Algas marinhas apresentam efeitos benéficos ao sistema digestivo humano
Estudo conduzido em conjunto pela Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
encontrou uma nova funcionalidade presente na goma carragena, extraída
de algas vermelhas. Ela é capaz de estimular a produção das chamadas
bifidobactérias, microrganismos benéficos à microbiota intestinal. O
processo de desenvolvimento da goma resultou em um depósito de patente
no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e o estímulo bifidogênico observado foi superior ao dos produtos já existentes no mercado.
A descoberta abre caminhos para o desenvolvimento de novos produtos alimentícios prebióticos feitos à base dessa goma e promotores de benefícios à atividade intestinal. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), em 2018, a localização primária de novos casos de câncer de cólon e reto foi a terceira causa entre os homens (8,1%) e a segunda entre as mulheres (9,4%). Como forma de prevenção, o INCA recomenda uma alimentação rica em produtos que contenham fibras, como frutas, legumes, verduras, cereais integrais, feijões e outras leguminosas; e pobre em alimentos ultraprocessados.
A goma carragena é rica em fibras alimentares e utilizada como agente espessante, para alterar a textura dos produtos alimentícios, e também como estabilizante, para homogeneizá-los. Por outro lado, não é totalmente solúvel em água, e depende de alta temperatura para sua desagregação e solubilidade. Para superar esse desafio, a equipe de pesquisadores usou a tecnologia de extrusão termoplástica para promover alterações no produto.
“O processo de extrusão foi capaz de promover alterações químicas nas cadeias de polissacarídeos, afetando as propriedades físicas da goma carragena, modificando sua solubilidade e viscosidade aparente”, relata o pesquisador da Embrapa Carlos Piler.
Além de tornar a goma carragena mais solúvel em água, a extrusão
termoplástica também aumentou suas propriedades funcionais, como
constatou a também cientista da Embrapa Cristina Takeiti,
orientadora da pesquisa desenvolvida por Maria Eugênia Araújo Silva
Oliveira no Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição da Unirio.
“Identificamos que a goma carragena pode ser considerada uma fonte
natural de fibra alimentar de alto valor nutricional, capaz de
potencializar o efeito bifidogênico de microrganismos do trato
intestinal humano, atuando como um suplemento alimentar”, revela a
pesquisadora.
“Embora apenas uma cepa de bactérias da espécie Bifidobacterium, a Bb12, tenha sido avaliada nesse estudo, os dados indicaram que a goma carragena possui atividade bifidogênica in vitro. No entanto, novos estudos com outras cepas devem ser realizados”, afirma a professora Maristela Nascimento, do Laboratório de Higiene e Legislação, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, que realizou os testes. Entre as bactérias, as da espécie Bifidobacterium Bb12 é uma das mais exigentes para o crescimento no sistema gastrointestinal porque necessitam de condições muito específicas para o aumento de seu número dentro do intestino, por essa razão o resultado obtido é bastante significativo.
O uso das fibras alimentares como suplemento alimentar é regulado no Brasil pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para registrar esse produto na Anvisa é necessário ainda a realização de mais pesquisa: simulação da digestão humana in vitro, toxicidade, biodisponibilidade e testes clínicos. “É o começo, mas já obtivemos um bom indicativo”, pondera a professora da Unicamp.
As algas marinhas têm sido exploradas comercialmente em cultivos em diversas regiões do planeta, representando uma importante fonte de renda de comunidades ribeirinhas e empresas de pequeno, médio e grande porte.
Atualmente, os maiores produtores mundiais de algas e de seus produtos são países do Sudeste Asiático, como Filipinas e Indonésia. Em 2015, o Brasil importou cerca de duas toneladas de goma carragena, extraída das algas Kappaphycus alvarezii, para a sua indústria alimentícia, ao custo de mais de US$16 milhões.
Não há dados oficiais sobre a produção de algas no Brasil, mas segundo informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) divulgadas em 2016, a produção nacional não consegue atender a demanda por esse produto.
Atualmente, o cultivo de algas Kappaphycus alvarezii no Brasil com fins comerciais existe unicamente em fazendas marinhas nos litorais dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, sob autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Recentemente, foram também expedidas licenças ambientais para cultivos experimentais nos litorais da Paraíba e de Santa Catarina.
