terça-feira, 11 de junho de 2024

 MEIO AMBIENTE

RS tem primeira Reserva Particular do Patrimônio Natural em um lote da reforma agrária

RPPN Rio Grande do Sul
A mata reconstituída envolveu a sede da antiga fazenda existente no local. Foto: Incra/RS.
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Atuação espontânea recompôs a cobertura florestal ao longo de 30 anos. Foto: Incra/RS.
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Presença de animais silvestres tornou-se constante no lote. Foto: Incra/RS.

Este Dia Mundial do Meio Ambiente foi marcado pela oficialização da primeira Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) em um lote da reforma agrária no Rio Grande do Sul. A portaria criando a unidade de conservação foi publicada hoje (05/06), no Diário Oficial da União (DOU). Com 6,95 hectares, o perímetro localizado no assentamento Itapuí/Meridional, em Nova Santa Rita, compõe um sistema familiar ancorado na agricultura regenerativa e na educação ambiental.

A nova reserva pertence ao casal Azilda Ristow e Olímpio Wodzik, que chegou ao local em 1988 e ficou alojado na sede da antiga fazenda. “Era tudo campo limpo”, recorda o marido. Ao invés de adotar insumos comerciais, eles acolheram a biodiversidade em seu cotidiano e estimularam a mata como aliada agrícola. Assim surgiram as bases para projetos ambientais e para a RPPN batizada como Sonho Camponês.

“É o que vai ficar, muitas pessoas vão usufruir”, justifica Wodzik. Ele dedica a conquista a “todos que fizeram parte direta ou indiretamente (da formalização da RPPN) acreditando na reforma agrária, na preservação e na agricultura orgânica. É importante plantar árvores, mas também é importante garantir que sejam preservadas”, defende.

O superintendente regional do Incra, Nelson Grasselli, destaca o caráter de interesse público e perpetuidade deste tipo de unidade de conservação. Segundo o dirigente, a decisão de implantar a RPPN reflete mais uma contribuição dos assentados para o futuro do planeta. A iniciativa estaria profundamente conectada a outras bandeiras da reforma agrária como produção de alimentos e luta por equidade social.

O registro da Sonho Camponês iniciou em 2019 e precisou de anuência do Incra, embora um ano depois os assentados tenham recebido o Título de Domínio (TD) da terra - atrelado a uma série de condicionantes. Conforme o coordenador do Núcleo de Gestão Ambiental da autarquia no estado, Paulo Heerdt Júnior, este foi o primeiro caso de RPPN criada a partir da figura jurídica de assentamento acompanhado pelo instituto no Rio Grande do Sul, e um dos primeiros no país.

“Por se tratar de um lote em processo de titulação, parcialmente transferido ao beneficiário, a unidade de conservação vai competir (com outros imóveis) em igualdade de condições - ressalvadas diferenças de dimensões e de esfera governamental - no sentido de pleitear políticas públicas e capitalizar recursos”, relata o engenheiro agrônomo. Ele considera que a experiência do Itapuí/Meridional pode tornar-se modelo para outras parcelas tituladas pelo Incra. "Sabemos isso não vai ser em escala, mas tende a se multiplicar”, prevê.

Para o profissional, a homologação da RPPN exprime um modo diferente de produzir alimentos, viver e relacionar-se com o ecossistema. Desta forma, fortalece a agrobiodiversidade, se afastando da monocultura e dos fortes impactos ambientais.

Regeneração

Uma das primeiras medidas de Azilda e Olímpio após serem assentados, foi destinar parte do lote de 14 hectares à recomposição florestal. Logo apareceram exemplares de grandiúva, um arbusto de madeira pouco apreciada, que “não queima no fogão, mas dá frutos que os passarinhos vêm comer e trazem outras sementes”, explica o proprietário. Assim, a pioneira abriu caminho para canfístulas, carobas, angicos e árvores frutíferas nascidas de maneira espontânea. Para o agricultor, a experiência reforçou a crença de que “nenhuma planta é ruim, todas têm sua função na natureza”.

Com o tempo, o ambiente diverso atraiu pássaros, gambás, cachorros-do-mato, gatos silvestres, tatus e furões, entre outros animais. Os bichos passaram a ser vistos com frequência pela mata, embora o local fique próximo a moradias de vizinhos assentados, o que poderia afugentar a fauna. A novidade mais recente são pegadas atribuídas a capivaras, que geram especulações, mas ainda não foram confirmadas pelos moradores.

Outras consequências do bosque revigorado foram a revitalização de uma nascente e o microclima amenizado. “A temperatura na casa é mais alta do que no mato. Em Nova Santa Rita sempre está um ou dois graus mais quente do que aqui no verão”, relata Wodzik.

O ambiente equilibrado, com solo fértil e presença de água fornece suporte à agricultura praticada na outra porção do lote. “É agroecologia”, pontua o assentado, lembrando as dimensões ecológica, econômica e social da vertente produtiva. A principal fonte de renda do casal é o morango, seguida por lavouras de mandioca, hortaliças e plantios de subsistência.

Para Wodzik, a própria trajetória comprova a viabilidade da democratização do acesso à terra alinhada à produção de alimentos e à sustentabilidade. “Mesmo usando metade da área e preservando a natureza, formei três filhos - em agronomia, medicina veterinária e engenharia mecânica”, observa. Dois deles construíram moradias no lote, totalizando dez pessoas convivendo no espaço.

Propagação

O processo de criação da RPPN Sonho Camponês também está ligado ao projeto do Centro de Educação Ambiental Camponês (Ceacamp), desenvolvido pela família de Azilda e Olímpio. Desde 2017, eles utilizam a diversidade natural do lote como ferramenta voltada à educação. Grupos de escolas, universidade e agricultores são recebidos periodicamente para conhecer a área durante visitações e palestras sobre o processo ambiental. O sistema composto por agricultura e floresta também é aberto para pesquisas científicas de diferentes vertentes.

A ideia é que a unidade de conservação de característica permanente impulsione mais projetos, agregue pessoas de diferentes gerações e inspire outras propostas focadas na proteção da natureza nos diversos ecossistemas e condições.  

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