Novas cultivares de feijão-de-corda apresentam qualidade de grão superior às atuais
As novas variedades têm elevado potencial produtivo, sanidade e bom porte e arquitetura, além de atender exigências da alta gastronomia
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Grãos com alto valor de mercado, nutritivos, saborosos e com cozimento rápido estão entre os principais atributos das novas cultivares de feijão-caupi (Vigna unguiculata L.), conhecido tradicionalmente como feijão-de-corda, que a Embrapa recomenda para o estado do Pará. As cultivares BRS Bené (grãos marrons graúdos), BRS Guirá (grãos pretos), BRS Utinga (grãos brancos graúdos) e BRS Natalina (tipo “manteiguinha”) são plantas com elevado potencial produtivo, sanidade e bom porte e arquitetura.
Resultado de 40 anos de pesquisa em melhoramento genético de feijão-caupi, também conhecido como feijão da colônia, as cultivares BRS Bené, BRS Utinga e BRS Guirá apresentam porte ereto, semiereto e semi-prostrado, que se ajustam bem à colheita mecanizada e favorecem também a colheita manual. E a BRS Natalina, a primeira cultivar do tipo "manteiguinha" do Brasil.
“Trata-se de um importante aporte tecnológico para a agricultura em escala familiar e empresarial do Pará e de estados da Região Nordeste”, afirma o agrônomo Francisco Freire Filho, pesquisador aposentado da Embrapa Amazônia Oriental, que liderou o trabalho de melhoramento genético das cultivares.
Ele ressalta que as novas cultivares têm apelos comerciais diferentes e atendem às demandas de consumo e produção. “Os grãos têm excelente qualidade, bom tempo de panela e bons níveis de proteína, ferro e zinco. Todas elas têm níveis de produtividade bem superior aos materiais atualmente utilizados no campo e se ajustam tanto para colheita mecanizada quanto manual”, detalha Freire.
Conheça cada cultivarAs cultivares lançadas pertencem a dois grupos: o caupi tradicional, subclasse cores (marrom, branco e preto); e o caupi da subclasse manteiga com grãos extrapequenos, conhecido popularmente como “feijão manteiguinha”. A BRS Bené, com grãos graúdos de coloração marrom, tem produtividade média de 1,5 mil quilos por hectare e pode atingir até 2,5 mil kg/ha. Isso representa um aumento de quase 50% na produtividade atualmente atingida no campo. Na última safra (2021/2022), a produtividade média de feijão no Pará foi de 800 quilos por hectare, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Com porte ereto, arquitetura ajustada à colheita mecanizada e ciclo médio-precoce de 70 a 75 dias, a BRS Bené é voltada especialmente ao cultivo na “safrinha” de grãos nos pólos produtores do Pará, como alternativa ao milho, que demanda cerca de 30 dias a mais para completar o ciclo de cultivo. As vagens e os grãos são maiores que os tradicionais, com 24% de teor médio de proteína e tempo de cozimento de 13 minutos. O tamanho graúdo e formato dos grãos também é um dos diferenciais da BRS Utinga, de coloração branco-rugosa. A produtividade média dessa variedade é de 1,3 mil quilos por hectare, chegando até 2,3 mil kg/ha. Os grãos têm teor médio de proteína é de 25% e o tempo de cozimento é de 11 minutos. A arquitetura da planta, de porte semiereto, também é ajustada à colheita mecanizada e facilita colheita manual. A BRS Guirá, de grãos pretos, completa o grupo das cultivares tradicionais. É a primeira feijão-caupi de cor preta recomendada para o estado do Pará. Os grãos apresentam teor de proteína de 29%, o que confere boa qualidade nutricional ao produto. A produtividade média é de 1,4 mil kg/ha, e pode chegar a 2,3 mil kg/ha. Outro diferencial da BRS Guirá é a resistência a quatro tipos de vírus que ocorrem no feijão-caupi. Pioneira no BrasilO feijão "manteiguinha" tem grão pequeno de coloração creme e é uma tradição da culinária paraense. É produzido por agricultores familiares em diferentes regiões do Pará, mas principalmente na região oeste do estado, onde é conhecido como “feijão de Santarém”. “Atualmente, os materiais cultivados pelos produtores são oriundos de sementes crioulas de ciclo longo, mais de 90 dias, com alta variabilidade genética e produtiva, além de grãos desuniformes”, conta Freire. A BRS Natalina é a primeira cultivar do Brasil para o tipo "manteiguinha". Ela foi selecionada a partir de linhagens obtidas dentro das melhores variedades crioulas, apresenta grãos uniformes, extrapequenos, coloração creme, ciclo médio-precoce de 70 a 75 dias e potencial produtivo superior aos materiais crioulos utilizados pelos agricultores. Outro destaque da variedade é o teor médio de 26% de proteína e rápido cozimento, sendo uma excelente opção para o mercado de proteínas vegetais. Além disso, a BRS Natalina apresenta maior nível de resistência a vírus em relação às variedades crioulas, conforme o trabalho realizado pela virologista da Embrapa Alessandra de Jesus Boari. O nome Natalina é uma homenagem à cientista Natalina Tuma da Ponte, que foi professora da antiga Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (FCAP), atual Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), e pesquisadora do Instituto Agronômico do Norte (IAN) e Instituto de Pesquisas e Experimentação Agropecuárias do Norte (Ipean), antecessores da Embrapa Amazônia Oriental. “A doutora Natalina foi uma das pioneiras na pesquisa com feijão-caupi na Região Norte e no Brasil”, lembra Freire. Arte de Gisele Aragão |
Grande trabalho de seleção
O trabalho de melhoramento genético de feijão-caupi na Embrapa soma mais de quatro décadas. Para o estabelecimento do banco de recursos genéticos desse grão, que é uma coleção de sementes, os pesquisadores realizaram ao longo desse tempo um extenso trabalho de coleta de sementes nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, e realizou intercâmbio com outros países.
