terça-feira, 24 de abril de 2018

A TV Globo deveria contratar agrônomos


     

                                                                                                                                                                                                    

Um ecologismo juvenil, quase ingênuo. Esta é a definição mais adequada para a forma como certos autores de novelas da rede Globo continuam a perseguir a atividade agrícola moderna, o agronegócio. A novela da vez, palco do discurso anti-agricultura, é a “O outro lado do paraíso”.

A novela é ambientada em Palmas, Tocantins, uma das novas fronteiras agrícolas do país. Ao que sugere, justamente por isso, uma provocação (gratuita), vira-e-mexe algum personagem repete um trecho no script com um certo disparate.
Como grupo de mídia televisiva, a rede Globo é uma das mais competentes do mundo. Claro, ao longo de sua variada programação, poderia qualificar bem mais os conteúdos; acrescer maiores fatias de conhecimento e cultura e encurtar as exagerado tempo dos programas de gosto discutível.
E não me refiro necessariamente às novelas – como a também no ar “Deus salve O Rei”, um esquisito épico da Idade Média – como os filmes que remetem à infância da minha geração, os inesquecíveis Ivanhoé, El Cid, Sansão e Dalila. Mas fica muito estranha a estilização de reis em castelos típicos da Dinamarca ou batalhas de arco-e-fecha nos alpes escandinavos da Noruega do século XV – em pleno Brasil de 2018 e suas agruras. Haja criatividade!
Outras novelas famosas serviram de ocasião para espicaçar a agricultura. Nos anos 1980, o sucesso O Rei do Gado retratou, com alguma dose de veracidade, o surgimento do movimento dos Sem-Terra em contraposição a um meio rural latifundiário e ultrapassado.

Qual o problema da novela “O outro lado do paraíso” com a agricultura? Independentemente da visão ideológica do autor Walcyr Carrasco e seus colaboradores Nelson Nadotti, Vinícius Vianna e Márcio Haiduck, há um equívoco, não percebido pelo telespectador urbano não-especializado, mas grave para quem possui um conhecimento mínimo de plantio. Para os agricultores e especialistas, então, é quase uma ofensa.
As falas equivocadas que alguns personagens repetem cansativamente são: “Fulano é dono de uma fazenda de soja”, ou: “Sicrano ficou rico com uma fazenda de soja”.
Pois bem, aí vai a dica aos autores (com a licença dos agrônomos que aqui lêem). Existem fazendas de café, de pimenta, de citros e frutíferas como goiaba e pêssego, entre outras, e mesmo flores, como as rosáceas. Mas não existe “fazenda de soja”.
Os grãos de café, a laranja e outras frutas vicejam em plantas arbustivas, chamadas perenes ou permanentes. Ou seja, após cada colheita, os novos frutos produzem na mesma planta.
Por que não existem fazendas de soja - assim como não existem fazendas de milho, de feijão, de algodão? Essas são culturas anuais. Isto é, após a colheita, a plantação inteira “morre”; o agricultor precisa do replantio e daí obter nova safra. Da mesma forma, anualmente, produzem algodão, milho, feijão, ervilha, amendoim, sorgo e outras oleaginosas e cereais.
E, principalmente, não existe “fazenda de soja” porque, do ponto de vista agronômico, a plantação deve ser inteiramente substituída por outra, após três anos ou, no máximo, cinco anos. Esta é a recomendação dos técnicos chamada de rotação de cultura.

A alternância auxilia a preservação do solo, melhora o controle de pragas e doenças e aumenta a produtividade. Assim, após três safras de soja, em média, o agricultor substitui pelo plantio de milho, algodão, girassol ou feijão, por exemplo. Nas grandes propriedades, a rotação é feita por áreas (talhões): soja ao lado de milho; após três ou quatro safras, inverte-se as culturas em cada lado.
A mudança de cultura, em certas temporadas, pode obedecer também estratégias de mercado. Por exemplo, muitos agricultores podem estar avaliando, seriamente, neste exato momento em que estão terminando de colher a safra de verão, do plantio da próxima safra com soja - independente da rotação agronômica. O peso dessa decisão é a perspectiva de alta da cotação de preços da soja no mercado internacional, devido ao confronto comercial entre China e Estados Unidos, maior produtor mundial do grão mas que deve perder mercado para a soja brasileira.
E por fim, outro motivo é o manejo mais recente, mais produtivo e mais sustentável desenvolvido no Brasil: a chamada integração lavoura-pecuária. Neste sistema, convivem plantações de soja, por exemplo, com a criação de gado na mesma “lavoura”. Mas aí o assunto começa a ficar muito técnico para quem não é ramo, como eu e os autores de novela.

A TV Globo costuma recorrer a consultorias para temas específicos antes de levar o programa ao grande público. Tem faltado buscar auxílio de agrônomos para suas novelas. Pior, quando contrata, não acata suas lições e conselhos.
Foi o que ocorreu em 2016, na novela Velho Chico. Seu diretor Luiz Fernando Carvalho exagerou no delírio de uma agricultura orgânica em pleno agreste nordestino. De nada adiantaram as análises e recomendações de um dos mais conceituados pesquisadores da Embrapa, chamado para a consultoria.
Ou seja, por mais que novela seja uma ficção, há um limite da realidade e de conhecimentos técnicos onde não cabem certas “viagens” dos autores. O diretor de Velho Chico, Luiz Fernando, acabou afastado no meio da novela e dispensado da TV Globo.
A emissora deveria abrir vagas, urgentemente, para engenheiros agrônomos.

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