Nessa quarta-feira (19), o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou a ADI 5.553/DF (ação direta de inconstitucionalidade),
que defende derrubar a inconstitucionalidade da isenção de impostos
para os agrotóxicos.
A ação é movida pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e
questiona dois dispositivos legais que concedem benefícios fiscais aos
venenos: o Decreto nº 7.660/11 e o Convênio 100/97 do Confaz (Conselho
Nacional de Política Fazendária) .
A primeira norma garante isenção de IPI (Imposto Sobre Produtos
Industrializados) para alguns agrotóxicos. Já a segunda, reduz em 60% a
base de cálculo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços) nas saídas interestaduais dos agrotóxicos, além de
possibilitar que os estados reduzam a base de cálculo do ICMS, que
incide sobre os produtos em até 60% nas operações internas.
Enquanto o governo brasileiro favorece o agronegócio deixa de
arrecadar bilhões de reais por ano com a isenção de impostos aos
agrotóxicos, também garante subsídios diretos de crédito ou políticas de
infraestrutura e pesquisa para o setor.
Para entendermos melhor essa ADI e a importância do STF em declarar a
inconstitucionalidade dos benefícios fiscais concedidos aos
agrotóxicos, o dirigente nacional do MST, Luiz Zarref apresenta alguns
elementos importantes na entrevista a seguir.
O que está por trás dos benefícios tributários para as
empresas de agrotóxicos ? Como isso demonstra a relação direta do
agronegócio com o Estado?
Podemos afirmar que o agronegócio brasileiro só se sustenta porque
historicamente foi apoiado pelo Estado brasileiro, com fortes
investimento no setor de pesquisa. O Brasil tem a maior empresa pública
do mundo de pesquisa agropecuária, quase exclusivamente voltada para
desenvolver tecnologia para o agronegócio. Nós temos um programa, que
passa de governo a governo, de altos investimentos em logística para
escoamento excluso de produtos do agronegócio e da mineração, que
inclusive cria uma vantagem para o agronegócio frente aos produtos
industrializados, porque esses canais de logística são voltados para os
portos em regiões de produção do agronegócio.
A própria Lei Kandir (lei complementar Nº 87/1996) isenta
completamente os produtos do agronegócio de impostos. Isso quer dizer
que de tudo que é exportado pelo agronegócio, nada, absolutamente nada, é
arrecadado pelo Estado. E isso é uma lei que beneficia a exportação de
produtos sem nenhuma industrialização, porque ela é justamente para
produtos sem industrialização. E agora fica claro o que já havíamos
denunciado, que é a isenção também dos agrotóxicos. Isso faz parte de um
pacote de suporte ao agronegócio, em que o povo brasileiro paga para
uma falsa ‘alta produtividade do agronegócio’, que na verdade é
inviável. É um modelo que tira o dinheiro do povo, tira o dinheiro do
Estado e entrega para as grandes empresas de toda cadeia produtiva do
agronegócio.
O que estamos vendo é um conluio das empresas com o Estado,
beneficiando os seus produtos a partir dessa isenção de impostos, que
são valores quatro vezes maiores que o do orçamento do Ministério do
Ambiente, por exemplo, e o dobro do valor que todo o sistema público de
saúde (SUS – Sistema Único de Saúde) utiliza para o tratamento de
câncer. Isso tudo feito pela FIOCRUZ, que embasa parte dessa denúncia.
Os dados da FIOCRUZ mostram que para cada dólar gasto em agrotóxico, é
gasto 1,28 dólar em tratamento de intoxicação aguda no estado do Paraná,
por exemplo. Pra gente ter a dimensão do alto impacto que os
agrotóxicos têm na saúde pública e, consequentemente, no orçamento
público.
No seu primeiro ano de mandato Jair Bolsonaro autorizou a
liberação recorde de 503 registros de agrotóxicos, por meio da pasta do
Ministério da Agricultura, sob o comando da ministra com estreita
ligação com o agronegócio. Como isso afeta a vida do trabalhador e da
trabalhadora?
O que a gente vê com o governo Bolsonaro é que, na realidade, esse
agronegócio que falamos, que tem um amplo apoio do Estado e que se diz
moderno, na realidade, tem em seu DNA as mesmas características
atrasadas do latifúndio que o produz, que, por um lado, prática o
desmatamento, queimadas, a violência no campo, grilagem de terra, a
legalização dessa grilagem de terra, e, por outro lado, tem criado uma
verdadeira guerra contra a natureza e contra a saúde dos seres humanos.
Eles utilizam de forma massiva produtos de guerra, produtos de alta
periculosidade e que vão, justamente fortalecer esse processo de
desmatamento, de queimada e de grilagem de terra.
