Cooperativas são importantes para mulheres do campo, mas poucas têm poder de decisão
Mulheres rurais, mulheres com direito
Tripla jornada, preconceito e lacunas na formação diminuem envolvimento das mulheres nos postos de liderança
A
experiência de mulheres trabalhadoras do campo mostra que é por meio do
cooperativismo ou por associativismo que elas conseguem acessar
recursos para produzir, serviços, oportunidades de emprego e de
representação em conselhos com voz para decidir.
O potencial existente em cooperativas
para a autonomia das mulheres rurais é destacado pela Comissão da ONU
sobre a Situação da Mulher e pela Aliança Cooperativa Internacional
(ACI). “A riqueza gerada pelas cooperativas permanece na comunidade,
criando postos de trabalho e atividades sustentáveis. As cooperativas
são baseadas em valores que representam um modelo adequado para as
mulheres construírem seu próprio futuro”, declarou Rodrigo Gouveia,
diretor de Políticas da ACI.
No entanto, o papel das mulheres rurais
na proteção e gerenciamento de recursos naturais, no desenvolvimento
econômico da comunidade local e na participação mais efetiva nas
cooperativas esbarra na dificuldade de conciliar as diferentes
atividades que estão culturalmente sob responsabilidade feminina.
Segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), em todas as faixas etárias, de 14 a 60
anos, as mulheres de todas as regiões do país do campo e da cidade se
dedicam mais diariamente aos afazeres domésticos do que os homens. Em
média, as brasileiras trabalham mais de 11 horas em atividades
relacionadas aos cuidados de outras pessoas ou da casa, enquanto que os
homens dedicam menos da metade desse tempo (5,1 horas).
Levantamento no Paraná
A sobrecarga de trabalho é um dos
problemas citados pelas mulheres rurais como empecilho para participar
de forma mais efetiva do trabalho das cooperativas, principalmente em
cargos de liderança. O resultado foi encontrado em levantamento feito
durante o 1º Encontro de Mulheres Rurais do Mercosul, realizado no final
do ano passado no Paraná para debater o tema do cooperativismo e a
questão de gênero.
O encontro reuniu em Medianeira (PR)
mais de mil mulheres, das quais 173 foram entrevistadas por
pesquisadores da Universidade da Integração Latino Americana (Unila),
com apoio da Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar no
Mercosul (Reaf) e da União Nacional das Cooperativas da Agricultura
Familiar e Economia Solidária (Unicafes).
Norma Siqueira, produtora de frutas no Paranoá, Distrito Federal (Foto: Aquivo MDA)
Quase 80% das entrevistadas tinha mais
de 40 anos e eram aposentadas. A pesquisa revela que, na percepção das
mulheres, as tarefas domésticas e a falta de formação são fatores
determinantes na participação. Elas também mencionam a falta de
motivação, insegurança e autoafirmação.
De acordo com o levantamento, quase
metade (48%) das mulheres tem uma carga horária de mais de 10 horas de
trabalho doméstico, sendo que 13% delas disseram ter 15 horas de
trabalho doméstico. Em sua maioria (72%) as mulheres dedicam de uma a
cincor horas para participar dos espaços de gestão da cooperativa.
“Como que mulheres com uma carga de
trabalho tão grande em casa, cuidando da família e dos filhos, têm
condição de estar na cooperativa? Isso revelou que as políticas precisam
ser direcionadas para questões que são muito mais complexas do que
aquelas que estão evidenciadas”, comentou Maíra Lima Figueira, assessora
da Unicafes.
A maioria das entrevistadas atuam em
cooperativas ligadas a empreendimentos de poupança e crédito, seguidas
de estabelecimentos de agropecuária, social, trabalho e consumo. Elas
também participam de forma significativa em cooperativas de catadores.
A principal atividade exercida por elas
nas cooperativas é na área de crédito e financiamento. As associações
em que trabalham comercializam, principalmente, soja, milho, trigo,
feijão e o sorgo, seguido de carne de gado, caprinos, ovinos, suínos,
mel, arroz, batata e mandioca. Apenas 4% das mulheres relataram que as
cooperativas em que trabalhavam forneciam produtos para merenda escolar.
Mais de 70% delas disseram que dedicam
entre uma e cinco horas para participar dos espaços de gestão da
cooperativa. Cerca de 35% relataram que participam de alguma forma de
comissão dentro da cooperativa, a maioria delas tem mais de 55 anos, e
20% atuam na direção da cooperativa e apenas 9% estão na diretoria
financeira das associações.
As comissões com maior participação
feminina tratam de terceira idade, informação, ajuda geral, clube de
mães, gênero, juventude, gerenciamento, produção, comércio,
financiamento, entre outros. Os pesquisadores constataram que a maioria
das mulheres tem contato com a cooperativa por meio do marido.
Mulheres acumulam atividades fora do lar com cuidados de outras pessoas e da casa (Foto: Arquivo MDA)
De modo geral, a maior parte afirma que
opina nas decisões da cooperativa, mas que sua opinião não é levada em
conta, além de serem questionadas sobre sua formação. Em 35% das
respostas, elas destacaram a falta de apoio, oportunidade, formação e
informação como fatores que afetam essa participação.
O levantamento apontou a necessidade de
atividades motivacionais, que valorizem a autoestima e que promovam a
igualdade de direitos nas cooperativas. Outra sugestão é promover
eventos que envolvem a participação das famílias, dos homens e jovens
para discutir questões de gênero, saúde da mulher e paridade no
trabalho.
O questionário foi semelhante ao
realizado pela Confederação Uruguaia de Entidades Cooperativas
(Cudecoop). O país vizinho tem cerca de 3 milhões de habitantes e 1,2
milhão de pessoas ligadas às cooperativas.
No Uruguai, apenas 16% das titulares da
direção das classes cooperativas são mulheres. Aparece como central na
dificuldade para participação feminina nos espaços de decisão a
imposição cultural às mulheres das tarefas de cuidado dos filhos e de
outros dependentes, além do trabalho doméstico.
O levantamento no país vizinho cita
ainda que mais da metade da carga global de trabalho do país (que
envolve atividades remuneradas e não remuneradas) é assumida por
mulheres, que se dedicam mais que o dobro de horas ao trabalho não
remunerado em comparação com os homens.
Esses dados foram apresentados no
lançamento da 4ª edição da Campanha Mulheres Rurais, Mulheres com
Direitos, realizado terça-feira (16), na Secretaria de Agricultura
Familiar e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa).
O objetivo das entidades é estender
esse tipo de levantamento a todas as regiões do Brasil. A expectativa é
que os resultados contribuam para promover ações mais efetivas de
estímulo à participação das mulheres no dia a dia das cooperativas.
A consultora da Secretaria de
Agricultura Familiar e da campanha, Geise Mascarenhas, destaca que
quantificar o tempo dedicado pelas mulheres ao trabalho não remunerado e
o que isso representa no orçamento doméstico, pode contribuir avaliar
essa contribuição no desenvolvimento da região.“Se não tivermos
informação, deixamos na invisibilidade uma participação muito importante
que as mulheres têm para a economia dos países”, comentou Geise.
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