O Camelô das Secas
Manuel Dantas Vilar Filho (Dr. Manelito) é um
defensor de atividades mais resistentes que a seca. Manelito Vilar tem
três traços típicos dos povos do deserto: a teimosia eterna, a fé no que
faz e acredita e uma cumplicidade incomensurável com a terra, seus
bichos e suas plantas.
O interesse de Manelito há muito tempo é o Sertão e
os fenômenos do Semiárido brasileiro, como a seca, por exemplo. De
tanto oferecer ideias sobre o tema, ficou conhecido por muitos
pesquisadores como “O Camelô da Seca”. Ele leva e traz, sempre,
informações e conhecimentos sobre as secas. A Seca é sua mercadoria e
ele, o camelô.
Engenheiro de profissão, sertanejo por obra e
graça do destino, fazendeiro e criador de bichos por opção, Manelito “já
fez mais pelo Semiárido Irregular que todas as universidades do
Nordeste”, segundo o escritor e jornalista Otávio Sitônio Pinto, em seu
livro “Dom Sertão, Dona Seca”.
Aos 70 anos, Manelito é o inventor da técnica de
fenação tropical, introduziu o capim Buffel no Brasil e desenvolveu uma
tecnologia original de hidrolização de bagaço de cana, com a ajuda do
seu primo, Sebastião Simões Filho. A fazenda Carnaúba, em Taperoá, onde
mora, trabalha e desenvolve suas experiências, é visitada por
pesquisadores, estudantes, amigos, jornalistas e curiosos.
As cabras
Primo de Ariano Suassuna, Manelito selecionou três
grupos de raças de cabras para desenvolver o que chama de “preservação
com regeneração”. As três raças são Moxotó Branca e Moxotó Parda e a
Graúna, ou Preta Retinta. Essas três raças foram identificadas como
descendentes das Brancas Pirenaicas, Pardas Pirenaicas e das Pretas
Murcianas, melhorando os animais através do retrocruzamento com as
respectivas avoengas europeias. Assim obteve as Brancas, Pardas e Pretas
Sertanejas. Chegar a essas três raças tem uma explicação. “A Moxotó
Branca representa o branco europeu colonizador; a Moxotó Parda
representa os índios brasileiros e a Graúna representa o negro
brasileiro que aqui chegou como escravo, vindo da África”, diz Manelito.
Essa estória de criar animais começou de muito
longe, quando o pai de Manelito administrava a fazenda Carnaúba e criava
gado Zebu. Em 1971, o escritor Ariano Suassuna lançou o romance “A
Pedra do Reino”. Com ele, ganhou um prêmio literário.
Ariano convidou Manelito para uma sociedade. Ele
topou. A partir daí, então, os dois primos percorreram a Ribeira do
Pajeú, Sertão de Pernambuco, e os arredores de Patos, Sertão da Paraíba.
“Nossa sociedade não é na base de uma cabra minha e outra dele; mas
aquela lista que divide o espinhaço do bode, divide também as nossas
partes: uma banda é dele e outra minha”, diz o escritor Ariano Suassuna,
explicando como funciona a sociedade entre os dois.
Segundo Manelito, foi uma época difícil, de muita
pesquisa e muito trabalho pelo interior. “Viajávamos nos finais de
semana para frequentar feiras do interior, onde os sertanejos vendem,
compram e trocam animais. Fomos comprando os animais e fazendo a
seleção”, conta ele. O resultado é a preservação de animais adaptados ao
clima, à seca e à região do Semiárido brasileiro.
Esses são animais de dupla função, ou seja, animais que servem ao corte e são bons produtores de leite.
- É desses animais que o povo do interior do
Nordeste precisa para viver na região da seca e não o cultivo da terra
para plantar grãos - afirma Manelito, realçando o que chama de “culturas
lotéricas”. Para ele, “arar a terra significa desmontar o solo”.
É o próprio Manoel Dantas Vilar, ex-catedrático de
Hidrologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que explica sua
teoria: “Precisamos considerar a seca um componente intrínseco do
trabalho rural e atuar racionalmente, reforçando a atividade mais
resistente a ela, como é a criação de vacas, cabras e ovelhas”.
Hoje, Dr. Manelito está criando quase vinte raças diferentes, segregando e preservando o que a caatinga tem de melhor.
Raça Moxotó, das preferidas no Semiárido.
O cultivo
As fazendas Carnaúba, Pau-Leite e Bonito são
empreendimentos-modelo, onde não se planta nada além de capim para os
animais. No início deste ano, quando caíram as primeiras chuvas na
região de Taperoá, o capim surgiu viçoso do solo. Pouco mais de um mês
depois, quando pequenos agricultores ainda plantavam milho e feijão,
Manelito reuniu os seus e foi colher o capim para fazer feno, guardá-lo e
alimentar o gado em períodos sem chuva.