Uma das iniciativas inovadoras na área de algicultura é a da startup D’Alga Aquicultura Urbana, que produz algas marinhas frescas e desidratadas da espécie Ulva fasciata, popularmente conhecida como alface do mar. O cultivo das algas é feito em tanques por meio de um sistema de aquicultura integrada com peixes, desenvolvido em recirculação de água salgada. Utilizado em todo mundo, esse sistema permite o cultivo de uma grande quantidade de algas marinhas em um espaço pequeno, otimizando o uso da terra, da água e da energia. Isso permite que a produção de algas seja possível em zona urbana, por exemplo, sem a necessidade de autorização ambiental.
Para a oceanógrafa Beatriz Castelar, pesquisadora visitante do Departamento de Ciências Veterinárias da Universidade de Turim, e uma das sócias do D’Alga, há ainda muito a avançar nesse setor no País. Ela diz que o cultivo de algas continua incipiente porque não há cultura alimentar de consumo de algas marinhas, nem de produção de matérias-primas para a indústria.
“Em geral, esse setor produtivo ainda está em fase de consolidação e sofre de problemas burocráticos para a obtenção de licenças de cultivo. Para a algicultura se tornar uma fonte alternativa viável de renda e emprego efetivo, será necessário estabelecer políticas públicas para disseminar sua prática e promover uma legislação que facilite a profissionalização da atividade”, avalia.
Por outro lado, ela considera que há um enorme campo de pesquisa e desenvolvimento no País, principalmente porque a costa brasileira ocupa uma extensão de mais de sete mil quilômetros. “Precisamos de um plano estratégico para o desenvolvimento da cadeia alimentar de macroalgas. Há um enorme potencial para inovação e negócios. Há muito a ser pesquisado, há muito a ser feito aqui no Brasil”, conclui.
A descoberta abre caminhos para o desenvolvimento de novos produtos alimentícios prebióticos feitos à base dessa goma e promotores de benefícios à atividade intestinal. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), em 2018, a localização primária de novos casos de câncer de cólon e reto foi a terceira causa entre os homens (8,1%) e a segunda entre as mulheres (9,4%). Como forma de prevenção, o INCA recomenda uma alimentação rica em produtos que contenham fibras, como frutas, legumes, verduras, cereais integrais, feijões e outras leguminosas; e pobre em alimentos ultraprocessados.
A goma carragena é rica em fibras alimentares e utilizada como agente espessante, para alterar a textura dos produtos alimentícios, e também como estabilizante, para homogeneizá-los. Por outro lado, não é totalmente solúvel em água, e depende de alta temperatura para sua desagregação e solubilidade. Para superar esse desafio, a equipe de pesquisadores usou a tecnologia de extrusão termoplástica para promover alterações no produto.
“O processo de extrusão foi capaz de promover alterações químicas nas cadeias de polissacarídeos, afetando as propriedades físicas da goma carragena, modificando sua solubilidade e viscosidade aparente”, relata o pesquisador da Embrapa Carlos Piler.
Valiosa matéria-prima aquáticaRicas em fibras alimentares, vitaminas, proteínas, minerais, compostos antioxidantes e com baixo teor energético, as algas marinhas são amplamente utilizadas na culinária oriental.Cerca de 90% de sua estrutura é composta de água, e os outros 10% compõem as paredes celulares – de textura gelatinosa – que lhe conferem maleabilidade e a protegem durante as alterações de maré. Dessa parte gelatinosa são extraídas as gomas e outras matérias-primas de alto valor agregado para as indústrias alimentícia, cosmética, farmacêutica e agroquímica. A alga mais cultivada no mundo é da espécie Kappaphycus alvarezii, de coloração vermelha, de onde se extrai a carragenana, um hidrocoloide, conhecida comumente como goma, muito utilizada na indústria alimentícia em produtos lácteos, cárneos e embutidos. |
Algas como fontes de fibras dietéticas solúveis
Segundo as Diretrizes Globais da Organização World Gastroenterology (2017), prebiótico é definido como um ingrediente que resulta em alterações específicas na microbiota gastrointestinal, conferindo benefícios à saúde do hospedeiro. O estudo conduzido pela Embrapa avaliou o efeito prebiótico presente na goma carragena após passar pelo processo de extrusão, e obteve resultados promissores.“Embora apenas uma cepa de bactérias da espécie Bifidobacterium, a Bb12, tenha sido avaliada nesse estudo, os dados indicaram que a goma carragena possui atividade bifidogênica in vitro. No entanto, novos estudos com outras cepas devem ser realizados”, afirma a professora Maristela Nascimento, do Laboratório de Higiene e Legislação, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, que realizou os testes. Entre as bactérias, as da espécie Bifidobacterium Bb12 é uma das mais exigentes para o crescimento no sistema gastrointestinal porque necessitam de condições muito específicas para o aumento de seu número dentro do intestino, por essa razão o resultado obtido é bastante significativo.
