Apesar do enorme potencial da natureza e do seu povo, o Semiárido é marcado por grandes desigualdades sociais. Segundo o Ministério da Integração Nacional mais da metade (58%) da população pobre do país vive na região. Estudos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) demonstram que 67,4% das crianças e adolescentes no Semiárido são afetados pela pobreza¹. São quase nove milhões de crianças e adolescentes desprovidos dos direitos humanos e sociais mais básicos, e dos elementos indispensáveis ao seu desenvolvimento pleno.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no Semiárido é considerado baixo para aproximadamente 82% dos municípios, que possuem IDH até 0,65. O que significa um déficit em relação aos indicadores de renda, educação e longevidade para 62% da população do Semiárido².
Renda
As contradições e injustiças que permeiam a região podem ser percebidas inclusive no acesso à renda, que reflete também uma forte desigualdade de gênero. Metade da população no Semiárido, ou mais de dez milhões de pessoas, não possui renda ou tem como única fonte de rendimento os benefícios governamentais. Na sua maioria (59,5%) mulheres.
Os que dispõem de até um salário mínimo mensal somam mais de cinco milhões de pessoas (31,4%), sendo 47% mulheres. Enquanto isso, apenas 5,5% dispõem de uma renda entre dois a cinco salários mínimos, a maioria (67%) homens, e dos 0,15% com renda acima de 30 salários mínimos apenas 18% são mulheres³.
O Índice de Gini, que mede o nível de desigualdade a partir da renda, está acima de 0,60 para mais de 32% dos municípios do Semiárido, demonstrativo de uma elevada concentração da renda na região4. Quanto mais próximo de 1, maior é a desigualdade.
Essa realidade metrificada e calculada pelas estatísticas é o reflexo de milhões de vidas que lutam cotidianamente sem o acesso aos direitos sociais e humanos mais fundamentais: aqui se inclui o direito à água. Uma realidade que exige transformações urgentes.
Êxodo
A população rural5, de mais de oito milhões e meio de pessoas, reduziu 5,7% em relação ao ano de 20006, e hoje representa apenas 38% da população na região. Foram mais de 520 mil pessoas que deixaram de viver no Semiárido rural nos últimos dez anos7. Estes números acompanham uma tendência no país, onde a população rural caiu em 6,3% no período analisado.
Esse dado reflete, também, que o Brasil ainda está aquém de garantir as condições necessárias para a opção das famílias de permanência no campo, em especial no Semiárido. Entre os principais elementos nesse processo está a elevada concentração de terras e de água.
Terra
Caracterizada por prolongado período seco, irregularidade de chuvas, semiaridez do clima e alta taxa de evapotranspiração, a região é marcada por uma histórica estrutura concentradora de renda, riquezas, água e terra.
No Semiárido existem mais de um milhão e setecentos mil estabelecimentos agropecuários (33% em relação ao total no país8. Destes, 73% são proprietários que concentram 93% das terras da agropecuária; enquanto isso, 27% dos estabelecimentos agropecuários no Semiárido encontram-se em situação precarizada na relação com a terra, dispondo de apenas 7% da área.
Aqui se inclui o grupo de assentados/as sem titulação definitiva, com 2,8% do número de estabelecimentos; os arrendatários, com 3,7%; os parceiros, com 3,9% e os ocupantes com 11% dos estabelecimentos agropecuários. Soma-se a estes o grupo de produtores/as sem área no Semiárido, havendo mais de 92 mil famílias agricultoras nessa condição (5,4% dos estabelecimentos agropecuários), representando 36,3% das famílias agricultoras sem área do Brasil concentradas no Semiárido.
Água
Essa concentração rebate também na questão da água, apresentando reflexos em diversas dimensões da vida das pessoas. Atualmente 67% das famílias rurais nos estados que compõem o Semiárido não possuem acesso à rede geral de abastecimento de água, sendo que 43% utilizam poços ou nascentes, e 24% utilizam outras formas de acessar a água9, que compreendem inclusive, buscas em fontes distantes, com longas caminhadas diárias10, para o uso de uma água muitas vezes inadequada ao consumo humano.
Nesse contexto, a
dificuldade no acesso à água, que em parte seria resultado do índice
pluviométrico e da elevada taxa de evapotranspiração, é consequência,
mais do que tudo, de uma política concentradora da água, através da qual
uns poucos e privilegiados detêm a posse e uso de quase toda a água do
Semiárido, enquanto outros morrem de sede.
Em um Semiárido
com inúmeras desigualdades, são também múltiplas as alternativas e
estratégias possíveis para a garantia do acesso à água por suas
populações, muitas construídas por elas próprias. Na luta diária pela
sobrevivência, mulheres e homens, portadores de um vasto saber adquirido
a partir da observação da natureza ao longo dos tempos, aprenderam a
arte de conviver com o meio ambiente olhando os ciclos das chuvas, o
comportamento das plantas, dos animais e as características do clima e
do solo.
Foi esse
conhecimento que construiu as melhores técnicas de convivência com o
Semiárido, a partir da iniciativa da estocagem, que tem sido garantida a
partir da construção de tecnologias sociais para captação e
armazenamento da água da chuva.
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