A coleção possui diferentes tipos de feijão-caupi com variação em cores e formatos, potencial produtivo, além de resistência a pragas e doenças. “Nesta jornada, foram realizados centenas de cruzamentos, obtidas milhares de linhagens, das quais foram selecionadas dezenas de cultivares,” conta o pesquisador da Embrapa Rui Alberto Gomes Junior.
Mais sobre as novas cultivares
Os cientistas focaram em cultivares que apresentassem qualidade de grão, produtividade, porte e arquitetura da planta e resistência a doenças. O trabalho, como relata o pesquisador da Embrapa João Elias Rodrigues, envolveu uma equipe multidisciplinar das áreas de melhoramento genético, solos, fitossanidade e agroindústria.
Bonitos, saborosos e de rápido cozimento
A qualidade do grão foi o principal objetivo do melhoramento genético do feijão, segundo o Gomes. “Diferente de outras culturas agroindustriais, o grão seco do feijão é o produto final que vai ser embalado e ofertado ao consumidor, por isso, a qualidade visual é o primeiro ponto que deve ser considerado”, acrescenta o pesquisador.
Outros pontos importantes são o sabor e o tempo de cozimento, “porque além de bonito, o feijão tem que ser gostoso e cozinhar rápido”, completa. Aliado ao aspecto visual e sabor, os grãos das novas cultivares apresentam altos teores médios de proteína, ferro e zinco. A pesquisadora da Embrapa Ana Vânia Carvalho conduziu análises de laboratório e testes sensoriais com provadores potenciais consumidores do produto, que indicaram boa aceitação das novas cultivares.
Em relação às características físico-químicas das cultivares, foi observado um alto teor de proteína. “Mais de 20% de proteína é um bom teor para alimentos em geral. O feijão-caupi é uma excelente fonte de proteínas vegetais, além do ferro e zinco”, afirma a pesquisadora. Outro resultado apontado pela análise foi o tempo de cozimento do grão, que permaneceu o mesmo após seis meses de armazenamento, indicando boa vida de prateleira.
As avaliações sensoriais com potenciais consumidores foram realizadas para as cultivares BRS Bené (grãos marrons) e BRS Utinga (grãos brancos, foto à esquerda). Na primeira rodada, 67 provadores analisaram a aparência e cor dos grãos crus, e o aroma, sabor, textura e impressão global dos grãos cozidos. “As duas cultivares tiveram excelentes notas com índice de aceitação acima de 80%”, relata Carvalho. Surpreendeu a pesquisadora o resultado do teste de comparação entre a cultivar BRS Bené e um feijão marrom comum (Phaseolus vulgaris), comercializado nos supermercados. Os provadores não perceberam a diferença entre eles.
Opção segura para a “safrinha”
Com o avanço do melhoramento genético aliado à expansão do cultivo de grãos no Brasil, o feijão-caupi ganhou escala principalmente no estado de Mato Grosso, que é o maior produtor nacional desse grão, ao integrar a produção onde a soja é a cultura principal, na chamada “safrinha”. O caupi entra como segundo cultivo realizado em mesma área e mesmo ano agrícola. Isso porque o ciclo precoce e o porte ajustado para a colheita mecanizada tornaram o caupi uma alternativa competitiva na produção de grãos.
“As cultivares de feijão-caupi têm ciclo de 70 a 75 dias, cerca de um mês a menos que as cultivares mais precoces de milho. Elas têm um potencial muito grande para a safrinha da soja o Pará, principalmente na fase final de plantio quando a cultura do milho tem um risco mais elevado ou em condições onde o intervalo de chuvas é limitado para o milho”, explica o pesquisador Rui Gomes (à esquerda na foto acima, ao lado do agrônomo Francisco Freire Filho) .
Ele destaca ainda que o porte e arquitetura da BRS Bené e BRS Utinga são muito bem ajustados para a colheita mecanizada. “São atualmente as cultivares de melhor aptidão para essa operação. É possível utilizar o mesmo maquinário da soja, por exemplo, com baixíssima perda de grãos”, afirma o pesquisador. A cultivar BRS Guirá, continua Gomes, apesar do porte semi-prostrado, possui boa arquitetura, com elevada posição de vagens, sendo uma boa opção também para a colheita mecanizada.
