ANTONIO CARLOS MOREIRA*
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, FAO/ONU, elegeu ontem, 23, em Roma, o novo diretor-geral. Será Qu Dongyu, vice-ministro de Agricultura da China. Ele substitui o agrônomo brasileiro José Graziano que, a partir de 2012, comandou a FAO por dois mandatos.
Com 108, dos 191 votos, Qu Dongyu derrotou Catherine Geslain-Lanéelle, França, e David Kirvalidze, da Geórgia. O representante chinês teve o apoio do Brasil, representado pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
Em seu discurso após a declaração da vitória, Qu Dongyu comprometeu-se com a defesa do uso de tecnologias para fortalecer a agricultura e da criação de programas orientados para mulheres e jovens do campo. Qualquer que seja sua plataforma, não serão desafios fáceis.
A ONU teve, para o biênio 2018-19, seu orçamento, de US$ 5,4 bilhões, reduzido em 5%. Para se comparar, em termos de prioridade na agenda das maiores nações do mundo, de acordo com dados do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo: os gastos militares declarados alcançaram, em 2017, US$ 1,74 trilhão. Despesas que correspondem a mais de US$ 4,7 bilhões por dia, em logísticas militares e, principalmente, armamentos. Ou ainda: um ano de gastos militares pagaria o orçamento regular da ONU por 644 anos.
Realidades sociais dramáticas
A eleição de José Graziano, em 2012, foi possível com o apoio decisivo do governo brasileiro, especialmente o empenho do seu então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, nome do setor mais respeitado internacionalmente, por missões desempenhadas, por exemplo, quando presidiu a ACI, Aliança Cooperativa Interacional
Em seu mandado, Graziano, com trajetória acadêmica e política que o identificariam como “de esquerda”, ampliou a visão, que ele próprio já teve, da agricultura de escala, o agronegócio. Conhecido como principal formulador do programa Fome Zero e militante da agricultura familiar, foi durante seu mandato na FAO que ele pôde percorrer realidades sociais dramaticamente muito piores do que as brasileiras, sobretudo em regiões da Índia e países da África subsaariana.
Sua mudança de perspectiva foi a de que o combate efetivo à fome tem como principal aliada uma agricultura com tecnologia e eficiente. Predicados que, mais do que arroubos modernizantes, significa produzir mais alimentos com menor uso dos cada vez mais escassos recursos naturais: terra em quantidade, solos agricultáveis de qualidade e água.
Fome de investimentos
Estive pessoalmente, como executivo de Comunicação de uma das importantes entidades da agricultura, com José Graziano Alan Bojanic, quando discutimos a criação e a participação da FAO no Fórum Inovação, Agricultura e Alimentos – Para o Futuro Sustentável. O evento obteve, desde sua primeira edição, o apoio inequívoco da agência da ONU (https://youtu.be/IULeFMsyeI8).
A defesa de José Graziano da conciliação entre a agricultura familiar e o agronegócio – pregação incansável de Roberto Rodrigues –, custou ao diretor da FAO críticas ácidas disparadas pelos setores ativistas da agricultura e meio ambiente mais ortodoxos.
Em seu artigo “Hungry for Investment” (Fome de investimento; setembro de 2012), assinado também pelo indiano Suma Chakrabarti, presidente do Banco Europeu de Desenvolvimento, e publicado num dos mais influentes jornais do mundo, o The Wall Street Journal, Graziano exortou: “O setor privado em todo o mundo pode fertilizar a terra com mais dinheiro. Muitos países estão sedentos por esse investimento – que pode ajudar a tornar menos difícil a vida para os famintos do mundo.”
A agricultura da China é a maior do mundo. Devido, certamente, à sua produção extensiva do que por vantagem competitiva. O amplo uso de mão-de-obra e da terra disponível garantem alcançar escala: o país é o maior produtor mundial de arroz e carne suína, e entre os três maiores produtores de leite, frango e carne bovina.
Espera-se que, em seu mandato, Qu Dongyu mantenha o apoio da FAO às políticas de modernização agropecuárias – as quais seu próprio país tanto necessita. Mas que, nem por isso, deixe de lado o avanço demonstrado pela agência da ONU, da produção rural aliada às preocupações com os outros dois fatores do tripé da sustentabilidade – o social e o ambiental.
Ou seja, que não se perca de vista uma nova agricultura defendida pelos setores mais modernos e sensatos da produção rural - que inclui produtores e acadêmicos; empresas e organizações não-governamentais. O conceito da nova agricultura: agronegócio e familiar; produtiva e sustentável. Pois só dessa forma se atingirá os difíceis dezessete pilares da Agenda 2030, que integram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS.
*Bacharel em Comunicação Social; jornalista especializado em Economia pela FIPE, Fundação Institutto de Pesquisas Econômicas, e pela FIA Business School, ambas associadas à USP/SP. Autor e organizador de livros sobre agricultura e alimentos, entre eles “A Ciência da Terra” (IAC, 2008). Diretor-owner da Soma Estratégica – Comunicação Corporativa.