sexta-feira, 18 de maio de 2018

Por que o uso de agrotóxicos aumenta o número de pragas, na visão deste pesquisador

Perguntamos ao criador da palavra ‘agrotóxico’ quais são os efeitos negativos que essas substâncias químicas podem ter sobre as lavouras


adilson-paschoal-esalq (Foto: Rogério Albuquerque/Ed. Globo)
Na metade da década de 1970, com um Ph.D. em ecologia e conservação de recursos naturais pela Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, o engenheiro agrônomo Adilson Paschoal voltou ao Brasil decidido a se aprofundar na área de agroecologia. Na época, essa palavra ainda não existia, mas os conceitos estavam muito claros para Adilson. “Eu vim com uma bagagem muito boa”, diz.
De Ohio ele foi diretamente para a Esalq, onde tinha se formado e passou a dar aulas de Ecologia e Conservação de Recursos Naturais, curso pioneiro criado por ele e que precisou esperar dez anos para se chamar Agroecologia e Agricultura Orgânica. “Ainda não havia aqui no Brasil a aceitação de uma agricultura de base ecológica. Ainda estava no comecinho dos conceitos.”
Outra coisa que não havia era um termo preciso para indicar a toxidade dos agroquímicos utilizados nas plantações. O que havia eram diversas palavras como “pesticidas” e “praguicidas”, que passaram a ser chamadas de modo genérico pelo eufemismo “defensivos agrícolas”.
Agrotóxicos têm sentido geral para incluir todos os produtos químicos usados nos agrossistemas para combater pragas e doenças"
Adilson Paschoal
Foi aí que Adilson propôs uma palavra que, além da precisão científica, funcionava de alerta aos consumidores sobre a presença de um componente “tóxico” nos alimentos. Estava criado o “agrotóxico”, proposto pelo professor em um artigo publicado em 1977.

Dois anos depois, no livro Pragas, praguicidas & a crise ambiental, Adilson explicou: “agrotóxicos têm sentido geral para incluir todos os produtos químicos usados nos agrossistemas para combater pragas e doenças. O termo é uma contribuição útil, já que a ciência que estuda esses produtos chama-se toxicologia.”
Mas o trabalho ia muito além disso. O livro revelava uma informação surpreendente: o uso de agrotóxicos na agricultura não só não combatia efetivamente o número de pragas em uma lavoura como liquidava seus predadores naturais. Sem esses predadores, os organismos que atacam a lavoura e resistiram ao agrotóxico passam a crescer sem resistência. Assim, os agrotóxicos criaram um desequilíbrio ecológico e aumentaram o número de pragas quando passaram a ser aplicados em grande escala, diz o professor.
Na biblioteca do antigo departamento de Zoologia da Esalq, montada pelo próprio Adilson, GLOBO RURAL perguntou: como o senhor chegou a essa conclusão? E ele respondeu.
Imagine uma planta ao longo do período evolutivo dela. Ela apareceu pela primeira vez na natureza e oferece um ambiente para outro organismo poder viver dela. Agora imagine que apareça um inseto que vai se alimentar dessa planta. Se esse inseto conseguir alimentar-se dela toda, a planta desaparecerá como espécie.

Mas no processo evolutivo essa planta se manteve, porque ela passou a produzir substâncias contra esse inseto que está se alimentando. Nós sabemos que isso existe. A nicotina, por exemplo, é tirada do tabaco. A piretrina vem do crisântemo. Então toda planta tem uma substância de defesa.

Se essa planta produz isso, o que aconteceria com esse inseto? Ele deveria ser expulso. No entanto, ao longo do processo evolutivo, esse inseto, ou outra espécie que seja, desenvolve um mecanismo para se desintoxicar dessa substância. É um mecanismo bioquímico.

Então, a planta produz substância contra o inseto, um ácaro, um nematoide etc. E ele produz um mecanismo para desintoxicar-se. Isso se chama cooevolução. Ou seja, uma evolução conjunta. A planta juntamente com o organismo que se alimenta dela.

Agora, adicione uma vespa que se alimenta desse inseto e você tem a mesma coisa. Se ela for altamente eficiente capturando o inseto, ela exclui o inseto. Mas o inseto, por sua vez, adquire um mecanismo para se defender dessa vespa, o que também é uma cooevolução. Só que desta vez é a coevolução de um predador com um herbívoro. Esse inseto cooevoluiu com a planta. Agora a vespa, inimigo natural do inseto, cooevoluiu com a praga e não com a planta.



Então entra o homem na história. Ele aplica o agrotóxico nesse ambiente. O que o agrotóxico matará mais? A praga ou o predador natural da praga? Quem morre mais é a vespa, o inimigo natural da praga. A vespa não tem o mecanismo para se defender das toxinas que o homem tirou da planta e agora aplicou no ambiente total. Morre o inimigo natural e a praga permanece.
O que o agrotóxico matará mais? A praga ou o predador natural da praga? Quem morre mais é o inimigo natural da praga"

À medida que o homem faz isso em grande escala, ele elimina os inimigos naturais. Eles são mortos 100% porque não têm mecanismo de pré-resistência. A praga tem, então cerca de 80% dela morre.

Os agrotóxicos criaram um desequilíbrio ecológico e geraram pragas quando passaram a ser aplicados em grande escala. Eles aumentaram o número de pragas.

Outra explicação para isso envolve os adubos minerais aplicados na planta. Por exemplo, um adubo à base de nitrogênio: nitrocálcio, ureia, sulfato de amônio, esse tipo de coisa. A planta absorve tudo isso. Vai ficar na seiva da planta.

Agora imagine um pulgão que está sugando a seiva da planta. Pode ser um ácaro, um nematoide. O pulgão só se alimenta daquilo que está disponível na seiva. Ele não é capaz de fazer como um gafanhoto, que come e digere a folha. O gafanhoto consegue pegar a proteína da folha e transformar em aminoácido de gafanhoto. Agora, esses que sugam não têm isso. Ele não digere, ele precisa do material pronto.

Então, quando eu forneço adubo solúvel, principalmente nitrogenado, eu vou aumentar a quantidade de alimento para o pulgão, para o ácaro. Então o adubo solúvel aumentou a praga. O agrotóxico com o adubo aumenta o número de pragas.

E o terceiro fator é a variedade. Antes era variedade resistente, agora é variedade de alta resposta ao adubo.

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