Novos rumos para os métodos utilizados em pesquisa toxicológica no Brasil
Por:
Marciele Pandolfo
O prazo para
a adoção obrigatória dos métodos alternativos ao uso de animais em
atividades de pesquisa toxicológica está próximo. Será que os
laboratórios e empresas já estão se adaptando ou o prazo será
prorrogado?
Em 1969, com a criação do conceito de
3R’s (Reduction, Refinement e Replacement) e a promoção do
desenvolvimento de métodos alternativos ao uso de animais em estudos
toxicológicos, pesquisadores e defensores do bem-estar animal se uniram
para encontrar alternativas cientificamente validadas. A redução reflete
a obtenção de resultado de igual valor com o uso de menos animais; o
refinamento promove a minimização da dor; a substituição estabelece que o
objetivo seja alcançado sem o uso de animais vertebrados vivos.
Desde então, diversos países têm buscado
alternativas, com a criação de centros dedicados ao desenvolvimento e
validação de métodos alternativos para serem aplicados em processos de
registros de produtos agroquímicos, medicamentos, cosméticos, entre
outros. No Brasil, os laboratórios que desejam validar seus estudos
alternativos ao uso de animais deverão estar associados ao RENAMA (Rede
Nacional de Métodos Alternativos), posteriormente seus estudos serão
avaliados, reconhecidos e validados pelo CONCEA (Conselho Nacional de
Controle de Experimentação Animal). A RENAMA disponibilizará a rede de
laboratórios (Figura 1) que estão aptos para realização dos métodos
alternativos validados de acordo com metodologias aceitas
internacionalmente.
Outro fator importante é a boa prática
de bem-estar animal que inclui prevenção e tratamento de doenças, alívio
da dor, fornecimento de alimentação e de outras condições que sejam
adequadas às necessidades dos animais. Vale enfatizar que atitudes
consideradas como maus-tratos aos animais, poderão incorrer em sanções
administrativas e/ou penais.
Em julho de 2014, o CONCEA publicou a
Resolução Normativa nº 17 sobre o reconhecimento dos métodos
alternativos ao uso de animais em atividades de pesquisa no Brasil,
conceituando método alternativo como qualquer método que tenha por
finalidade substituição, redução ou o refinamento (3 R’s) do uso de
animais em atividades de pesquisa. Nessa Resolução fica estabelecido
que, após o reconhecimento do método pelo CONCEA, os laboratórios têm
prazo de até cinco anos para a substituição obrigatória do método
original pelo alternativo, ou seja, o prazo finaliza em 2019, porém
nenhuma Resolução ratificando ou postergando esse prazo foi publicada
até o momento.
Ainda em 2014, o CONCEA publicou a
Resolução Normativa nº 18 reconhecendo 17 métodos alternativos aceitos
pelo órgão internacional OCDE - Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, que observa os princípios de boas práticas de
laboratório para a realização dos testes toxicológicos e determina a
segurança da substância para o registro de produto químico.
Dentre os estudos que possuem
alternativas com aceitação regulatória internacional estão: avaliação do
potencial de irritação e corrosão da pele e ocular, sensibilização
cutânea, toxicidade aguda e genotoxicidade.
A Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA), responsável pelas análises toxicológicas dos
registros de produtos, manifestou sua aprovação em agosto de 2015,
através da Resolução nº 35, informando que nas petições submetidas à
análise serão aceitos os métodos alternativos reconhecidos pelo CONCEA,
excetuam-se os casos específicos em que a Agência, mediante
justificativa técnica, apresente a inadequação e inaplicabilidade dos
mesmos. Em agosto de 2016, CONCEA publicou a Resolução Normativa nº 31
reconhecendo o uso de novos testes alternativos no país. É bastante
oportuno que gradativamente os laboratórios submetam testes confiáveis
para avaliação e validação ao CONCEA, somente assim será possível
ampliar a disponibilidade de testes alternativos para as empresas,
favorecendo a sua aceitação regulatória.
A preocupação das empresas gira em torno
da interpretação dos estudos junto à ANVISA, devido a recente aprovação
do uso dos métodos alternativos, o receio de exigências complementares
existe. Com isso, as empresas registrantes de produtos químicos estão
optando primeiramente em realizar os dois tipos de testes, o estudo
alternativo (in vitro) e o estudo com animais (in vivo). Desta forma,
com a baixa celeridade conhecida na análise de registro de produto nos
ministérios, não ocorrerá atraso no processo, caso seja solicitado
recondução de estudos.
No entanto, segundo um renomado
laboratório de São Paulo, não foram recebidas exigências por parte da
ANVISA e demais Ministérios para qualquer estudo alternativo conduzido
no Brasil. Informa também que a Agência já vem solicitando, em alguns
casos, que as reconduções de estudos sejam feitas por método
alternativo. A premissa é que o uso de animais deva ser considerado
somente quando não há método alternativo disponível e houver evidências
justificáveis para seu uso. Antes de iniciar os estudos toxicológicos, o
laboratório faz uma análise de peso de evidência e pesquisa informações
sobre o produto. Por exemplo, se o produto possuir estudos ou
características que demonstre ser irritante, não será necessário a
condução do teste de irritação/corrosão cutânea.
Caso o estudo ou informação for
inconclusivo, deverá ser feito o teste alternativo. Se não for possível
alcançar o resultado, deverá ser realizado o estudo com animais.
Algumas limitações no início da
implantação dos estudos alternativos em laboratórios foram reportadas,
como a dificuldade no fornecimento da epiderme humana reconstruída que é
utilizada no Estudo de Corrosão Dérmica in vitro (disponibilizada sem
custos para a comunidade científica brasileira) e de olhos bovinos para o
Teste de Permeabilidade e Opacidade de Córnea Bovina (BCOP).
No entanto, ambos os casos foram resolvidos junto aos fornecedores e os testes executados normalmente.
Precisamos considerar novos caminhos na forma de fazer pesquisa e discutir ética e cientificamente sobre métodos de pesquisa com animais e suas alternativas. Atualmente, podemos afirmar que os métodos alternativos são viáveis e de implementação segura.
Precisamos considerar novos caminhos na forma de fazer pesquisa e discutir ética e cientificamente sobre métodos de pesquisa com animais e suas alternativas. Atualmente, podemos afirmar que os métodos alternativos são viáveis e de implementação segura.
Estudos comparativos realizados em
laboratório demonstram um alto índice de similaridade entre os
resultados dos estudos in vivo e in vitro. Laboratórios estão planejando
oferecer o pacote de estudos para registro de agroquímicos de métodos
alternativos ainda em 2019.
Com toda essa carga de informação e
legislação apoiando, um novo olhar em relação aos métodos utilizados
atualmente se faz necessário. Nas últimas décadas, surgiram técnicas de
cultura celular e modelos computacionais capazes de substituir o uso de
animais em algumas pesquisas, mas ainda não é possível simular o
funcionamento conjunto de sistemas complexos, como o circulatório,
nervoso e imunológico. Por isso a importância do incentivo no
desenvolvimento de pesquisas avançadas e difundir as novas tecnologias.
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