Coisas de Nordestino
O ESTRANHO CASO DO CARNEIRAU-AU-AU
- 30/09/2010
Os três irmãos eram conhecidos pela malandragem nos dias de feira. Sempre dando golpes, surrupiando do alheio. Eles não pensavam; maquinavam. Para eles era fácil roubar, desde que o roubo fosse sempre pequeno, para não provocar a ira do delegado. Mão-leve, dedos-leves, carreira-leve, eram ladrões de frutas, de doces, de salgadinhos, de cachaça, de rapadura, de bolo. Jamais iriam roubar uma galinha, pois se roubassem a penosa, teriam que prepará-la: seria trabalho demais. O bom roubo é o que já vem pronto, ou quase.
No meio da semana, depois de uma cansativa pescaria no açude, onde nem teve sombra de peixe, os três larápios estavam famintos.
- Vixe, eu comeria uma onça, no espeto, se aparecesse aqui na frente dos meus olhos.
- Eu comeria um tatu, com casca e tudo!
- Eu lamberia o lajedo se fosse branco de açúcar.
De repente, avistaram o Tonho Brioso que vinha trazendo um carneiro nas costas. Que diabo! Um carneirinho saboroso, nas costas! Tonho era meio pancada, meio lelé, meio matusqueloso, meio nervoso, seria fácil surrupiar aquele petisco e transformá-lo em suculento churrasco ali na terra de ninguém.
Combinaram um plano e sumiram dentro do mato. Quando Tonho passava, surgiu o primeiro:
- Oi, Tonho, onde você comprou esse cachorrinho esquisito?
Tonho aperreou-se por estar sendo chamado de burro e respondeu:
- Ôxa, crie jeito, homem. Não está vendo que isso é um carneiro?
- Quá! Que carneiro nada, Tonho, não está sentindo o cheiro meio azedo? Isso é cachorro, no duro. Alguém fez enganação em seu costado.
Sem mais, o tagarela enfiou-se no mato. Tonho continuou andando, meio ressabiado. Por via das dúvidas, começou a cheirar o vento, e o bicho, para confirmar. Deu um sorriso, pois era cheiro de carneiro mesmo. Ou quase, pois o bruto tinha se esfregado no xixi e azedou o perfume.
Eis que surge o segundo espertalhão.
- Nossa, Tonho! Que cachorro mais bonito. Quer vender, ou é de estimação? Estou mesmo precisando de um au-au, lá em casa.
- Eita, que hoje é o dia! Que cachorro, seu leso? Não está vendo que isso é um carneiro?
- Está cego, Tonho? Isso é um cachorro e dos bons. Estou comprando, se quiser vender. Mas estou vendo que é de estimação, pois está nas costas.
- É um carneiro, seu abestado!
- Ah! o amigo Tonho está gostando de se esfregar nos pelinhos do cachorro bonitão, é?
- Ora, ora, deixe de mangação, pois não é esfregação, não!
- Então, amigo Tonho, fique com o seu cachorro, mas acho bom visitar o doutor pra consertar essa confusão em sua cabeça, viu! Tá trocando um au-au por um carneiro! Alguém lhe meteu uma enganação.
Tonho chutou um monte de areia, com raiva, enquanto o gajo sumia na vereda. Continuando, Tonho aprumou melhor o animal nas costas e percebeu, então, que tinha mesmo uns pelinhos bem gostosos. Deu um sorriso maroto, pois o pelinho era gostoso, mas era de carneiro mesmo. Bem, poderia ser de cachorro...
Na curva, surge o terceiro ladino que logo puxa conversa:
- Vai bem, Tonho? Ganhou bom dinheiro, na feira, não é? Está voltando com um cachorro danado de bonito, heim?
Foi se chegando, coçando o animal, cheio de sorrisos:
- Eita, au-au bonitinho, bem que eu queria um igual.
- Vixe, minha santa, hoje é dia de aperreio. Isso não é um cão. O único cão aqui é tu! Isso é um carneiro. Desinfeta, homem!
- Nossa, Tonho, se acalme! É tão bonito ver o cachorro esfregando o rabo comprido em seu pescoço.
- Que rabo? Que pescoço? Que esfregação? Me respeite, homem!
Tonho rangia os dentes e isso não era bom sinal. A cabeça tinha voado para o céu e só Deus sabe o que ele poderia fazer, agora.
- Tá bom, Tonho, já vou andando, mas não puxe o rabo do cachorro, viu?
Foi o máximo. Tonho ficou furioso. Esfregou o rosto no traseiro do carneiro, sentiu que tinha um rabo mesmo, bem ali. Arregalou os olhos...
- Xiiii, carneiro de rabão... Eita, será que é mesmo enganação?
Raivoso, pegou o carneiro e jogou no meio do mato, esbravejando:
- Pronto! Agora ninguém me amola mais.
Já distante, Tonho nem viu os três malandros em correria com o carneiro nas costas. Felizes da vida, pois haviam lucrado um bom churrasco.
(Fonte: Luis da Câmara Cascudo. Literatura oral no Brasil. 3ª ed. Belo Horizonte, Editora Itatiaia; São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1984 (Reconquista do Brasil: nova série, 84), p.281-282)
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