Comunidades do Semiárido são premiadas por sistemas agrícolas tradicionais
Treze SAT são reconhecidos na premiação pela contribuição para a segurança alimentar e a conservação da biodiversidade
Doze Sistemas Agrícolas Tradicionais (SAT) do Semiárido brasileiro, que se destacam por suas práticas, tecnologias, conhecimentos e rituais, contribuindo para a segurança alimentar e a conservação da biodiversidade, foram selecionados e reconhecidos pelo Prêmio Dom Helder Câmara. Além da premiação, foi concedida uma menção honrosa a mais um SAT, pelo nível de organização e contribuição para a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento da comunidade.
A cerimônia organizada pela Embrapa Alimentos e Territórios ocorreu no município de Piranhas, no sertão de Alagoas, em 30 de agosto. O evento contou com ampla participação de agricultores familiares e representantes de povos e comunidades tradicionais do bioma Caatinga, dos estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Piauí. Dinâmicas interativas e palestras sobre cultura alimentar e patrimônio cultural integraram a programação transmitida ao vivo pelo canal da Embrapa no YouTube.
“Saberes, Memórias e Resistências” foram os temas da palestra proferida pela professora Renata Menasche, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que abriu o evento no Centro Xingó. “A agricultura e a sabedoria tradicionais alimentam o mundo há milênios”, destacou a professora. “A comida é uma linguagem através da qual um grupo se expressa”, reforçou.
Menasche falou sobre tendências da alimentação contemporânea e a valorização do que é natural, tradicional e artesanal. “As pessoas querem ter acesso à comida boa que vocês produzem. É uma comida com história e memória”, lembrou. Ela apontou o crescente movimento de valorização dos produtos alimentares locais. “É nesse contexto que surge o Prêmio Dom Helder Câmara, para fortalecer as iniciativas aqui reunidas. É uma brecha que vocês têm que aproveitar”, incentivou.
A globalização, de acordo com a palestrante, traz a homogeneização de produtos, práticas de consumo e gostos alimentares. Entretanto, atualmente o que está em alta é a diversidade, a valorização do que é local e artesanal. Segundo Renata Menasche, um bom alimento varia de acordo com a cultura e também está relacionado à história de um lugar ou região e das pessoas que ali vivem, incluindo os saberes tradicionais e os aspectos culturais e simbólicos que envolvem a compreensão da comida como um alimento que nutre o corpo e a alma.
O seminário “Formas de designação de Sistemas Agrícolas Tradicionais como Patrimônio”, realizado no período da tarde, no Centro de Convenções Miguel Arcanjo de Medeiros, contou com duas palestras. A pesquisadora Patrícia Bustamante, da Embrapa Alimentos e Territórios, apresentou o tema “Sistemas Agrícolas como Patrimônio Agrícola Mundial”. Bustamante é membro do Conselho Científico Consultivo do Programa Globally Important Agricultural Heritage Systems (Giahs) da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Ela falou sobre o Programa Giahs que já reconheceu mais de 60 sistemas ao redor do mundo, com base nos critérios de segurança alimentar, conservação da biodiversidade, conhecimento tradicional, cultura e organização social, e paisagem cultural. Também apresentou a Foodzcapes, rede internacional para preservação dinâmica das paisagens alimentares tradicionais e populares, que considera a relação dos povos com a sua comida como elemento essencial da cultura.
Nessa linha, os “Sistemas Agrícolas Tradicionais como Patrimônio Cultural e Imaterial Brasileiro”, foram temas da palestra proferida pelo historiador Maicon Marcante, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan/AL). Ele ressaltou o protagonismo das comunidades presentes que se habilitaram ao prêmio, pelo fato de pensar e organizar as suas próprias referências e manifestações culturais.
A antropóloga Natália Brayner, do Iphan, explicou que a diversidade cultural também é vista como um potencial para o desenvolvimento das comunidades. “Os detentores da herança, do patrimônio, são guardiões que cuidam para que as futuras gerações possam vivenciar esse legado cultural”, disse. Segundo ela, é a partir desse olhar voltado para as pessoas que o Instituto tem trabalhado, valorizando as tradições, as práticas e a diversidade cultural, numa abordagem sobre os bens culturais que também têm relação com as formas de se alimentar.
