sábado, 28 de janeiro de 2023

 Avaliação da CONTAG sobre a proposta inicial de orçamento de 2023 para as políticas de apoio à agricultura failiar








O orçamento proposto pelo governo para 2023 aprofunda a mudança de orientação das políticas públicas para agricultura iniciada em 2015. A focalização de políticas específicas para a agricultura familiar foi colocada em segundo plano, com clara queda nas dotações orçamentárias. É no orçamento que o governo revela de forma objetiva suas prioridades e orientação programática. O corte de recursos para agricultura familiar no projeto orçamentário de 2023 deixa claro que este setor, que é quem abastece o mercado interno, não é reconhecido como uma área estratégica para o governo, mesmo frente a alta de preços dos alimentos e a escalada da insegurança alimentar no País.

A comparação entre os projetos originais do governo para 2022 e 2023 sinalizam maior destinação inicial de recursos para o setor, mas muito inferior a aprovada na lei de 2022 (LOA 2022). Este fato mostra a importância do acompanhamento do processo orçamentário e da ação da CONTAG e demais entidades parceiras na negociação por emendas ao projeto inicial. Após a negociação no Legislativo, o orçamento para as políticas de apoio à agricultura familiar teve acréscimo de 60% ou cerca de R$ 4 bilhões a mais do que no projeto original enviado pelo poder Executivo (PLOA 2022).


Políticas agrícola e agrária para agricultura familiar perdem mais de R$ 2,1 bilhões na proposta orçamentária para 2023. Ao todo, a proposta de Bolsonaro tira R$ 3,2 bilhões do orçamento das políticas públicas monitoradas pela CONTAG para a agricultura familiar e a população do campo.

Política Agrária

A política agrária proposta pelo governo é de esvaziamento dos recursos do Incra para as suas ações de obtenção de terras e desenvolvimento de assentamentos. Obtenção de terras para assentamento de famílias agricultoras tem destinação de apenas R$ 2,4 milhões. Desenvolvimento de assentamentos, que envolve ações de consolidação de áreas de reforma agrária e a concessão de crédito instalação, teve R$ 131,7 milhões em 2022 e tem proposta de ser reduzido para R$ 56 milhões. Para se ter uma ideia da gravidade no corte desses recursos, somente a ação crédito instalação (ação 0427) nos PLOAs 2019 e 2020 estava na ordem de R$ 266 milhões. O valor destinado para 2023, juntando tudo, é menos de 50% de uma única rubrica.

O Fundo de Terras saiu de R$ 480,6 milhões para R$ 396,1 milhões, uma redução de R$ 84,4 milhões (17,6%). Assistência técnica para a reforma agrária tem previsão de apenas R$ 50,0 mil. O mesmo ocorreu com o Pronera, que para 2022 tem R$ 17,9 milhões e foi encaminhado proposta para 2023 com R$ 4,0 milhões, 77,7% a menos.

Fica evidente que o governo quer retirar as famílias assentadas do orçamento público ao investir apenas na titulação, visando empobrecer a reforma agrária para forçar um mercado de terras e a reconcentração fundiária. Pela forte pressão dos movimentos, dos sujeitos do campo, floresta e águas e da opinião pública internacional, o governo manteve os recursos para as rubricas de monitoramento dos conflitos no campo, de apoio aos povos originários, mas inviabilizou o reconhecimento e indenização de comunidades quilombolas ao reservar apenas R$ 405,0 mil. Os recursos já eram pequenos, na ordem de R$ 3,0 milhões em 2019.

Política Agrícola

A “ação 0281”, que contabiliza os recursos para “Subvenção Econômica para a Agricultura Familiar – Pronaf” teve corte de R$ 457,2 milhões (7%) em relação à LOA 2022. Houve manutenção nominal dos valores disponíveis, mas com uma clara redução do subsídio ou do orçamento para “equalização” das taxas de juros. O governo vem buscando incluir a “agricultura familiar” no mesmo bolo do crédito para o “agronegócio”, sem diferenciar o mercado interno e o mercado externo, comida e commodities.