Quando a gente vê o governo liberando isso tudo de agrotóxicos,
inclusive vários deles proibidos em vários países do mundo, nós estamos
vendo novamente esse papel do Estado fortalecendo a indústria da morte. E
as consequências para os trabalhadores são inúmeras. No caso do
trabalhador do campo, é importante entender que junto com essa liberação
houve mudanças na forma de identificação dos agrotóxicos, mudanças
implementadas pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e
pelo Ministério da Agricultura, que recategorizam os agrotóxicos,
retirando a definição de alto risco toxicológico para baixo risco
toxicológico, também exclui-se uma série de indicações e ilustrações de
que esses produtos têm risco de morte.
Isso aumenta o índice de intoxicação aguda nós trabalhadores do campo
e o envenenamento de lavouras e de nascentes por esses novos
agrotóxicos. Para os trabalhadores da cidade, é um envenenamento tanto
dos alimentos quanto da água – são novos agrotóxicos que vão para a mesa
do trabalhador, em um país em que já somos o maior consumidor de
agrotóxico do mundo. Estudos realizados em 2019, mostraram que a
população consumiu, em algumas capitais brasileiras, um coquetel de até
27 princípios ativos de agrotóxicos.
Com a liberação de novos agrotóxicos, o que está acontecendo é a ampliação do envenenamento da natureza e do povo brasileiro.
Você considera a ADI 553 uma ação necessária? Por quê?
A ação direta de inconstitucionalidade é uma medida importante que se
soma a uma série de outras ações, e que tem envolvido formação popular
sobre o uso de agrotóxicos, estudos juntos com a ABRASCO (Associação
Brasileira de Saúde Coletiva), com vários pesquisadores pelo país, para a
ciência explicar qual a consequência dos agrotóxicos para nosso país.
São mobilizações e também uma série de leis que estão sendo criadas por
meio da pressão popular em municípios e estados que enfrentam parte
desses benefícios que o agronegócio e principalmente o agrotóxico tem. É
importante citar a lei que retira parte da isenção de impostos dos
agrotóxicos em Santa Catarina, a lei do Ceará que proíbe a pulverização
aérea. São legislações que vêm de encontro, com a pressão popular, a
esse papel que o Estado deveria ter de cuidar dos interesses do povo e
não de interesses das empresas transnacionais. A ADI 5553 se soma no
questionamento a essa atuação do Estado.
Entendemos a necessidade de ter uma pressão sobre o STF, porque
sabemos que as transnacionais têm muita força, mas com a mobilização
social aliada aos estudos científicos, é possível fazer com que a gente
tenha uma vitória, como já aconteceu em outros momentos. Por isso que é
fundamental termos mobilização articulada para pressionar o STF.
O que reivindicam os movimentos e entidades que defendem a ADI 5553?
Movimentos e entidades da sociedade civil estão se mobilizando na
argumentação técnica e jurídica sobre impactos sociais e econômicos
dessa isenção fiscal. As organizações estão participando do julgamento
da ação na condição de amicus curiae (amigo da corte).
Ao todo quatro pedidos – individuais e coletivos – de participação
da sociedade foram admitidos pela Corte: de autoria da Defensoria
Pública do Estado de São Paulo, do Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec), a organização de Direitos Humanos Terra de Direitos,
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Associação
Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasileira de
Agroecologia (ABA) e Fian-Brasil.
Por outro lado, há a defesa da manutenção da isenção, defendida pela
Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Sindicato Nacional
da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), Confederação
da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação das Associações de
Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) e Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo (Fiesp), também admitidas no processo.
Quais os desafios dos movimentos camponeses, em luta contra os agrotóxicos hoje no Brasil?
Temos dois grandes desafios: o primeiro é entender cada vez mais o
que está por trás dos agrotóxicos, tanto do ponto de vista científico
quanto do ponto de vista do Estado, como essa questão da isenção dos
impostos. Denunciar esse processo pelos prejuízos econômicos, pelo poder
que o agrotóxico está ligado, pelos prejuízos para a natureza e a saúde
do povo trabalhador.
O segundo desafio é construirmos uma solução frente aos agrotóxicos,
que é a agroecologia. Nós temos dados do movimento camponês brasileiro,
que têm dado demonstrações contundentes de que é possível que a
agroecologia não seja apenas uma alternativa, mas que seja a matriz
tecnológica para um projeto popular do campo brasileiro. Mas precisamos
avançar mais, em escala, em diversidade, nas diferentes regiões do país,
na produção de alimento saudável, de base agroecológica para o povo
brasileiro. É claro que isso depende também da ação do Estado, mas esse
Estado que está aí se nega a dialogar com os camponeses, se nega a
reconhecer o campesinato como sujeito da produção de alimentos. Enquanto
não alterarmos essa conjuntura governamental e aumentarmos a pressão
sobre o Estado, nós precisamos ir consolidando na prática em nossos
territoriais o projeto de agroecologia.
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