Importância econômica e segurança alimentarTradição na agricultura familiar do Pará, feijão-caupi, conhecido localmente como feijão da colônia, é um alimento proteico com importante papel na segurança alimentar e nutricional das populações locais. Ele representa 86% da produção total de feijão do estado do Pará, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O grão, porém, vem perdendo espaço no campo paraense. A área plantada de feijão no estado, incluindo caupi e comum, reduziu de 80 mil hectares, na safra de 2006/2007, para 28 mil na safra 2021/2022, e a produção sofreu uma queda superior a 60% nesse período, ficando em 21 mil toneladas na safra 2021/2022. Para o empresário e produtor rural Benedito Dutra Luz de Souza, do município de Tracuateua, Nordeste Paraense, as novas cultivares podem retomar a produção de feijão-caupi no Pará. “Nós, produtores, uma vez tendo acesso a essa tecnologia, vamos voltar a plantar feijão-caupi nessa região”, afirma. Ele acredita que o caupi tem potencial para atender tanto a agricultura familiar quanto a empresarial. Dutra, como é conhecido na região produz feijão-caupi há 40 anos no Pará. Ele herdou do pai, Benedito Sebastião de Souza, a tradição desse cultivo. A BRS Bené é uma homenagem ao pai, que foi pioneiro na produção do grão no Nordeste do Pará. O agricultor Francisco Douglas Cunha, que trabalha há 30 anos com feijão-caupi no município de Augusto Corrêa, no Nordeste do Pará, acredita que os novos materiais vão fortalecer a agricultura familiar na região, pois atendem diretamente à demanda dos agricultores. “Cada material tem sua vantagem. Os grãos da variedade marrom (BRS Bené) demoram a escurecer, e essa condição era tudo o que a gente queria em um feijão de cores, porque com outros materiais a gente colhe e é obrigado a vender quase que imediatamente. Isso dificulta bastante”, exemplifica Douglas. “Em relação ao feijão manteiguinha, existe muita mistura no campo nas populações crioulas e essa nova variedade vai elevar a qualidade do nosso produto que tem um mercado certo”, afirma o agricultor. “Além da importância econômica, é uma cultura de segurança alimentar, assim como a mandioca. É preciso resgatar as políticas públicas de incentivo à produção de feijão-caupi na agricultura familiar do estado”, conclui o empresário Benedito Dutra Souza.
Fotos: Ronaldo Rosa |
Desafios do mercado
Das quase 10 mil toneladas que a empresa paraense Gama Lopes vende anualmente de feijão, apenas 1,2 mil toneladas são de feijão-caupi, entre o tradicional e do tipo “manteiguinha”. Apesar de ocupar pouco mais de 10% das vendas, o caupi tem potencial para crescer, segundo Fabrício Campos de Sá, sócio-diretor da empresa. “São dois os grandes desafios do mercado de feijão-caupi no estado: o primeiro é aumentar consumo, pois o paraense não tem o hábito de consumir esse grão; e o segundo é aumentar a produção”, cita o empresário.
A Gama Lopes atua no mercado paraense há mais de 30 anos com três tipos de feijão comum (phaseolos) e dois de feijão-caupi. Todo o feijão comum ensacado na empresa vem de outros estados como Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. “Do feijão que vendemos, o Pará só produz o caupi tradicional e o tipo manteiguinha”, acrescenta Campos de Sá.
Para ele, o feijão “manteiguinha” tem um nicho de mercado importante: a alta gastronomia. “Mas é preciso profissionalizar e ampliar a produção desse grão no estado”, ressalta.
Exclusividade na alta gastronomia
“Hoje já podemos ver o manteiguinha despontando nas criações da gastronomia brasileira”, afirma a chef paraense Ângela Sicília. Ela comanda com o irmão Fabio Sicilia, também chef e gestor, um dos restaurantes mais tradicionais da capital paraense.
Ângela Sicília, premiada no concurso da Rede Mundial de Cidades Criativas Gastronomia, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), atua com gastronomia “ítalo-amazônica” desde de 2012.
O feijão “manteiguinha” (foto à direita) compõe um dos pratos mais apreciados do cardápio do restaurante: o Filé Marajônico. O prato traz carne vermelha com queijo do Marajó e risoto de feijão “manteiguinha”. “O prato entrou no cardápio em 2019 e rapidamente alcançou a segunda posição em vendas”, lembra Fabio Sicilia.
Ele acredita no potencial desse grão, genuinamente paraense, na alta gastronomia. “O manteiguinha agrada o exigente público da alta gastronomia, tem excelente qualidade de grão e por não ser uma commodity, entra no rol de ingredientes exclusivos. Isso faz com que chefs do mundo inteiro queiram ter esse diferencial”, afirma. Para Ângela, o desafio maior é fazer com que esse grão chegue às mãos de mais chefs no Brasil e em outros países.
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