O uso das fibras alimentares como suplemento alimentar é regulado no Brasil pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para registrar esse produto na Anvisa é necessário ainda a realização de mais pesquisa: simulação da digestão humana in vitro, toxicidade, biodisponibilidade e testes clínicos. “É o começo, mas já obtivemos um bom indicativo”, pondera a professora da Unicamp.
O cultivo de algas marinhas
De acordo com dados mundiais da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), em 2012, as macroalgas representaram 26% da produção mundial de organismos cultivados, totalizando 23,8 milhões de toneladas, avaliadas em US$ 6,4 bilhões. Os últimos dados apontam que a produção média de organismos aquáticos, incluindo algas, aumentou dez vezes entre os anos de 1950 a 2015 no mundo.As algas marinhas têm sido exploradas comercialmente em cultivos em diversas regiões do planeta, representando uma importante fonte de renda de comunidades ribeirinhas e empresas de pequeno, médio e grande porte.
Atualmente, os maiores produtores mundiais de algas e de seus produtos são países do Sudeste Asiático, como Filipinas e Indonésia. Em 2015, o Brasil importou cerca de duas toneladas de goma carragena, extraída das algas Kappaphycus alvarezii, para a sua indústria alimentícia, ao custo de mais de US$16 milhões.
Não há dados oficiais sobre a produção de algas no Brasil, mas segundo informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) divulgadas em 2016, a produção nacional não consegue atender a demanda por esse produto.
Atualmente, o cultivo de algas Kappaphycus alvarezii no Brasil com fins comerciais existe unicamente em fazendas marinhas nos litorais dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, sob autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Recentemente, foram também expedidas licenças ambientais para cultivos experimentais nos litorais da Paraíba e de Santa Catarina.
Uma das iniciativas inovadoras na área de algicultura é a da startup D’Alga Aquicultura Urbana, que produz algas marinhas frescas e desidratadas da espécie Ulva fasciata, popularmente conhecida como alface do mar. O cultivo das algas é feito em tanques por meio de um sistema de aquicultura integrada com peixes, desenvolvido em recirculação de água salgada. Utilizado em todo mundo, esse sistema permite o cultivo de uma grande quantidade de algas marinhas em um espaço pequeno, otimizando o uso da terra, da água e da energia. Isso permite que a produção de algas seja possível em zona urbana, por exemplo, sem a necessidade de autorização ambiental.
Para a oceanógrafa Beatriz Castelar, pesquisadora visitante do Departamento de Ciências Veterinárias da Universidade de Turim, e uma das sócias do D’Alga, há ainda muito a avançar nesse setor no País. Ela diz que o cultivo de algas continua incipiente porque não há cultura alimentar de consumo de algas marinhas, nem de produção de matérias-primas para a indústria.
“Em geral, esse setor produtivo ainda está em fase de consolidação e sofre de problemas burocráticos para a obtenção de licenças de cultivo. Para a algicultura se tornar uma fonte alternativa viável de renda e emprego efetivo, será necessário estabelecer políticas públicas para disseminar sua prática e promover uma legislação que facilite a profissionalização da atividade”, avalia.
Por outro lado, ela considera que há um enorme campo de pesquisa e desenvolvimento no País, principalmente porque a costa brasileira ocupa uma extensão de mais de sete mil quilômetros. “Precisamos de um plano estratégico para o desenvolvimento da cadeia alimentar de macroalgas. Há um enorme potencial para inovação e negócios. Há muito a ser pesquisado, há muito a ser feito aqui no Brasil”, conclui.
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