O diretor do Iphan, Deyvesson Gusmão, citou a evolução dos instrumentos de política pública do País, remetendo ao Decreto-Lei n° 25, de 1937, conhecido como lei do tombamento, que trata da preservação do patrimônio histórico e cultural do Brasil. Ao longo dos anos, os instrumentos foram sendo aperfeiçoados, ampliando os levantamentos dos bens materiais com o reconhecimento e a inclusão dos modos de fazer e das práticas socioculturais.
O chefe de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Embrapa Alimentos e Territórios, Ricardo Elesbão, enalteceu a iniciativa do Prêmio Dom Helder Câmara, iniciada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Sustentável (BNDES) com a Embrapa e o Iphan. Ele ressaltou a importância da temática para a Empresa, para os parceiros e, em especial, para as comunidades que estão sendo reconhecidas, com o suporte do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida).
“A ideia é que se resguarde o conhecimento, essa tradição, que muitas vezes é uma coisa não tangível, imaterial, mas que é tremendamente importante. Na medida em que você registra, inventaria, reconhece, você joga luz ao próprio sistema, e também a todas as lutas que estão por trás”, enfatizou Elesbão. Segundo o chefe, vários sistemas já foram reconhecidos no País e esse reconhecimento permite também que a população e os entes públicos possam não só saber mais sobre esses sistemas, como reconhecer e dar valor.
“Então o objetivo é um valor associado a esse reconhecimento, mas também pensando muito em algo mais claro associado à proteção, a manter esse conhecimento com quem é de direito. E ao mesmo tempo fazer com que se veja que isso não pode ser perdido, que precisa ser perpetuado, precisa ser trabalhado no sentido de que as pessoas que estão incluídas nisso possam participar de processos que envolvam a inclusão socioprodutiva”, frisou.
Confira os SAT premiados:
1. Guerreiras do Quilombo, da Comunidade Quilombola de Guaxinin, Cacimbinhas (AL).
2. Arranjo Produtivo Raízes de Macaxeira, da Associação de Cooperação Agrícola do Assentamento Lameirão, Delmiro Gouveia (AL).
3. Organização voltada para o Sistema Agrícola, da Associação Indígena Agrícola Karuaje da Aldeia Karuazu, Pariconha (AL).
4. Território Fundo de Pasto Angico dos Dias, das comunidades Angico
dos Dias, Sítio Açu, Baixão Grande, Baixão Novo e Baixãozinho, Campo
Alegre de Lourdes (BA).
5. Território das Comunidades Tradicionais Fundo de Pasto Esfomeado e Vargem Comprida, Curaçá (BA).
6. Comunidade Tradicional Fundo de Pasto da Comunidade Cachoeirinha, Juazeiro (BA).
7. Brejos Dois Irmãos, Pilão Arcado (BA).
8. Cosmonucleação Regenerativa, do Coletivo Jupago Kreká, Pesqueira (PE).
9. Quintais Produtivos, da Aldeia Coelho Atikum Jurema, Petrolina (PE).
10. Grupo de Mulheres do Assentamento Mandacuru, da Associação dos
Agricultores Familiares do Assentamento Mandacaru, Petrolina (PE).
11. Produção Agrícola, do Quilombo Custaneira, Paquetá (PI).
12. Conservação da Galinha Canela Preta, da Comunidade Quilombola Tapuio, Queimada Nova, (PI).
13. Menção Honrosa: Comunidade da Serra dos Paus Dóias - Agricultura
Familiar Tradicional, da Associação dos Agricultores Familiares da Serra
dos Paus Dóias (Agrodóia), Exu (PE).
Para a coordenadora-geral de Sustentabilidade e Ações Climáticas no Turismo, Carolina Fávero, o projeto é uma grande oportunidade para o Ministério do Turismo conhecer agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais que têm potencial turístico ou até mesmo já desenvolvem atividades turísticas como alternativa de renda. “É um momento que nos ajuda no desenvolvimento de políticas públicas de turismo sustentável nesses territórios”, disse a coordenadora no evento.
As atividades de premiação integram o projeto Segurança alimentar e nutricional, e geração de renda para agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais do Semiárido brasileiro. Desenvolvido no âmbito do Projeto Dom Helder Câmara, segunda fase (PDHC II), é coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e cofinanciado pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida).
O prêmio foi organizado pela Embrapa Alimentos e Territórios. São parceiros a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-Brasil), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Ministério do Turismo (MTur), a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).
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