armazenamento de carbono (BECCS), um processo que utiliza biomassa para gerar energia e captura e armazena o carbono resultante antes de ser liberado na atmosfera. Dito isso, os autores observam que a maioria das estimativas não leva em consideração fatores como competição pelo acesso à terra e questões de sustentabilidade, de modo que o potencial real de remoção de carbono dessas soluções pode ser significativamente menor do que a maioria dos modelos sugere.
5. Muitas soluções climáticas baseadas na terra têm benefícios significativos além da mitigação
O relatório descobriu que as seguintes soluções têm os maiores co-benefícios: manejo de florestas, redução do desmatamento e degradação, aumento da quantidade de carbono orgânico no solo, aumento do intemperismo mineral (um processo de aceleração da decomposição de rochas para aumentar a absorção de carbono), mudança de dieta e redução do desperdício de alimentos. Por exemplo, o aumento do armazenamento de carbono do solo pode não apenas sequestrar emissões, mas também tornar as culturas mais resilientes às mudanças climáticas, melhorar a saúde do solo e aumentar a produtividade.
6. Algumas soluções climáticas baseadas na terra acarretam riscos e contrapartidas importantes e devem ser buscadas com prudência
Por um lado, será importante ponderar os benefícios líquidos de qualquer intervenção. Por exemplo, o plantio de florestas em campos nativos poderia na verdade diminuir a quantidade de carbono armazenada no solo, prejudicando um importante sumidouro de carbono. Algumas intervenções podem reduzir as emissões, mas causam outras mudanças que acabam aumentando as temperaturas. Por exemplo, plantar uma floresta perene em altas latitudes tornaria as superfícies mais escuras. Durante o inverno, ao invés de estar exposta, a camada de neve estaria encoberta, aumentando a absorção da radiação solar – como ao trocar uma camiseta branca por uma preta em um dia ensolarado. Plantar certas espécies de árvores ou plantas pode ameaçar outras espécies e ecossistemas. E a maior parte dos sumidouros biológicos de carbono eventualmente chegará a um ponto de saturação em que não absorverá mais carbono. Além disso, a absorção de carbono florestal futura não é garantida, uma vez que é provável que os incêndios florestais e a propagação de doenças aumentem em um mundo mais quente.
7. Soluções climáticas baseadas na terra que exigem grandes áreas podem ameaçar a segurança alimentar e exacerbar problemas ambientais
Os esforços de redução de emissões e de remoção de carbono baseados no uso da terra que exigem grandes áreas – por exemplo, o plantio de florestas em grande escala e os cultivos para bioenergia – competirão com outros usos da terra, como a produção de alimentos. Isso pode, por sua vez, aumentar os preços dos alimentos, agravar a poluição da água, prejudicar a biodiversidade e levar a uma maior conversão de florestas em outros usos da terra, aumentando assim as emissões.
Além disso, o relatório constatou que, se o mundo não conseguir reduzir as emissões em outros setores, como energia e transporte, dependeremos cada vez mais de soluções soluções baseadas na terra, exacerbando as pressões alimentares e ambientais.
Aprendendo com o relatório do IPCC
Talvez o insight mais abrangente do relatório do IPCC seja sobre o delicado ponto de equilíbrio entre uso da terra e estabilidade climática: acertá-lo pode reduzir as emissões e, ao mesmo tempo, criar co-benefícios significativos; errar pode intensificar as mudanças climáticas e agravar a insegurança alimentar e os problemas ambientais.
O recente World Resources Report da WRI apresenta 22 soluções para criar sistemas alimentares e terrestres mais sustentáveis. Nós podemos alimentar o mundo ao mesmo tempo em que combatemos as mudanças climáticas, protegemos as florestas e fazemos avançar a economia – mas temos de melhorar a forma como produzimos e agimos sobre o planet
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