Os recursos para soberania e segurança alimentar e nutricional, que envolvem o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), a promoção e consumo de alimentos saudáveis distribuídos a pessoas mais vulneráveis da população estão na ordem de apenas R$ 2,2 milhões; em 2022, foram destinados R$ 6,5 milhões e, em 2019, tivemos R$ 26,9 milhões. A “ação 2792” - “Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Tradicionais e Específicos” teve corte de 95%, perdendo mais de R$ 367,7 milhões em relação ao orçamento aprovado para 2022.

A situação fica mais grave ainda quando olhamos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). O PAA, atual programa Alimenta Brasil, teve corte de praticamente 100% dos recursos, passando de R$ 699,4 milhões para R$ 2,7 milhões. Mesmo se considerado o PLOA 2022 enviado pelo próprio Executivo, o corte é de 97,4% (no ano passado a proposta inicial para este ano foi de R$ 101,7 milhões). O Pnae, apesar do baixo valor de R$ 0,36 criança/dia para alimentação das crianças do Ensino Fundamental e Médio, o governo vetou reajuste de 34% (IPCA “alimento e bebidas” acumulado desde 2017) aprovado pelo Congresso, na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2023 (LDO 2023).

A “Formação de Estoques Públicos com Produtos da Agricultura Familiar” (ação 2130) contabiliza R$ 69 milhões a menos de orçamento na proposta do governo para 2023, que em 2022 foi de R$ 469 milhões. Vale destacar que nos orçamentos de 2019 a 2021 estes recursos estavam na ordem de R$ 1,4 bilhão. A retirada desses recursos impediu que o governo pudesse controlar melhor a inflação dos alimentos, prejudicando a população, principalmente as pessoas mais pobres, agravando os problemas decorrentes da pandemia de Covid-19.

Os recursos para assistência técnica também têm sofrido cortes ao longo dos anos e, em 2023, devem se aprofundar. Os recursos que eram específicos para agricultura familiar até 2020 passaram a ser para toda a agricultura, e tem proposta de reduzir de R$ 30,5 milhões para R$ 9,9 milhões. Situação pior ocorreu com a habitação rural. A subvenção econômica para projeto de interesse social em áreas rurais (ação 00CX) no PLOA 2023 teve corte de 99,5% comparado à LOA de 2022, mantendo rubrica simbólica de R$ 100 mil. O valor de 2022 foi de R$ 27 milhões. Em 2019 tivemos R$ 404 milhões. 

Ações estruturantes de acesso à água para os agricultores e agricultoras – “Apoio à Implantação de Equipamentos e de Tecnologia Social de Acesso à Água para Consumo Humano e Produção de Alimentos” (ação 8948) – saiu de R$ 61,2 milhões em 2020 para R$ R$ 2,2 milhões em 2023, um redução de 96,3%.

Meio Ambiente

No orçamento para as políticas ambientais houve uma recuperação nas ações de que dizem respeito às mudanças climáticas, com o incremento na ação “fomento a estudos, projetos e empreendimentos que visem à mitigação e à adaptação à mudança climática, que em 2022 tinha apenas R$ 525 mil e saltou para R$ 3,4 milhões. Nos recursos hídricos melhorou o valor para conservação e recuperação de bacias hidrográficas, saindo de R$ 5 milhões para R$ 10 milhões, mas a implantação de infraestruturas para segurança hídrica poderá perder 42,5% entre 2022 e 2023, caindo de R$ 35,1 milhões para R$ 20,2 milhões. Situação pior se registra com os programas Água Doce e Doce Mar, cujo montante em 2022 foi de R$ 125,4 milhões e poderá cair para R$ 3,0 milhões. 

As ações de conservação e uso sustentável da biodiversidade permanecem praticamente nos mesmos patamares de 2022 e houve um aumento de 17% nos recursos para controle e fiscalização ambiental, que tem previsão inicial de R$ 231,5 milhões para 2023. E os recursos para manejo de resíduos sólidos em municípios com até 50 habitantes em 2022 teve R$ 14 milhões e a previsão para 2023 é cair para R$ 7,7 milhões.

