Agrotóxico deve ser a última opção no controle de pragas e doenças
PhD em ecologia e recursos naturais, Adilson Paschoal lembra que antes do recurso químico é preciso fazer controle cultural, biológico e genético
Por Nelson Niero Neto e Vinicius Galera - Foto: Rogerio AlbuquerqueGlobo Rural A palavra “agrotóxico” surge primeiramente em um artigo de 1977 e depois é explicada em um livro que se tornou um clássico, publicado em 1979. Por que “agrotóxico”?
Professor Adilson Paschoal Vou discutir a palavra em Pragas, praguicidas & a crise ambiental. Esse livro teve mais ou menos o mesmo impacto que Manejo ecológico do solo (de Ana Maria Primavesi). Diziam que o pessoal andava com dois livros debaixo do braço: o Manejo e o meu. Foi o começo da agricultura orgânica. Para criar a palavra, eu considerei os termos que existiam (pesticidas, praguicidas e defensivos) e pensei: não tem nada que tenha uma etimologia correta, com um sentido científico e que alerte as pessoas sobre o perigo. É um tóxico. Assim, eu propus a palavra “agrotóxico”. Ficou caracterizado um produto que é tóxico. Não é um defensivo, é um tóxico. Se eu falo que é tóxico, e você for aplicar, você vai tomar muito mais cuidado. É um veneno tóxico. Então os tóxicos que se usam nos sistemas agrícolas ou nos agroecossistemas são agrotóxicos.
Paschoal Foi muito difícil, devido à pressão das multinacionais. Mas nunca tive medo. Enfrentava com argumentos científicos. Nunca usei de outra estratégia que não fosse essa. Se você não tem uma base científica, não adianta querer enfrentar multinacional. Você só convence com argumentos científicos. De tanto falar, de tanto provar a inadequação das outras terminologias, o “agrotóxico” acabou sendo aceito. E percorreu o Brasil. A TV Globo começou a falar em tudo que é reportagem. Um resíduo químico nos alimentos era resíduo de agrotóxico. O termo se popularizou, saiu do nível acadêmico técnico para o nível popular. No supermercado, o indivíduo diz que o produto está cheio de agrotóxico. Ninguém fala “está cheio de defensivo”. Defensivo para ele não é nada. Agrotóxico, sim. No programa Globo Rural, até hoje é agrotóxico. Se eles falarem “defensivo”, eles têm de falar “agrotóxico”. É um sinônimo para não confundir ninguém. É mais fácil a pessoa entender agrotóxico.
GR Como foi a sua formação nos Estados Unidos?
Paschoal A Esalq fez um convênio com a Ohio State University para treinar brasileiros nos Estados Unidos e trazer americanos para cá. Era o espírito da revolução verde: Fundação Rockefeller, Fundação Ford, eles bancavam tudo para mudar nossa agricultura para o modelo americano da grande empresa. Eu já percebia que a agricultura estava mudando. Eu estudei na Esalq e, em 1963, o professor já falava de inseticidas sintéticos, de adubo solúvel. Então decidi me candidatar para a bolsa, e consegui. Fiquei três anos. A hora que vi aquela agricultura, eu falei: “Isso não serve para nós”. Quando voltei, tinha feito cursos de ecologia e conservação dos recursos naturais. Lá isso estava bem avançado. E eu pensei: acho que essa é uma parte que eu vou ter de cuidar muito no Brasil. Era o que eu queria. Acho que minha ida aos Estados Unidos foi a pior coisa para as multinacionais.
GR O senhor voltou ao Brasil diretamente para a universidade?
