Convivência com a Seca
A
seca é um dos principais limitantes que afetam a segurança alimentar e a
sobrevivência de mais de dois bilhões de pessoas, que ocupam 41% das
áreas do planeta. O fenômeno pode ser definido como deficiência em
precipitação por um extenso período de tempo, resultando em escassez
hídrica (Solh&Ginkel, 2014). As áreas mais afetadas com secas no
Brasil estão no Semiárido. Nos anos 2012 e 2013, mais de 1.400
municípios da região Nordeste e do norte de Minas Gerais foram
severamente castigados com a estiagem.
Cenários futuros apontam para o aumento da temperatura e redução na
precipitação, especialmente nessas áreas, sendo que, em se confirmando
este cenário, será cada vez mais comum a ocorrência de secas (Santos et
al., 2009). A eficiência produtiva nas regiões mais suscetíveis às
estiagens depende de uma série de medidas de monitoramento e mitigação
dos efeitos negativos desse fenômeno, através do uso racional e
sustentável dos recursos hídricos, edáficos e da biodiversidade.
Um relatório divulgado pela Agência Nacional de Águas aponta que, até o
ano de 2025, mais de 70% das cidades com população acima de 5.000
habitantes do Semiárido enfrentarão crise no abastecimento de água para
consumo humano. Em resumo, entre os impactos previstos para com as
mudanças no clima no Semiárido brasileiro estão: a alteração na
vegetação da Caatinga; a diminuição da água de lagos, açudes e
reservatórios; maior vulnerabilidade às chuvas torrenciais e
concentradas em curto espaço de tempo, resultando em enchentes e graves
impactos socioambientais; maior frequência de dias secos consecutivos e
de ondas de calor; a inviabilidade da produção agrícola de subsistência
de grandes áreas e o aumento da migração.
Observações históricas e modelagens apresentam evidências de alterações
nos sistemas climáticos de várias partes do mundo, sejam relacionadas a
eventos naturais, como, principalmente, atribuídas às atividades
humanas. Estes últimos efeitos são consequências de mudanças na
composição atmosférica. As regiões áridas e semiáridas encontram-se
entre as que mais, provavelmente, experimentarão os impactos das
mudanças climáticas, sofrendo forte redução nas precipitações e aumento
da evaporação por conta dos aumentos de temperatura, com graves impactos
à disponibilidade de água, à produção de alimentos e, consequentemente,
à segurança alimentar, aos ecossistemas e até mesmo às infraestruturas
elétricas (IPCC, 2007; AWC; WWC, 2009). Um crescimento na severidade da
seca está previsto para o Brasil, com aumento nas taxas de
evapotranspiração, prolongamento dos períodos de estiagem e redução nas
áreas agricultáveis (Word Bank, 2012).
Por seu
lado, a biodiversidade do Brasil é considerada uma das mais ricas do
mundo, correspondendo a aproximadamente 20% de toda a diversidade
mundial, apresentando muitas espécies endêmicas e vários recursos
genéticos ainda desconhecidos (VALOIS, 2014). Um dos biomas mais
afetados pelas secas no Brasil é a Caatinga. São mais de 734.478 km²,
sendo 22% desta área atualmente ameaçada pela desertificação. Apesar
desta ameaça, a biodiversidade é considerada alta, com inúmeras espécies
de plantas, animais e microrganismos, muitos endêmicos, o que coloca
este bioma como estratégico para bioprospecção. Contudo, do ponto de
vista científico, esse é um dos sistemas ecológicos menos conhecidos da
América do Sul (MMA, 1998).
A estrutura física
dos solos é, no geral, pouco apropriada para a agricultura e extensas
áreas são ocupadas com a pecuária, especialmente, a de pequenos
ruminantes. Cerca de 50% dos estabelecimentos agropecuários no Nordeste
não utilizam nenhum tipo de prática conservacionista do solo. Segundo o
Ministério do Meio Ambiente (2002), as áreas com sinais extremos de
degradação, conhecidas como Núcleos de Desertificação, correspondem a
15% da área da Caatinga.