Políticas Sociais

As políticas para crianças e adolescentes tiveram oscilações. Enquanto os recursos para o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente tem proposta de aumento de R$ 10,4 milhões para R$ 15,7 milhões para 2023, o apoio à manutenção da educação infantil caiu de R$ 51 milhões para R$ 2,5 milhões em 2023, uma redução de 94,9%. A ação de apoio à implantação de escolas de educação infantil está zerada desde este ano, mas, em 2021, tinha R$ 222 milhões.

Nos recursos do Pronera vinculados ao Mapa houve uma redução de R$ 17,9 milhões em 2022 para R$ 4,0 milhões, uma queda de 77,7%. No saneamento rural, na proposta de 2023, voltamos ao mesmo patamar de 2021 com R$ 82,4 milhões. Em 2020 tivemos R$90 milhões, mas em 2020 esta ação tinha recursos na ordem de R$ 254,5 milhões.

Política para as Mulheres

A ação de apoio à organização econômica e promoção da cidadania de mulheres rurais, que tinha recursos na ordem de R$ 32 milhões em 2014, em 2017 foi para R$ 11,3 milhões. Em 2018 caiu para R$ 5,1 milhões e foi zerada a partir de 2019 e assim permanece até a proposta inicial de 2023. O mesmo ocorreu com a ação 218B – “Política para as mulheres: promoção da igualdade e enfrentamento à violência”, que tinha R$ 25,0 milhões em 2019 e foi zerada a partir desta data.

Políticas para a Juventude

A gestão de políticas para a juventude em 2019 tinha 17,0 milhões, e foi zerada a partir de então. Os recursos para o Conselho Nacional de Juventude já havia sido zerada em 2019. As políticas de esporte, educação e lazer que no PLOA 2022 teve R$ 81,8 milhões, tem previsão de cair para R$ 49,1 milhões. Em 2019 estas rubricas, sozinhas, representavam R$ 403,7 milhões. Em 2020 foi de R$ 348,4 milhões. A concessão de bolsa-permanência no ensino superior permanece no patamar dos anos anteriores, na ordem de R$ 160,0 milhões.

Políticas para a Terceira Idade e Pessoas Idosas

A ação de apoio a iniciativas de inclusão digital aumentou o montante previsto de R$ 63,3 milhões em 2022 para R$ 87,0 milhões em 2023. Porém, o Fundo Nacional do Idoso tem previsão de extinção em 2023, quando em 2022 teve R$ 2,9 milhões e, em 2021, foi de R$ 17,7 milhões. E a ação de promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa, que tinha R$ 5,5 milhões em 2019, foi zerada a partir de 2020.

Relações Internacionais

A ação cooperação humanitária internacional e participação da sociedade civil foi ampliada de R$ 14,0 milhões em 2022 para R$ 25,0 milhões em 2023, com um aumento de 78,6%.

Conclusão

A atuação da CONTAG junto aos deputados/as e senadores/as é fundamental para garantir recursos para as políticas para a agricultura familiar e população rural. No orçamento de 2022 conseguimos incluir R$ 5,2 bilhões a mais do que o montante previsto pela proposta original do poder Executivo, fora os R$ 79,6 bilhões extras para o programa Bolsa Família, renomeado de Auxílio Brasil.

O trabalho sobre o orçamento de 2023 está apenas começando para a CONTAG. Sabemos das necessidades dos trabalhadores rurais agricultores e agricultoras familiares e vamos trabalhar para modificar a proposta orçamentária do governo, buscando adequá-la às demandas da agricultura familiar e de um País que presa e age para erradicar a fome, restabelecer a segurança alimentar e nutricional, fomentar a produção e o consumo de uma alimentação saudável e construir as bases de uma agricultura inclusiva, soberana e de respeito ao meio ambiente. 

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