Aplicação indiscriminada de antibióticos provoca resistência das bactérias que causam mastite em caprinos
A constatação é de um estudo da Embrapa Caprinos e Ovinos (CE), no qual testes com microrganismos isolados mostraram, em alguns casos, resistência das bactérias de até 100% para alguns medicamentos, o que pode ser causado pela aplicação indiscriminada dos antibióticos. O estudo constatou que as bactérias causadoras da mastite caprina, que é a inflamação nas tetas das fêmeas, estão apresentando resistência aos antibióticos mais utilizados contra a doença.“Essa resistência pode estar associada à administração indiscriminada de antibióticos, sem a prescrição de um médico veterinário, proporcionando com isso a resistência a drogas antibacterianas”, alerta a médica-veterinária Viviane de Souza, pesquisadora da Embrapa e integrante da equipe que conduziu os testes com o rebanho. Ela acredita que o êxito na terapia das mastites vem sendo prejudicado pelo crescente número de cepas resistentes.
No estudo, foram isoladas cepas da bactéria Staphylococcus aureus, uma das principais causadoras da mastite, obtidas a partir de 160 amostras de leite de cabras com mastite subclínica, que é a manifestação da doença com alterações na composição do leite. Ela só pode ser diagnosticada pela utilização de testes auxiliares, pois alguns dos principais sintomas não são visíveis a olho nu. O material foi coletado de 40 cabras das raças Saanen e Anglo Nubiana do rebanho da Embrapa Caprinos e Ovinos. As cepas foram submetidas aos testes de sensibilidade (antibiogramas) aos antibióticos mais utilizados nos tratamentos contra mastite: Azitromicina, Cefoxitina, Ciprofloxacina, Clindamicina, Cloranfenicol, Eritromicina, Gentamicina, Linezolida, Penicilina G, Rifampicina e Tetraciclina.
Para cada um dos medicamentos, as cepas foram classificadas como sensíveis, que são aquelas quando há eficácia do medicamento contra o microrganismo testado; Cepas resistentes, quando o medicamento testado não se mostra eficaz; ou cepas intermediárias, quando o medicamento poderá não apresentar eficácia no controle dessa doença. Para a Penicilina G e Rifampicina, foi encontrada resistência de 100% por parte dos microrganismos. Para Eritromicina e Tetraciclina, foi encontrado percentual de resistência de 75%. Os demais variaram entre 25 e 50%. Somente o Cloranfenicol não encontrou indicadores de resistência no rebanho avaliado.
O rebanho de caprinos do Brasil está estimado em 8,2 milhões de cabeças, segundo o último Censo Agropecuário produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os animais estão concentrados em três regiões: Nordeste, com 7,6 milhões de cabeças; Norte, com 188 mil; e Sul, com 152 mil. A produção nacional de leite de cabra girou em torno de 25 milhões de litros em 2017.
Segundo o zootecnista Fernando Lucas de Mesquita, pesquisador do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), esses dados não chegam a surpreender, em virtude de uma realidade já visível de uso indiscriminado de antibióticos. “A resistência já existe. É muito comum a aplicação indiscriminada de medicamentos. Na maioria dos casos, os produtores não procuram auxílio técnico e aplicam de forma errada”, ressalta.
Até o fim deste ano, testes semelhantes conduzidos pela Embrapa estarão em andamento, em criatórios nos estados da Paraíba, Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo, cujos resultados devem ser concluídos nos próximos meses. Viviane de Souza acredita que indicadores semelhantes de resistência apareçam em rebanhos comerciais, uma vez que resultados parecidos foram observados até mesmo em outro rebanho da Embrapa, que adota práticas regulares e orientadas de prevenção.
Na avaliação da pesquisadora, as dificuldades no controle e tratamento da mastite, a partir de uma realidade maior de resistência dos agentes causadores, preocupam o setor produtivo, principalmente porque há perda de qualidade do leite nas cabras com mastite e a possibilidade de contaminação para consumo humano, o que pode acontecer inclusive durante períodos de tratamento, quando o leite não deve ser aproveitado. “Os laticínios remuneram produtores pela qualidade. Esse mercado penaliza quem não produz leite com as características desejadas”, afirma a cientista.
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