Um acordo, muitos desafios (I)
Por: Argemiro Luís Brum
O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE), assinado pelos poderes executivos dos países membros dos dois blocos, ainda tem um longo caminho para se concretizar na prática. Portanto, muito ainda irá acontecer, incluindo mudanças no texto do mesmo, até o comércio entre as partes efetivamente se liberar.
Dito isso, na lógica do livre-comércio, é de se comemorar a sua assinatura após 20 anos de negociações. Afinal, a abertura comercial favorece o acesso a produtos mais baratos e a tecnologias mais avançadas, além de ampliar o tamanho dos mercados para os quais se vende os produtos. E nenhuma nação no mundo consegue ser autossuficiente em tudo. Portanto, as mesmas precisam do comércio exterior. Entretanto, antes que se acredite que isso possa ser a panaceia para o crescimento do Mercosul em geral e do Brasil em particular, torna-se necessário entender que há enormes desafios a serem vencidos.
O primeiro deles está no fato de que há setores nos dois blocos que irão perder com o acordo. Na Europa, o setor agropecuário de alguns países poderá ser muito atingido. É o caso na França e na Irlanda, onde já começam a despontar fortes resistências ao acordo. Em segundo lugar, o parlamento de cada país membro, seja na UE, seja no Mercosul, terá que avalizar o acordo.
Assim como na Europa, na Argentina e no Uruguai, pela forte presença econômica e política do setor primário, isso não será tão fácil, pois nossos vizinhos poderão sofrer muita concorrência de produtos primários europeus no qual eles têm sido competitivos (trigo, leite e derivados, carne bovina etc).
Além disso, será preciso cuidar muito, pois uma coisa é abrir o comércio, outra coisa é impedir que produtos subsidiados na origem, caso da maioria dos produtos primários europeus, cheguem competitivos aos nossos mercados por este artifício desleal, destruindo cadeias locais de produção e seus empregos. Em terceiro lugar, deve-se notar que houve uma aceleração no processo por parte dos europeus. Por quê? Assim como, lá em 1999 (e mesmo antes), quando as negociações se iniciaram, e agora, a motivação europeia é contra-atacar a posição dos EUA.
No início, era fazer frente a proposta da Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA), na tentativa de evitar que o Mercosul ficasse ainda mais à mercê das políticas e interesses estadunidenses, dentro do que a Conferência de Yalta, que sacramentou em 1945, entre os aliados, uma nova ordem internacional pós-segunda guerra mundial. Agora, trata-se de dar um recado aos EUA e sua política comercial protecionista (o governo Trump, após a China, volta-se novamente para a UE ameaçando tarifar mais de US$ 4 bilhões de produtos europeus). Assim, muito mais do que comercial, para os europeus o acordo com o Mercosul entra na lógica geopolítica. Nesse sentido, o desafio é evitar de sermos muito mais “usados” do que termos vantagens. (segue)
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