A prática da
agricultura nas áreas mais sensíveis à seca no Brasil apresenta desafios
que vão desde questões climáticas, ambientais, deficiência logística,
atraso tecnológico, falta de crédito e falta de assistência técnica. O
grande desafio atual para o desenvolvimento dessa agricultura é promover
melhorias no sistema produtivo que superem as limitações, utilizando
tecnologias apropriadas ao contexto local, visando o desenvolvimento
regional, a inclusão da agricultura familiar em um sistema de produção
moderno e eficiente com acesso a crédito, assistência técnica e insumos
(IPEA, 2012).
Os prejuízos que as últimas
secas têm causado à produção animal estão relacionados diretamente a
perdas de efetivo. Segundo IBGE, em 2012, na região Nordeste, foram
perdidos 1,3 milhões de bovinos, 696 mil caprinos, 784 mil ovinos e 755
mil aves, havendo perdas também nos rebanhos de suínos e equídeos. As
perdas mais pronunciadas foram nos estados nordestinos da Bahia (40%),
da Paraíba (28%) e de Pernambuco (24%).
Por
outro lado, a tecnologia empregada na produção regional é, em muitos
casos, defasada com relação àquela usada em atividades congêneres no
restante do país, ou, pelo menos, naqueles lugares com os melhores
índices de produtividade para essas mesmas atividades (IPEA, 2012). Isso
resulta em safras que ficam abaixo do potencial produtivo. Combinado
com esse atraso tecnológico, e na verdade explicando, em parte, está a
questão do acesso à assistência técnica por parte dos agricultores. A
maioria dos estabelecimentos agropecuários nordestinos não tem acesso a
qualquer tipo de assistência técnica.
As
estratégias de convivência com a seca são, antes de tudo, preventivas e,
uma vez o fenômeno instalado, restam poucas opções ou ações
imediatistas para combater seus efeitos sobre as atividades
agropecuárias. Um trabalho de avaliação da situação da agropecuária na
região sugere, principalmente, o que precisa ser feito depois de passado
esse período mais crítico, para quando o fenômeno da seca nessas
proporções volte a se repetir, as famílias estejam mais preparadas e
seus efeitos sejam minimizados.
É nessa
perspectiva que a Embrapa, por meio de um centro de pesquisa localizado
no Semiárido brasileiro, bem como outras instituições de pesquisa da
região, propõe intervenções para a redução da fragilidade dos sistemas
de produção e a busca de oportunidades econômicas que demonstrem mais
resiliência aos fenômenos da seca, sempre ressaltando que a diversidade
do quadro natural e social do Semiárido requer alternativas
diferenciadas de inovações técnicas e ações de políticas públicas. Entre
as contribuições das pesquisas da Embrapa que, integradas aos programas
de desenvolvimento governamentais e da sociedade civil podem reduzir os
efeitos do fenômeno da seca sobre a população rural, destacam-se a
captação, armazenamento e uso de água de chuvas, a valorização da
biodiversidade do bioma Caatinga e a produção animal, com destaque para a
caprinovinocultura.
A seca é um evento
climático difícil de ser previsto, mas intervenções e estratégias podem
ajudar as populações a estarem mais preparadas para conviverem com o
fenômeno. Algumas estratégias que vêm obtendo sucesso em outras regiões
do mundo estão associadas a mudanças geográficas em sistemas agrícolas,
sistemas de sequeiro resilientes às mudanças climáticas e sistemas de
irrigação mais eficientes (Solh&Ginkel, 2014). No caso brasileiro,
necessita-se explorar estas e outras alternativas, dentro de contextos
mais transversais ligados às questões relativas ao uso da água, do solo e
da biodiversidade, de forma conectada ao clima e cenários de mudanças
climáticas, bem como de contextos mais aplicados relativos à produção
vegetal, produção animal, bioenergia e sistemas integrados, de modo a
propor soluções tecnológicas adequadas à realidade brasileira.
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