Paschoal Sim. A disciplina em que dava aula era zoologia. Em 1976, eu criei uma disciplina pioneira chamada ecologia e conservação de recursos naturais. Ela tinha esse nome porque ainda não existia agricultura orgânica. Mas eu já ensinava na disciplina os princípios ecológicos aplicados na agricultura. Tanto é que muitos ex-alunos que hoje militam na agricultura orgânica fizeram essa disciplina. Precisei esperar mais de dez anos para poder mudar o nome porque ainda não havia aqui a aceitação de uma agricultura de base ecológica. Ela mudou para agroecologia e agricultura orgânica. Quando isso aconteceu, a USP foi a terceira universidade pública em todo o mundo a ter uma disciplina de agroecologia. A primeira foi na Holanda e a segunda, na Alemanha.
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GR Houve resistência na universidade?
Paschoal Sim, mas nós não nos opúnhamos a uma agricultura de grande escala. Queríamos mostrar que colocar variedade de alta resposta aos adubos estava errado. O que garante um solo fértil é matéria orgânica, não o adubo, que nutre a planta, mas destrói o solo. Se o adubo mineral destrói o solo e a planta absorve mais nutrientes do que ela precisa, ela será fraca em relação à defesa que tem contra praga e patógeno. E isso vai exigir o uso de agrotóxico. Para ligar tudo, tem a semente, para formar uma planta de alta resposta. Aí está o pacote tecnológico: semente, adubo mineral solúvel e agrotóxico. Toda multinacional vende cada um desses. Éramos contra isso, não contra a monocultura em si.
GR Não era ideológico?
Paschoal Não, era uma coisa alicerçada em um conhecimento bem profundo. E isso tudo fez alavancar a agricultura orgânica. As pessoas começaram a perceber que caíram num engodo. Tudo tinha sido montado para que a agricultura não se tornasse mais uma coisa própria do agricultor, e sim uma coisa do industrial, do empresário.
GR Um argumento recorrente da agricultura industrial é que a produção em grande escala é praticamente impossível sem agroquímicos e que a produção orgânica só é possível em pequenas proporções. Como o senhor vê essa crítica?
Paschoal Eu vi no Canadá produções orgânicas de 130 alqueires. Isso não é pequeno. Na Europa, sim, a produção é de pequena e média escala. Há produtores com 80 hectares. Agora, depende do que estamos falando. Com hortaliças, frutas e produção de leite, você não precisa de escala. O que é escala? Grande escala? Eu manejo uma propriedade de 100 como se fossem quatro de 25. Se forem 1.000, é o mesmo raciocínio. O tamanho é uma ilusão. Não é o tamanho que faz a técnica. A técnica se adequa a qualquer tamanho.
GR Mas o agrotóxico não é inevitável?
Paschoal O agrotóxico entra como última opção. Como aliás é hoje no manejo integrado, que considera controle cultural, controle biológico, controle genético, enfim, todas as formas possíveis. E o agrotóxico entra como última opção. É diferente do controle integrado, que é o químico mais o biológico.
Paschoal À medida em que a agricultura industrial foi avançando pelas fronteiras, a agricultura orgânica foi ocupando aquilo que foi deixado. Porque ela recupera o solo. Essa é a missão da agricultura orgânica: recuperar o que foi destruído. Porque a meta principal da agricultura orgânica é o solo. Recuperando o solo, você produz sem agrotóxico, sem adubo mineral solúvel, com variedades até mesmo convencionais.
GR Como é a formação agroecológica?
Paschoal A formação ecológica exige uma formação eclética. Para encarar a agricultura como ecossistema, você precisa entender todas as partes: físicas, químicas, biológicas. Isso requer um entendimento profundo de relações. Quem domina isso domina a agricultura. Para nós, é importante buscar causas, e não combater efeitos.
GR Como o senhor vislumbra o futuro da agricultura?
Paschoal Há quem considere que a agricultura orgânica virou uma parcela do agronegócio. Não há nada que contradiga que as duas agriculturas, a industrial e a orgânica, vão coexistir por muitas décadas. Agora, a tendência da agricultura orgânica é crescer num ritmo muitas vezes maior que a agricultura convencional, porque as pessoas estão cada vez mais esclarecidas a consumir alimentos livres de agrotóxicos.
Entrevista publicada em junho de 2018, na edição 392 da Revista Globo Rural
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