Agricultores recebem títulos definitivos da terra após décadas de espera
Batista Fogliato e Neli receberam o título definitivo de sua área em em São Francisco de Assis (RS).
Agricultores da antiga Fazenda Perseverança, em São Francisco de Assis (RS), receberam hoje (18) o título definitivo de suas terras. A entrega dos documentos para 85 famílias foi realizada pelo Incra em cerimônia, que reuniu cerca de 150 pessoas na sede da associação da comunidade.
A titulação da área federal finaliza sete décadas de incertezas e oferece segurança jurídica aos proprietários que permanecem no local ou aos descendentes que cresceram aguardando a regularização.
Cerca de 70% da área total – de 2,9 mil hectares – foi titulada pelo Incra nesta ação. Os títulos individuais serão levados a registro pela regional do Instituto, concluindo a documentação em nome dos agricultores.
A diretora de Governança Fundiária do Incra, Eleusa Maria Gutemberg, destacou que a regularização fundiária é uma das principais diretrizes da autarquia hoje. “Atuamos para tornar essa política pública uma prioridade. A União não tem que ser dona de terras, nem tem de ficar dando palpite na vida de vocês. Os donos são os produtores que labutam diariamente nas terras”.
Segundo a diretora, são 140 milhões de hectares registrados em nome da União, que precisam ser emancipados para “dar liberdade” aos que utilizam corretamente a terra. “Vocês entraram aqui como posseiros há muitos anos e hoje saem como proprietários rurais do Rio Grande do Sul”, comemorou Eleusa ao entregar os documentos definitivos na Perseverança.
O empenho e a força de vontade das famílias que estão na área até hoje também foi lembrado pelo superintendente do Incra no Rio Grande do Sul, Gilmar Tietböhl. “É uma área emblemática que aguardava definição há muitos anos. Por isso, a titulação é de extrema significância. É a primeira vez, desde 2019, que o Incra regulariza áreas dessa natureza no RS” – os demais títulos entregues no estado, neste período, são de assentamentos federais.
Herança
Para Carlos Alberto Gripa, 47 anos, a titulação dá sequência ao trabalho agrícola iniciado pelos pais, Hermes e Maria Zeni - com quem mora até hoje. “Vim para cá aos três meses de idade, e acompanhei toda a vida deles. Os mais antigos nem acreditavam que esse dia ia chegar”.
Ele conta que a maioria não obtinha talão do produtor e usava a produção como garantia para acessar possíveis financiamentos. “O documento é importante porque garante a terra como um bem, um patrimônio”.
Na sala de casa, a família guarda um pequeno quadro da foto com a equipe do Incra, que durante anos desenvolveu atividades de campo com vistas à regularização fundiária. “A presença de todos ficou marcada porque era a esperança que tínhamos de um dia tudo finalmente ser resolvido”, diz Gripa.
Resistência
A ocupação da Perseverança tem histórico de conflito, quando, há quase setenta anos, faleceu o proprietário de parte das terras. Ele também possuía concessão do governo para explorar o restante da área, e mantinha colonos como parceiros.
Em 1968, a antiga fazenda foi desapropriada pelo governo federal, tornando-se área federal. A primeira medição foi realizada pelo Incra no fim da década de 1970.
“Quando a questão iniciou eu tinha 15 anos e passei muito trabalho nessas terras. Tiravam tudo o que a gente produzia, tínhamos de esconder a comida nos matos. A primeira vez que tentaram me tirar, desmancharam a casinha que eu tinha construído, eu era recém-casado. Mas sou teimoso, sempre tive esperança e estou aqui para receber meu documento”, declara Batista Fogliato Neto, um dos moradores mais antigos do local.
Aos 86 anos, ele se emociona em poder deixar aos filhos e netos não só o legado da agricultura, como também a terra pela qual tanto lutou. “Hoje eu ajudo só um pouquinho na lida porque não tenho mais muita força. Ensinei meu neto a plantar, sempre fiz em linha reta só na prática, sem balizar. Eu queria era poder ceder a terra para eles, e agora finalmente vou conseguir”, planeja Fogliato.
A sobrinha Maria Luísa Fogliato também representa a segunda geração de agricultores “perseverantes”. Filha de José Amadeu e Zuleide, aos 46 anos, ela recebe o título de “sua chácara” com orgulho. “Nasci e me criei aqui. Aprendi tudo com meu pai. Eu tocava os bois de madrugada junto com ele, chegamos a plantar sete hectares de batata-doce para vender. Acho que tem de ficar na agricultura porque por mais que passe trabalho, aqui temos comida”, observa ela. A agricultora trabalha em conjunto com o irmão, cada um em seu lote, e ambos sob os conselhos do pai.
Tentativas
As ações de regularização fundiária da Perseverança foram retomadas pelo Incra em 2007. Dois anos depois, com orientação judicial, o Instituto certificou e registrou o imóvel em seu nome. A demarcação das terras foi finalizada em 2013, e resultou em 145 lotes ocupados por 126 famílias, uma área comunitária, outra da igreja e a área de reserva. Processos foram individualizados, mas houve alterações na legislação e nas normas da autarquia.
Entre agosto e outubro deste ano, uma força-tarefa de servidores da regional e da sede do Incra cadastraram os agricultores na Plataforma de Governança Territorial (PGT) de acordo com as regras atuais. Também foram realizados serviços de cartografia para atualizar o levantamento topográfico.
As famílias não contempladas nesta etapa estão em processo de análise processual e devem receber o título posteriormente – se cumprirem todos os requisitos previstos na legislação agrária.
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