As bonecas de lã

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Seu Neco estava casado há muito tempo com Dona Filozinha, que nem se lembrava direito. Eles sempre compartilhavam tudo e conversavam sobre tudo, sempre bons amigos, um exemplo de bom casamento. Eram duas pessoas sempre alegres, sempre tagarelando sobre tudo e qualquer coisa. 

Não havia segredos entre eles. Bom, é o que Seu Neco pensava. Havia, sim, o segredo da caixa de sapatos. Era uma caixa de sapatos, que Dona Filozinha guardava em cima do armário, no meio de uma trouxa de roupas antigas. Um dia, ela avisara Seu Neco, amorosamente:

- Meu bem, nunca abra aquela ­caixa e nem pergunte o que está lá dentro. Ali está a felicidade de nosso casamento.

Seu Neco pensou: “Está parecendo a árvore do Bem e do Mal, no paraíso da Bíblia. Não pode abrir, não pode provar, não pode saber, não adianta perguntar. Fim de papo! Então pra que Deus, tão sabido, foi colocar a árvore do Bem e do Mal no meio do paraíso? Era a mesma coisa, com a caixa de sapatos, tinha alguma coisa, mas o que seria? Como a proibição foi lá no início do casamento, Seu Neco nunca se importou e assim se passaram muitos e muitos anos.

Um dia, como acontece com todo mundo, eis que Dona Filozinha desperta cheia de dores nas juntas e, depois da ida ao médico, recebeu a triste notícia de que sua hora parece que havia chegado.

No correr dos dias tristonhos, Seu Neco resolveu descobrir qual era o segredo da antiga caixa tão bem ­escondida nestes anos todos. Para não ser ­expulso do paraíso, encheu-se de respeito, ­subiu na cadeira e pegou o embrulho de roupas, retirando a caixa tão cuidadosamente embrulhada. Pegou o pacote e levou para perto da cama da mulher ­adoentada.

Cheia de amor nos olhos, ela concordava que estava na hora de abrir aquele segredo. Seu Neco, pra lá dos 70 anos, desatou a fita tão bem amarrada, e abriu a caixa, quase caindo duro no chão. Ali estavam duas bonecas de lã e um pacote de dinheiro. Ele resolveu contar a dinheirama e era muito mais que pensava: quase vinte mil!

- Nossa! Não estou entendendo nada. De onde veio tanto dinheiro?

A mulher bebeu o chá e começou a explicar:

- Quando a gente se casou, minha avó me contou o segredo de um casamento feliz. Ela disse: “Minha neta, nunca brigue com seu marido, por nada, por nada desse mundo. Nada vale uma ­briga dentro de casa”.

- E como isso vai ser possível, minha avó?

- É muito simples. Toda vez que você ficar furiosa, pegue um punhado de lã, das suas ovelhas. E faça alguma coisa que seja interessante. Por exemplo, faça uma bonequinha muito caprichada e bonita. Cada vez mais caprichada e mais bonita. Mas preste atenção: não deixe ele ver, nunca. Ao invés de você ficar com raiva, você faz uma linda boneca de lã. Assim você se acalmará e ainda terá uma boneca, depois duas, depois três, ou quatro, a raiva irá passar e o casamento continuará em pé.

 

Seu Neco ficou muito comovido, pois dentro da caixa estavam apenas duas bonecas de lã, muito bonitas, bem ­feitas. Isso quer dizer que - em toda sua vida - o casal tivera apenas duas boas brigas. Isso parecia ser um elogio dos bons.

- Puxa, amor, nestes anos todos, tivemos tantas encrencas, tantas brigas, mas vejo que você só se aborreceu duas vezes.

Dona Filozinha juntou forças e espinafrou:

- Só duas? Só duas? Uma ova! Nós tivemos muitas brigas. Foram terríveis. Medonhas. Que o céu perdoe sua burrice, homem, e sua cabeça dura.

- Mas só tem duas bonecas aqui na caixa.

- Tá certo, só duas bonecas. E o dinheiro?

- Bom, é muito dinheiro, mas o que tem esse dinheiro a ver com as duas bonecas?

Dona Filozinha sentiu uma pontada, teria que explicar. Deu um sorriso de santa, e desabafou, matreiramente:

- Bom! As bonecas foram se somando: duas, três, cinco, oito e, então, comecei a vender e colocar o dinheiro na caixa. Depois, fui fazendo mais duas, mais cinco, mais e mais bonecas, e sempre vendendo. Foi assim que as bonecas eram trocadas pelo dinheiro que sempre aumentava, chegando aos vinte mil.

- E por que estas duas bonecas na caixa?

- Porque você vendeu toda a lã, na última tosquia, deixando só uns fiapos. Só deu para fazer duas bonecas.