LUTA, RESISTÊNCIA E VITÓRIAS >> Experiências territoriais do Semiárido brasileiro são exemplos de resistência na agroecologia
A
Chapada do Apodi (RN) e o Polo da Borborema (PB) são dois dos seis
territórios agroecológicos da região que serão apresentados no IV
Encontro Nacional de Agroecologia (ENA)
Há anos, o agronegócio vem tentando
se instalar no lado potiguar da Chapada do Apodi a partir do projeto de
perímetro irrigado. A partir da resistência das famílias e organizações
sociais e sindicais que trabalham com agricultura familiar no
território, o projeto não foi implementando como previsto, mas as
empresas de monocultivos de frutas para exportação estão em ação através
da exploração das águas subterrâneas fora da área do perímetro, através
da escavação de poços profundos.
As obras que permitirão a irrigação a
partir das águas da barragem de Santa Cruz estão paradas por uma
determinação judicial até que o Departamento Nacional de Obras contra a
Seca (DNOCS), ligado ao Ministério da Integração Social, responsável
pelo projeto, refaça o relatório de impacto social e ambiental. No lado
cearense da Chapada, as famílias já sofrem com o processo de
desterritorialização a partir da implementação do perímetro irrigado
Jaguaribe-Apodi.
A água subterrânea usada pelo
agronegócio pertence ao aquífero Jandaíra, um dos maiores mananciais de
água do Rio Grande do Norte, responsável inclusive pelo abastecimento da
capital. De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Apodi, Agnaldo Fernandes, o uso desenfreado e
sem controle desse recurso pode gerar um rebaixamento do lençol freático
atingindo diretamente 600 famílias assentadas que podem ficar sem água.
De forma indireta, o sindicalista afirma que duas mil pessoas serão
afetadas. Há também um risco alto de contaminação da água pelo uso
intensivo de veneno usado nos monocultivos.
A conjuntura antidemocrática e a
diminuição nos investimentos de recursos públicos em políticas voltadas
para o campo, como o Pronaf e as tecnologias de captação de água de
chuva têm favorecido o avanço do agronegócio no território e,
consequentemente, o aumento da violência e o êxodo rural. “A sucessão
rural vinha num processo que garantia os povos no campo, os filhos dos
agricultores casando, constituindo família naquele território e isso
gera uma demanda [por cisternas], mas se as políticas não
chegam, o pessoal não tem outra oportunidade a não ser trabalhar para
essas empresas como mão de obra escrava”, denuncia Fernandes.
Entre as várias formas de
resistência ao projeto do DNOCS, conhecido como Projeto da Morte, as
mulheres têm tido um papel fundamental. São elas que estão à frente das
lutas seja através dos seus quintais produtivos e de geração de renda,
seja através de ações diretas como o fechamento dos portões para que as
empresas não se instalem no território; com as mobilizações no dia 8 de
março e até ações no âmbito internacional como a campanha 24 horas de
Ação Feminista “Somos todas Apodi”, junto à Marcha Mundial das Mulheres,
em 2012.
A apicultora e assentada da reforma
agrária, Francisca Eliane de Lima, mais conhecida como Neneide, vivencia
cotidianamente essa luta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres e
coordenadora da Rede Xique Xique, ela explica o papel das mulheres no
processo de resistência na Chapada do Apodi: “Nós, mulheres, quando
chegamos no território a gente já demarca o nosso espaço que é o espaço
de plantar, que é o espaço do quintal, de sobreviver daquilo ali, das
relações com os vizinhos, das relações comunitárias. Como somos nós que
temos a necessidade do uso das águas, de deixar o filho na escola, de
necessitar dos vizinhos, dessa história das relações de troca, então
somos nós que fazemos com que essas relações sejam relações de
sobrevivência, de resistência, que as pessoas não reconhecem como
político, mas que finda a gente fazendo. Então o nosso papel é esse de
fortalecer essa história da resistência seja do social, no político e no
econômico”.
Em outro território do Semiárido, na
Borborema (PB), a auto-organização das mulheres também tem contribuído
com as lutas e conquistas do território. Roselita Victor, do Sindicato
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Remígio e membro da
Coordenação do Polo Sindical da Borborema, explica que as trocas de
experiências foram fundamentais para reconhecer o papel das mulheres e
construir novas relações sociais baseadas na igualdade de direitos.
“A agroecologia possibilitou a gente
discutir umas das questões que até então era invisível e desumana, que
era a situação da vida das mulheres e da juventude. Quando a gente
começou a trocar experiências agroecológicas, passamos a enxergar que as
mulheres eram invisíveis nos seus papéis; que a origem do patriarcado e
do machismo também estavam enraizados, inclusive, em algumas
experiências que são comunitárias. Então eram questões que talvez no
modelo do agronegócio, que pensa apenas no capital e no lucro, essa
dimensão da qualidade de vida desses sujeitos não seria um elemento
forte de debate”, contextualiza Roselita.
A história da luta camponesa na
Borborema tem como um dos principais símbolos Margarida Alves, que foi a
primeira presidente mulher de um sindicato de trabalhadores e
trabalhadoras rurais. Hoje várias mulheres comandam os sindicatos rurais
e estão à frente das ações do Polo da Borborema, uma articulação de 14
sindicatos e aproximadamente 150 associações comunitárias que mobilizam
mais de 5 mil famílias agricultoras em torno da agroecologia na região
da Borborema, no Agreste Paraibano.
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