- Chamei um dos meus filhos e mostrei os
sertanejos plantando milho e feijão e disse a ele: “está vendo, meu
filho, enquanto nós estamos colhendo, eles ainda estão plantando”.
Daniel, o filho, riu orgulhoso da sabença do pai que tem.
A cultura do regadio
O professor e Dr. Manelito Vilar é contra projetos de irrigação para o Nordeste e a isso chama de “cultura do
regadio” - a prática de se cultivar grãos e frutas através do uso
excessivo de água. E dá uma sentença:
- Não se irriga onde não há água nem para beber.
Estudioso
do Semiárido, Manelito tem a pluviometria da região registrada ano a
ano, desde 1901. “Quem foi que disse que aqui é seco? Em Taperoá chovem
600 milímetros por ano, igual a Paris, por exemplo. A diferença está no
clima, no uso que se faz do solo”, alerta. Segundo ele, há 200 anos
discutem-se projetos de irrigação para o Nordeste brasileiro, com gastos
e estudos mirabolantes que nunca saíram do papel e - quando saíram - os
resultados foram desastrosos. Até agora não se chegou a nenhum
resultado positivo. Com exceção de Petrolina, em Pernambuco, Juazeiro e
Barreiras, na Bahia, onde a água passa à porta de casa e as terras foram
compradas a preço de banana, sem falar na exploração da mão-de-obra,
principalmente nos períodos de seca, onde a força de trabalho é
oferecida a preço muito barato.
Por
isso, ele diz que a transposição de águas do São Francisco não dará
certo, porque a interligação de bacias é uma técnica que precisa de
muitos estudos para evitar a contaminação e salinização do solo.
A
solução, para Manelito, está no estímulo à criação de animais
resistentes à seca e a introdução e cultivo de plantas adaptadas ao
Semiárido. Afinal, é o Semiárido mais rico do mundo em leguminosas, que
vem a ser a proteína da ração animal. A vargem da faveira, por exemplo,
contém 24% de proteína bruta, o que é raro entre os vegetais. No início
do século passado os australianos estiveram em Taperoá para buscar
sementes de pequenas plantas. O Nordeste brasileiro ajudou os
australianos a montarem uma das maiores pecuárias do planeta. Fez lá o
que ainda não fez aqui.
Mexer
na vegetação nativa? Conta Manelito: “Para criar uma rês a gente
precisa de 15 hectares de mata nativa. Se assumirmos a realidade do chão
seco, sem regadio, basta um hectare de capim Buffel para sustentar mais
de um animal e produzir bom leite”
Assim,
a verdade está na cara: só não enxerga quem não quer e está acomodado
ao salário de funcionário público para nada fazer. Se quiser fazer, o
caminho é fácil e está escancarado. A solução para o Nordeste é óbvia,
científica, racional, já deu certo em muitos países.
Cabras da raça Azul, desde o Brasil Colonial.
O planejamento público
Dr. Manelito se acha monótono e diz que está cansado de repetir suas
teorias sobre o Semiárido brasileiro. “Há muito tempo fico dizendo as
coisas e não há interesse dos poderes públicos em colocar em prática as
políticas que possam tirar a região da miséria”, afirma. “Isso é muito
maçante”, prossegue. Segundo ele, as coisas chegaram a um ponto tal que
um repórter da Rede Globo veio fazer uma matéria sobre o Semiárido e
perguntou a Manelito, na fazenda Carnaúba, em Taperoá, quantas secas
teve o Nordeste no século passado. A resposta foi monossilábica:
- Cem - respondeu Mané.
O jornalista ficou intrigado e devolveu a pergunta:
- Como cem?
Foi aí que Manelito completou a resposta:
- Em cada ano nós temos uma seca no Nordeste. O
problema é quando uma seca emenda com a outra e, então, acontece um
verdadeiro desastre. Na caatinga, porém, isso é fenômeno comum - ensinou
ao jornalista.
Segundo ele, nunca houve planejamento público para
o Semiárido. “Até a Escola de Agronomia do Nordeste foi instalada em
Areia, uma cidade localizada em região de clima temperado. Para
Manelito, a Faculdade de Agronomia deveria ter sido instalada em cidade
do Sertão, ou no Cariri.
- Mas aquele homem de Tambaú levou a Escola de
Agronomia para sua terra com um argumento simplório: “precisamos casar
bem as moças da minha terra”. O “homem de Tambaú” aqui em questão é o
escritor José Américo de Almeida. Manelito não cita o nome dele, nem
muito menos o de João Pessoa. Tanto que quando vai viajar para a Capital
do Estado, diz: “Vou à Paraíba”. As razões para isto estão nos
acontecimentos de 1930, quando a Paraíba foi colocada de joelhos e
começou a se promiscuir com ditadores.
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